Loucura

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Quem vôs conta esse relato é Richard Black. Escrevo esta carta como forma de tirar do peito essa dor que ainda me assola. Escrevo em um quarto de hotel sob a luz de velas em 5 de outubro de 1920; Já passa um ano do dia que finalmente sai daquele lugar, passei ao total quatro meses como paciente na Casa Acolhedora Albert Hills Para Pessoas Necessitadas. Não se engane pelo nome, pode até não parecer muito tempo que fiquei naquele lugar, mas posso jurar pelas minhas duas pernas que o relógio anda em uma velocidade diferente depois daqueles muros, e que foram os piores meses de toda minha vida, e eu já passei muito tempo tendo que me alimentar do lixo dos outros, mas não é esse o assunto que venho tratar hoje, quem sabe em próximas notas.

Tudo começou em 2 de maio de 1919. Fui me consultar com um psicólogo chamado Gregory Shorgen. Ele tinha um escritório na rua Albanez e um sotaque estranho, eu havia acabado de perder meus pais em uma situação que prefiro não mencionar. Me sentia deprimido e fui buscar respostas, o fato é que sai de lá com um atestado de loucura. Desde que me conhecia por gente nunca havia acreditado que estar triste era estar louco, embora façamos as maiores loucuras em nossos tempos de crise. No dia seguinte dois cavalheiros muito fortes apareceram em minha casa me convidando para passar uma temporada no sanatório Albert Hills, recusei a oferta mas os homens usaram a força. Fui levado contra minha vontade para o outro lado daqueles muros gigantes e avermelhados, depois do enorme portão de ferro em forma de parábola uma rua de pedra subia uma pequena colina e terminava na frente de um chafariz e na porta do lugar. A primeira vista até poderia enganar um leigo que acreditaria que aquele lugar poderia não ser tão ruim, é claro que na ocasião eu gritava e me debatia, ação não muito esperta da minha parte, reconheço. Logo um homem de jaleco branco enfiou uma agulha em meu pescoço, antes mesmo de eu entrar no prédio.

Acordei a força sendo jogado no chão. Estava confuso e não sabia direito onde eu estava, um homem me segurou pelo braço e me levantou com toda a delicadeza de um urso raivoso. Ele apontou para uma cadeira eu entendi que deveria sentar, era um homem muito grande e eu tive medo de ter meu cérebro esmagado. Um segundo homem passou creme em minha cabeça e barba, eu via meu rosto no espelho. Ainda estava meio tonto, os rostos dos homens e todo o resto eram apenas um borrão. Senti ele passando a navalha na minha cabeça e arrancando todo meu cabelo, podia senti-la fazendo vários cortes no meu couro cabeludo. Eu me limitava a soltar um grunhido de dor, quando meu cabelo foi totalmente raspado o homem que havia me tirado do chão puxou meu braço para que eu ficasse de pé.

— Tire a roupa – disse ele,

— Não – disse eu ainda fraco. Quase sem força, só senti a agulha no meu pescoço novamente e me vi caindo sem forças no chão.

Acordei em um quarto com a pintura de um azul mofado e partes da parede que deixavam expostos os tijolos. A porta era de aço e tinha uma pequena abertura de metal que só podia ser aberta e fechada por fora, além da cama com um colhão sem lençol e um travesseiro feito de pedra. Havia um penico, uma pia e uma pequena estante aérea de madeira que estava vazia, minhas roupas haviam sumido e eu vestia apenas uma calça cor de terra que um dia já havia sido branca.

Levantei da cama ainda muito tonto, meu mundo girava e eu não tinha firmeza nos pés. Ao tocar o chão gelado, precisei me apoiar na parede para conseguir ficar de pé sozinho. Dar dois passos parecia impossível. Minha primeira reação foi tentar abrir a porta que nem maçaneta pelo lado de dentro tinha, é claro que não obtive sucesso. Passei a mão pelos enormes parafusos de metal nas extremidades da porta e me perguntei se uma bola de demolição conseguiria arrombar aquela porta, do outro lado do quarto havia uma janela para rua. Por causa da falta de iluminação do local olhar para aquela janela fazia meus olhos doerem. Dei sete passos com dificuldades para chegar até a janela, grades grossas me separavam de uma queda do terceiro andar. Eu provavelmente não pularia se aquelas grades não estivessem ali, mas qualquer modo para escapar daquele lugar era tentador.

As Pontes InvisíveisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora