Sete

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            Ele não tinha a menor ideia de que horas eram quando acordou. Foi uma daquelas vezes que a gente dorme sem querer, sem esperar e quando abrimos os olhos pensamos: O que aconteceu? Charlie ficou sentado na cama para perceber que já havia escurecido. Ele havia perdido o dia todo e isso só podia significar uma coisa: ficaria acordado a noite toda.

Ele se levantou devagar, seus olhos ainda estavam embaçados. O quarto estava escuro e ele deu dois passos largos até o interruptor, a luz fez seus olhos doerem um pouco. Estava só de cueca e colocou uma calça. Saiu pelo corredor achando que iria encontrar Justine ou Chuck, porém não havia nem sinal deles. A casa estava mergulhada na escuridão, foi acendendo as luzes conforme andava pela casa, desceu as escadas e abriu a geladeira, tomou um copo de leite gelado e sentou no sofá. Estava em dúvida se ligava para Jennifer, o celular estava no quarto dele e a preguiça era maior, ele ligou a televisão com o controle remoto e começou a procurar entre os canais algo que não fosse uma droga.

Achou um documentário sobre como as pessoas eram incríveis, segundo o documentário, todas pessoas do mundo tinham sorte só de ter nascido pois o ser humano é a criatura mais fascinante e mais esperta que existe. Só ele pode construir, criar e pensar livremente, cada ser humano é especial e único de seu próprio jeito.

- Cada pessoa tem um universo inteiro dentro de si – dizia o narrador. – Segundo o escritor e poeta Alexander Dupret.

Era estranho – e bom. – Ouvir o escritor favorito de seu pai sendo citado na televisão. Fazia Charlie se sentir um pouco mais conectado com o falecido pai, era uma sensação boa e relaxante, o documentário seguiu falando sobre pessoas consideradas "Super-humanos"

- Com bastante treino, qualquer homem é capaz de qualquer coisa, um exemplo é o caso de Ian Marlon, da suíça, que consegue ficar até 22 minutos embaixo d'agua sem respirar.

A câmera cortou para imagens do homem loiro submerso dentro de um tanque cheio de agua, um telão gigante atrás dele mostrava os minutos e os segundos. Ele ficava totalmente parado e de olhos fechados, as vezes parecia até que ele estava morto.

- Isso é só questão de treino – dizia Ian na entrevista. – Já faz dez anos que treino meu pulmão para resistir a esse tempo, e vou treinar mais e mais, bater o recorde sempre que conseguir.

Charlie não conseguiu deixar de pensar na possibilidade de ele mesmo ser um super-humano. Talvez ele tivesse treinado tanto seu cérebro em querer ser ouvido, querer que as pessoas o entendessem que acabou forçando isso um pouco a mais do que deveria. Era uma teoria, Jennifer disse para não descartar nenhuma teoria até que ela se provasse errada.

Ainda estava sonolento, ousou fechar os olhos mais uma vez e entrou naquela espécie de transe mágico que ficamos antes de dormir. Aquele modo onde todas as ideias aparecem do nada e tomamos as maiores decisões da nossa vida, o único momento do nosso dia onde não há mascaras ou mentiras, muito menos falsidade ou medo, aquele momento que você fica sozinho com você mesmo.


Três fortes batidas na porta interromperam o transe e o pensamento de Charlie. Ele despertou subitamente, olhou em direção a porta, mais três fortes batidas. Muito feroz para ser a Jennifer, calmo demais para ser Justine. Ele se levantou com calma e deu passos sutis até a porta, não queria fazer barulho. Olhou pelo olho mágico porém a visão estava bloqueada, um frio subiu pela sua espinha, ele colocou o ouvido na porta a fim de ouvir qualquer barulho do lado de fora e foi surpreendido com mais três batidas na porta que pareciam socos.

            - Seja o que Deus quiser – disse Charlie para ele mesmo.

Ele girou a chave e a maçaneta, puxou a porta com um frio enorme na barriga, do outro lado, haviam dois homens engravatados. Durante os dois segundos que Charlie levou para observa-los aqui estão as coisas que ele percebeu:

Homem um: Vestia um terno preto, uma gravata de uma cor vermelho-escuro com linhas pretas. Usava luvas e uma camisa social branca por baixo do terno, tinha o cabelo lambido e estava usando um óculos aviador, mesmo sendo seja-lá-que-hora da noite.

Homem dois: Também vestia um terno preto e luvas da mesma cor, porém estava sem gravata, era careca e um pouco mais baixo do que o outro homem, apesar de ser mais forte, ele quem batia a porta, notou um fone de ouvido em apenas uma orelha.

- Boa noite, senhor Galloway – falou o homem mais alto enquanto retirava os óculos. – Sou o agente Anthony Briggs e esse é meu parceiro, Jacob Holtz. Preciso que senhor me acompanhe para responder algumas perguntas – Anthony tinha um sorriso estático e falso como sua lente verde.

Charlie gelou, pronto, havia acabado. Isaac o denunciou na policia e agora eles o levariam para cadeia pelo assassinato do doutor Klein. Obviamente esse era o menor de seus problemas pois quando descobrissem que ele era capaz de compartilhar suas memórias ele provavelmente seria trancado em um laboratório para ser estudado pelo resto da vida. Sentiu sua cabeça girar e por pouco não caiu para trás.

- Qual... – Charlie fez uma careta, tentando achar as palavras certas. – Qual o assunto?

- Acredito que o senhor saiba, Van Galloway – disse Holtz com um sorriso malvado no rosto, se eles fossem para uma sala de interrogatório, com certeza aquele seria o policial malvado e o outro seria o policial bonzinho. Charlie balançou a cabeça positivamente e pegou um casaco que estava no porta chapéus, ele não usava camiseta e também o casaco que ele pegou não era dele, mas sim de Chuck, o que o deixava com um caimento enorme sobre seu corpo.

- Devo chamar um advogado? – Perguntou Charlie.

- Não será necessário. – Disse a voz de Holtz. Depois disso tudo ficou preto, Charlie não viu mais nada, em um momento ele estava de pé junto aos dois agentes de policia e em outro momento, onde ele estava?

A escuridão predominava a sua mente, uma dor agoniante ia da ponta da sua cabeça até os dedos dos pés. Ele não conseguia sentir seu corpo, não sentia nada além de dor, ele tentou refletir sobre aquilo porém não encontrava nenhuma lógica, outro apagão talvez, ou pior, talvez estivesse morto, sim, morto, talvez aquela fosse a pós vida, talvez estivesse no inferno. Nunca tinha feito nada de bom em sua vida, talvez a dor agoniante e a escuridão eterna fossem seu destino pela vida que levou, porém não. Charlie não estava morto, conforme foi retomando seus sentidos reparou que seus braços e pernas estavam amarrados, havia um saco preto ou alguma coisa parecida em seu rosto e ele estava preso em algum lugar muito pequeno. Podia ouvir vozes de longe porém não conseguia entender o que elas falavam.

Ele tentou gritar porém nenhum som saiu da sua boca, estava amordaçada, ele notou um movimento e logicamente acabou concluindo que estava em um porta-malas de um carro. Provavelmente já tinham provas de que ele havia matado o doutor, não ligavam mais, agora ele era só mais um outro bandido e assassino, estava tudo acabado para Charlie.

Ele seguiu preso no porta-malas por curvas e mais curvas, sentia o carro acelerando e desacelerando, sua cabeça doía, provavelmente tinha sido golpeado ali. Tentou bater com as penas na lataria do carro mas nada aconteceu.

- Para com essa merda – a voz de Holtz soou longe. Eles não tinham direito de fazer isso com ele.

Um novo pensamento tomou a mente de Charlie, será que eles já tinham tocado nele? Será que sabiam sobre as memórias, se não, era só questão de tempo, isso era certo. Charlie tentou gritar o mais forte que conseguiu porém só um som estranho e abafado saiu de sua boca, foi nessa hora que o carro parou. Ele ouviu os passos e as vozes chegando mais perto.

- Mas que merda, Tony! – dizia Holtz enquanto abria o porta-malas. – E tu não deste um soco nessa vadia?

- Não vale a pena – disse Anthony.

Um deles segurou Charlie pelo tronco, provavelmente Holtz. Charlie tentou relutar porém levou um soco na barriga que fez seus órgãos internos se remoerem e mudarem de lugar.

- Acho melhor tu ficar quieto – disse a voz de Anthony.

- Não – respondeu Holtz. – Se mexe mais que eu tô gostando.

O homem pegou Charlie, era bem forte. Segurava-o no ombro, Charlie ainda estava vendado e amordaçado, não podia ver nem falar nada. Sua cabeça e sua barriga doíam, provavelmente nenhum deles havia tocado Charlie, eles teriam comentado sobre isso, além disso, estavam os dois usando luvas.

As Pontes InvisíveisWhere stories live. Discover now