Desde o Princípio - Andrógenos do século XXI

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Matéria do Portal N.W. Notícias — Por Agnes Andrade

Baía dos Santos, atualidade

É com imensa felicidade que eu introduzo aos leitores essa nova série de matérias, que gosto de chamar de "Desde o princípio". A verdade é que alguns dos tópicos que serão explorados nessa série, têm uma importância pessoal para mim, e estão anotados desde antes de eu concretizar o meu sonho de me tornar uma jornalista, e de ter um espaço no portal mais lido da nossa velha Baía dos Santos.

Como o primeiro título indica aos leitores, falaremos de Amor. Já vou dizendo isso, assim, de cara, porque sei que sempre que o tema é o amor, há uma certa resistência e até, preconceito.

Se pudermos nos despir, porém, por um momento que seja, do que achamos que já sabemos sobre o assunto e abrirmos a mente pra algo novo, tenho certeza que descobriremos algo fascinante, renovador.

Sendo assim, desde já agradeço aos que, por sede de saber, mera curiosidade, ou até mesmo, para dar o contra, chegarem ao fim dessa matéria.

O fascínio humano pela busca do Amor — e a pessoa certa para compartilhá-lo — não pode ser datado. Certamente na aurora dos tempos, desde que nos descobrimos como homens e mulheres, muito antes da necessidade de nos alimentarmos ou de obtermos um abrigo, já devíamos nos preocupar em não ficarmos sozinhos — afinal, dois enfrentam melhor as adversidades do que apenas um.

Logo, com esse desejo fundamental, evoluímos e conseguimos atravessar os tempos, cada vez mais nos perguntando a razão dessa busca incessante, desse querer que nos faz sentir nus e desabrigados, mesmo vivendo em palácios e cobertos dos melhores tecidos.

Antigos registros filosóficos dessa questão advêm da Grécia, que produziu pensadores que, preocupados com todas as necessidades dos homens, não podiam deixar de refletir sobre a mais inquietante delas.

Cada necessidade fundamental humana corresponde a algo lógico, natural: alimento, segurança, autopreservação.

Mas o Amor, o desejo de compartilhar tudo isso com alguém, vai muito mais longe do que os instintos naturais de perpetuação da espécie podem explicar.

No seu ensaio "O Banquete", Platão nos mostra a forma com que os antigos tentaram explicar essa necessidade: junto aos os deuses, habitavam seres magníficos, chamados Andrógenos. Esses seres eram o masculino e o feminino, a força e a sabedoria, o poder e a sutileza, eram supremos e tão auto suficientes, que ameaçavam tomar o destino do universo das mãos de Zeus — maior de todos os deuses.

Conhecendo a sua tremenda capacidade, Zeus, temendo ser expulso por eles do seu domínio, decidiu castigá-los, para que eles jamais pudessem derrotá-lo: os enviou para viver na Terra, separando-os em homem e mulher, ao dividi-los ao meio.

Agora, apenas um deles era dotado de força superior, de senso de direção, capaz de ser prático e destemido.

Apenas um deles possuía capacidade de ouvir, de ser paciente, de cuidar da sua volta, de manter o ambiente suportável para convivência pacífica.

Perdidas, fragilizadas, as metades começaram a cumprir exatamente os propósitos de Zeus: iniciaram a procura uma pela outra, numa busca eterna por se completar novamente, incapazes de ameaçá-lo em seu domínio.

Muito mais tarde, no início do século XXI, a Busca permanece a mesma: podemos conquistar tudo, e até temos o domínio que era de Zeus, mas nada disso importa. Jamais seremos felizes se não estivermos completos, acompanhados da metade que perdemos há tanto tempo, a qual gastamos todas as nossas energias para encontrar.

Não, não nos envergonhemos de confessar a nossa Busca: ela faz nossa existência ter sentido, nossa vida ser envolta por algo que, na minha Tradição, costumamos chamar de "O Dom Supremo".

Um iluminado pregador, Henry Drummond, uma vez repetiu as palavras de São Paulo e disse que todas as virtudes passarão, tudo passará: só o Amor não passará. E devemos acreditar nisso, mesmo que os outros digam que estamos loucos, vivendo um sonho corrompido pelo tempo, impossível de se realizar.

Outro sonhador, Khalil Gibran, em sua obra-prima "O Profeta", inicia o seu texto sobre o Amor dizendo: "quando o Amor vos chamar, segui-o".

Que o caminho pode ser duro e íngreme, que suas asas podem proteger, mas ainda assim, esconder sob elas uma espada fatal. Que sua voz pode ser suave mas, ainda assim, esfacelar suas ideias e sonhos, como o vento norte arruína o jardim.

Ele diz que o Amor pode nos coroar e ainda assim, nos crucificar; que se nos achar dignos, ele vai nos podar e abalar as próprias raízes que nos ligam à Terra, para que somente assim sejamos dignos de viver no coração da Divindade.

Portanto, não busquemos somente Paz e Prazer no Amor, mas também, combater o Bom Combate: qualquer pessoa não disposta a lutar por ele deve passar à beira do seu alcance e esconder sua nudez com vergonha. Ir viver uma vida onde sentirá alegria, mas não toda a Felicidade. Chorará, mas não todas as lágrimas — o que é fundamental para superá-las.

Então reflita: você está preparado para esse nível de entrega?

Se você acredita que apesar de o mundo estar louco, das pessoas terem suas prioridades aparentemente invertidas, de todos condenarem os sonhadores, nada disso importa, então eu digo que sim!

Você chegou até aqui, e mesmo que tenha fingido desinteresse a princípio, conhece muito bem os encontros e desencontros causados pela Busca.

Assim, o que importa é deixar para as próximas gerações um legado que realmente as ajude a encontrar e viver o verdadeiro sentido da vida.

E quando o Caminho te levar ao seu Destino e a Busca se concretizar, ter finalmente o direito de agir como o Profeta:

"...Dormir com uma prece ao bem-amado em vosso coração e uma canção de louvor em vossos lábios".

Desde o Princípio - Livro 1 - Passado no PresenteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora