Solidão

576 41 3
                                    

            Charlie não tinha certeza se ele havia realmente dormido aquela noite ou se só apenas fechou os olhos por tempo suficiente para esquecer que estava acordado. A manhã fria e o corpo adormecido de Jennifer junto ao seu se somaram para resultar na vontade incontestável se não se mover pela eternidade, porém era obvio que ele precisaria sair do calor de Jennifer e do cobertor. Seus olhos cansados correram as paredes manchadas à procura de um relógio que pudesse indicar as horas, não encontrou nenhum.

A casa cheirava a uma mistura de incenso com cigarros e chá. Um equilíbrio estranho mas que não chegava a ser desagradável. Ele se levantou com calma e observou Jennifer dormindo em posição fetal, decidiu não olha-la por muito tempo por medo de simplesmente desistir de ir trabalhar. Ele beijou sua testa e vestiu a roupa do dia anterior, desceu as escadas e saiu pela porta. O ar estava frio e pesado, não chovia, porém todos estavam bem acasacados. Vestiu as luvas querendo evitar que seus dedos congelassem e também que tocasse em qualquer pessoa por acidente, conforme andava em direção a estação de metrô a voz daquele homem não saia da sua cabeça. O homem do telefone, quem ele poderia ser, essas duvidas ficavam rondando sua cabeça como um furacão. Ele na verdade andava em piloto automático, por mais que os últimos dias com Jennifer tivessem sido ótimos, ele não estava feliz. Às vezes Charlie sentia que na verdade não sentia nada, às vezes nem vontade de acordar ele tinha. Era uma sensação estranha que ele não conseguia dizer exatamente quais eram os motivos para tal coisa. Às vezes ele acreditava que tinha algo o impedindo de ser ou estar feliz.

Desceu as escadas que davam até o metro, mesmo com a luva pode sentir o corrimão gelado entre seus dedos. Sentia-se cansado, seus olhos não tinham firmeza, caminhou pela plataforma. O metrô estava parado nos trilhos e ele chegou a tempo de entrar no vagão. Estava surpreendentemente bem vazio, ele se sentou em um dos bancos e o metrô começou a andar,

Charlie colocou os fones de ouvido e deu play em uma música aleatória, Elephant Gun do Beirut começou a tocar e ele fechou os olhos. O movimento do metrô era quase imperceptível e ali, com os olhos fechados e aquela canção na sua mente, ele esqueceu onde estava. Esqueceu tudo por aquele segundo, esse era o sentimento que ele mais gostava, se desligar do mundo. – Porém esse momento não durou por muito tempo – a música foi interrompida pelo toque padrão do celular. Numero desconhecido.

- Me deixa em paz. – Disse Charlie.

- Escute – falou a voz do outro lado da linha. – É muito importante que você preste atenção no que eu vou te falar nesse momento, eu captei um (...)

A voz misteriosa foi interrompida quando Charlie terminou a ligação. Desligou na cara do sujeito e pressionou o botão superior do aparelho até que ele se desligasse completamente.


- Pro inferno com joguinhos – disse Charlie ao celular desligado

A musica fez falta e ele não conseguiu mais voltar ao estado zen de antes. Mas tudo bem, só o fato de não precisa ouvir a voz daquele homem maluco que nem seu nome queria dizer já era um alivio. Decidiu mais uma coisa: se encontrasse ele por ai, não deixaria ele fugir, iria de algum modo pega-lo e provavelmente chamar a policia.

Charlie chegou ao Euphoria's pouco tempo depois. Isaac anotava algumas coisas em uma prancheta e Charlie foi trocar de roupa no banheiro quando se olhou no espelho, parecia realmente que tinha entrado em uma briga. As olheiras fundas e a cara de dor, foi obrigado a rir de si mesmo naquela situação, terminou de se vestir e claro, não esqueceu de colocar novamente suas luvas.

- Charlie, bom dia – disse Isaac, sem realmente olhar para Charlie, vestia uma camisa social branca e usava o bigode bem afiado, porém sua voz estava fraca e sem graça.

- Você está bem? – perguntou Charlie.

- Bem... – Ele suspirou.– Problemas surgiram, sabe como é – Isaac forçou um sorriso. – As coisas estão ficando um pouco difíceis, mas as coisas são assim mesmo. Infelizmente o lucro da loja está muito baixo e mal estamos pagando os prejuízos, além disso Charlotte não quer mais ajudar aqui e está cada dia mais difícil. As vezes chego em casa e ela simplesmente não quer falar comigo, sem motivo algum. Eu me esforço tanto, sabe, às vezes parece que eu corro em uma esteira gigante e nunca consigo sair do lugar.

- O movimento vai melhorar – disse Charlie – É um lugar novo. As pessoas ainda estão descobrindo, quando a Charlotte, acredito que isso seja por causa da gravidez. Essas coisas mexem com as cabeças das mulheres, mas vai passar.

- Espero que você esteja certo, caro amigo, pois se ela continuar assim, vivendo por ela e não por nós, sem nem olhar nos meus olhos direito, temo que não poderei mais viver com ela, e isso seria horrível para nosso filho – Ele suspirou novamente. – Eu tento, tento muito, mas não adianta remar só de um lado do barco.

- Eu entendo. – Disse Charlie. – Mas tenha paciência, o tempo cura tudo.

As Pontes InvisíveisWhere stories live. Discover now