Coimbra, dezembro de 1847

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Amada Sabrina,

Confesso que quando eu li a sua carta, tudo o que eu pensei foi em abandonar tudo e voltar imediatamente pra Viarello. Sofri muito com a notícia da morte do Hades, de forma tão inesperada e trágica. Mas sofri ainda mais, que não pudesse estar contigo pra celebrar o seu décimo sexto aniversário.

Me senti muito egoísta, também. Não tinha realizado mentalmente que dois longos anos já tinham se passado desde que eu deixei a Viarello. Que já fazem dois anos que eu não ouço a sua voz ou vejo seus cabelos brilharem sob a luz do sol, enquanto sua mãe insiste pra que você use um véu ou ande com a sombrinha.

Para mim o tempo que parecia ter passado tão rápido, subitamente se estagnou. Me dei conta que dois anos ainda nos separam, que só metade dos meus estudos já passaram e que eu terei que esperar mais vinte e quatro meses para pousar novamente os meus olhos, sobre você.

Confesso que depois de ler a sua carta, sua tristeza me contagiou. Mas como você mesma escreveu, só por um dia.

Depois de lamentar sua ausência e sonhar com o dia em que estaremos não só juntos, mas aptos a realizar todos os sonhos que crescemos compartilhando, eu comecei a me apegar as lembranças mais detalhistas, as que não tinham me acompanhado tão frequentemente durante todo esse tempo.

Pensei em como você achou absurdo que meu pai me impedisse de seguir a profissão pela qual eu era apaixonado e como você, no alto da sabedoria dos seus 10 anos de idade, disse ao Sr. Da Veiga que ele estava sendo egoísta.

Me lembrei de quando, acho que um mês antes de eu partir, fui com você aquele baile de debutantes na cidade, de quem eu nem consegui me lembrar. Pensei que quando eu te vi naquele vestido azul, comecei a perceber que você não era mais criança. E tive certeza disso quando você agarrou pelos cabelos a dona do baile porque ela passou tempo demais dançando comigo.

Não consegui mais achar a mesma graça dessa lembrança, a mesma graça que fez com que eu risse por dias a fio, depois do acontecido.

Não, Sabrina, eu acho que finalmente, depois de dois anos de ausência e a certeza de que você agora era a debutante, eu consegui entender que o motivo pelo qual você agarrou aquela menina e a surrou não foi por ciúme infantil, porque você achava que eu era seu irmão mais velho e nenhuma garota podia ter tanto a minha atenção como você.

E quando eu realizei que demorei dois anos pra perceber que naquela mesma noite, você já era uma debutante que sabia muito bem o que queria é que percebi o quão idiota e lento eu sou, se comparado a você.

O tempo todo eu via você como a criança mais inteligente, mais esperta e turrona que já andara pelos campos da Viarello.

Foi preciso dois anos para que eu finalmente percebesse que você podia ser uma criança na aparência, mas que já era uma mulher muito a frente do que seu corpo podia demonstrar, na mente e no coração.

E depois de pensar em tudo isso eu fiquei me perguntando: o que mesmo você viu em mim? O que eu fiz pra merecer toda a sua admiração, todo o seu desejo de ver cumprida uma promessa que nossos pais fizeram sem pensar, somente por gratidão e para selar a amizade?

Será que você ainda pensa nisso?

Pois eu estive pensando e concluí que, se um dia quiser ser um pouco merecedor dessa grande mulher presa ao corpo de uma debutante, terei realmente que percorrer esses dois anos e me dedicar a eles com tudo o que eu sou, para que talvez, e somente talvez, quando eu voltar, mereça você.

E assim eu deixei a tristeza de lado. Simples assim, mirando-me na sua determinação e otimismo.

Tenho certeza que antes de ler as minhas palavras, você também já tinha chegado a essa mesma conclusão, claro. Tudo o que você precisa para ser feliz, está em você mesma: lembranças, sonhos e planos que serão, a qualquer custo, realizados diante da sua admirável obstinação.

Portanto, a mim que serei o mais privilegiado dos homens se ainda fizer parte desses planos, resta a resignação e a sustentação da saudade, que aumenta todas as noites nas quais meus sonhos te visitam, querida debutante.

Por favor, me mande um retrato da sua festa, quero ver se suas tranças combinaram com seu vestido azul.

Beijos e abraços de seu

mais lento e desmerecido admirador,

João Gabriel da Veiga

Desde o Princípio - Livro 1 - Passado no PresenteWhere stories live. Discover now