Transição

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Jennifer Lindson Saint trabalhava no Vanilla Café e Internet. Lugar onde geralmente Charles e Melanie iam para conversar e beber alguma coisa. É claro que ele nunca havia notado na bela garçonete, afinal só tinha olhos para Melanie coração-de-gelo Greene. Jennifer tinha uma certa atração por Charles, ela gostava de caras barbudos e com cara de malvado.
Já havia escutado partes de conversas entre ele e Melanie e já descobrira que Charles não passava de um bobo, mas isso a deixou ainda mais encantada por ele. Naquele dia em particular ela já havia terminado seu expediente e estava indo pra casa, Jennifer morava sozinha e não tinha nenhuma família em Londres, havia sido criada por uma tia-avó que morrera dois anos antes, desde então era apenas ela, sua gata e sua coleção de discos de vinil. Ela ouvia Have a Cigar, do Pink Floyd quando entrou no ônibus aquela tarde, ela viu aquele bobão barbudo sentado ali, cabisbaixo e solitário, pensou que aquela seria a oportunidade perfeita pra ela mostrar seu valor e quem sabe roubar seu coração. Ela deu passos curtos até chegar ao banco onde Charles estava sentado, ele olhava pela janela e parecia estar em uma espécie de transe.

— Olá, posso sentar aqui? – disse ela com um sorriso no canto da boca.

— Olá – o estado de transe foi quebrado. – Claro.

— Você nem se lembra de mim, não é? – Disse Jennifer enquanto diminuía o volume do da música em seu celular. Ela balançava a cabeça negativamente, quase como se estivesse arrependida de ter puxado conversa com Charles.

— Já nos conhecemos? – Ele estava um pouco envergonhado por não lembrar daquela bela moça.

— Sou Jennifer, trabalho no Vanilla, sempre vejo você por lá com sua namorada.

— Ela não é minha namorada – Corrigiu Charles, é claro que Jennifer já sabia disso, mas queria ouvir aquilo saindo da boca dele. – É só uma amiga.

— Claro – disse ela. – Desculpe.

— Nada, acho que nunca te vi por lá.

"E como poderia, você só olha pra ela" – Pensou Jennifer

— Vai notar em mim agora – disse ela.

— Vou sim – ele sorriu. – Me desculpe por ser tão desatento.

— Ela é bonita – Disse Jennifer, arregaçando as mangas da camisa e deixando à mostra a pele pálida coberta de tatuagens coloridas, ele observou e pode notar alguns personagens de desenho animado, porém não conseguiu identificar quais

— Eu sei – ele desviou o olhar para a janela do ônibus.

— É apaixonado por ela faz quanto tempo? – perguntou Jen com um sorriso.

— O que? – Ele revirou os olhos. – Não sou apaixonado por ela.

— Charles – Jennifer deu um pequeno empurrão em se ombro. – Eu vejo o jeito como olha pra ela. A ternura nos seus gestos, a maneira como você sempre presta atenção em tudo que ela diz ou faz. – Jennifer queria que ele fosse assim com ela.

— Faz alguns anos – disse ele.

— Sabe, já fui apaixonada por um garoto quando eu era mais jovem. Ele não me dava bola, eu era tão boba, fazia tudo por ele, dava presentes e mimava como podia. Nós namoramos por um tempo, mas sabe, não era real – ela fez uma pausa. — Não é amor se o sentimento vem só de um de um lado. Entende? – ela sorriu e balançou a cabeça negativamente. — Não estou dizendo que com ela seja assim, mas o Mike, esse meu ex-namorado, eu era como uma chaveiro pra ele, eu era útil, fazia suas vontades por gostar tanto dele ele abusava. Mas chegou uma hora que seus horizontes se expandiram e ele não precisou mais de mim, ele me abandonou e voltei a ficar sozinha – ela abaixou a cabeça.

— Nossa – disse Charles, não sabia exatamente o que responder.

— Alguns amores existem apenas nas nossas cabeças – disse ela com um sorriso triste.

— História triste, mas sei lá, a Mel é diferente.

— Elas são sempre diferentes. Mas tudo bem, você acredita em carma?

— O que é isso? – perguntou ele.

— É a lei do universo, o jeito de devolver as ações feitas pelos humanos. O que vai, volta, parece que a casa que ele Mike morava em paris pegou fogo, ele morreu sozinho. Estranho pensar nisso, se eu tivesse ido com ele, provavelmente teria morrido também.

— Nossa – Disse. – Que bom que você não foi, se não a gente não estaria conversando agora – ele sorriu.

— Pois é – o sorriso no canto da boca dela era encantador. — Mas chega de assuntos ruins, vamos falar de coisa boa, você gosta de Pink Floyd?

— Adoro – era uma das bandas preferidas de Charles.

— Então pega o fone pra gente ouvir juntos – disse Jen estendendo um lado do fone de ouvido para Charles, que a olhou e tomou a pior decisão possível: Pegou o fone.

Quando Charles Van Galloway pegou o fone de ouvido e seus dedos nus tocaram os de Jennifer Lindson Saint, aquele contato físico criou um vinculo entre eles. Um vinculo maior do que qualquer coisa, naquele um segundo que as suas mãos se tocaram, todos os pensamentos, ideias, memorias e loucuras de Charles passaram como uma transferência de arquivos diretamente para a mente de Jennifer. Naquele segundo, de algum modo, por alguma razão até então desconhecida, Jennifer ficou sabendo tudo sobre Charles. Os dois puderam sentir essa transação acontecendo, as memórias passando. Ela ficou sabendo da vez que ele olhou por debaixo da saia de uma mulher no metrô, e da vez que ele roubou um chocolate no mercado, ficou sabendo de quando ele deu um tapa em um garoto depois dele derrubar café em seu celular, viu como ele desejava Melanie e todas as coisas horríveis e boas que ele já havia feito em toda sua vida. A sensação em seus dedos era como se ela tivesse acabado de colocar a mão em uma tomada e tivesse levado um choque enorme. Seus músculos se contraíram com uma força absurda e aquele um segundo foi o maior de toda sua vida
.
Os dedos se retraíram e os dois olharam para o outro, o segundo de silêncio que se seguiu foi quase uma tortura interminável. Ninguém sabia o motivo, porém os dois entendiam o que havia acontecido ali, ela agora sabia tudo sobre ele, e ele sabia que ela sabia tudo sobre ele. Era uma confusão de pensamentos que poderia deixar qualquer um louco.

— Como você fez isso? – Os dois disseram juntos quase em um coral.

— Que porra é essa, Charles? Como eu ... todas essas coisas? – ela respirou fundo, não sabia exatamente o que falar e as palavras escapavam de sua boca. — Caralho, que horrível – ela fazia uma cara de nojo. – Para o ônibus por favor, eu preciso descer.

— Eu não sei o que é isso – disse Charles. – Eu não entendo, como pode isso ser possível?

O ônibus parou e Jennifer olhava para Charles com uma expressão de nojo, ela desceu as escadas da saída do ônibus e ele pode vê-la cuspindo no chão antes da porta fechar. Por algum motivo que Charles não entendia, todas suas lembranças e experiências passaram para Jennifer com um simples toque. Mas ele não ficou sabendo nada sobre ela, Charles sentiu vontade de vomitar, uma dor de cabeça infernal se apoderou do seu cérebro.

O que está acontecendo? – Gritou no ônibus, as duas senhoras viraram-se para ver o rapaz. – Não é culpa minha, eu fiz nada!

Naquela tarde, naquele ônibus, a vida de Charles mudaria pra sempre.

As Pontes InvisíveisWhere stories live. Discover now