Introdução

1.6K 99 0
                                    

Daniella Guido

Daniella Guido era uma garota de 22 anos, pele clara e cabelos encaracolados e cheios em uma cor vermelho vivo "como as penas do guará-vermelho" — era assim que a sua avó a descrevia.

Seus olhos tinham a cor da avelã. Uma mistura entre o verde, o dourado e o marrom que parece mudar de cor dependendo da luz, da cor da roupa ou até mesmo do humor dela.

A pele do seu rosto tinha alguns poucos salpicos de sardas que a tornavam exótica e rara, principalmente na região onde nasceu. Um lugar onde a população era predominantemente uma mistura entre negros e brancos e a maioria tinha a pele morena e queimada do sol do campo.

A beleza de Daniella era algo que não passava despercebida. Desde o seu nascimento, todos especulavam e criavam versões para a vida de "pecado" de sua mãe que engravidou "fora do casamento", mas a garota parecia não se incomodar com o fato de ser chamada "filha de mãe solteira". Sua avó era uma mulher influente e brava, poucos na cidade ousariam enfrentá-la, por isso qualquer coisa que falassem, era longe delas.

Daniella Guido nasceu e cresceu em uma pequena cidade do interior. São Domingo da Aurora nem deveria ter o status de município, devido ao seu tamanho e população esparsa. Em outros tempos, a cidade era chamada Província de São Domingo e pertencia a uma cidadezinha não muito maior nos arredores, mas que por ser localizada às margens de uma importante rodovia e possuir um maior índice de desenvolvimento, todos na cidade agiam como se ela fosse uma metrópole e lá tinha até shopping, coisa que São Domingo da Aurora jamais teria.

Escondida entre montanhas, São Domingo fora construída em torno da igreja de mesmo nome. A cidade se resumia em: uma praça, a prefeitura, a câmara dos vereadores, onde funcionava também o posto policial, sindicato dos trabalhadores rurais, única atividade econômica do município, e também o jornal local.

Havia uma loja do tipo "tem-de-tudo", onde funcionava a agência dos correios e a rodoviária local. Uma escola, uma farmácia e a clínica do Doutor Vidalgo, um idoso quase caquético que provavelmente fez o parto do primeiro morador do município há séculos atrás. O médico era também pai do prefeito da cidade.

A maioria da população vivia em pequenos sítios e chácaras e quase todos trabalhavam na fazenda do prefeito Vidalguinho.

Daniella não conheceu seu pai e sua mãe morreu quando ela tinha apenas seis anos. Ela foi criada pela avó na chácara da família, onde morava com o segundo marido da avó, um tio, fruto desse casamento, e sua esposa, uma mulher inexpressiva, quase insípida. Daniella dizia que ela era como um daqueles bonecos movidos por cordas e que seu tio era quem movia as engrenagens. A pobre mulher não falava, não sorria, não expressava nenhum tipo de emoção, era como se ela fosse apenas parte do mobiliário.

Seus tios tinham dois filhos. Gerônimo, com "G", a quem todos chamavam de Gero, era um vagabundo nato, mas para os padrões das mulheres da cidade, ele era considerado um "deus grego". Gero tinha um corpo atlético, que só podia ter ganhado realizando levantamento de piranhas, pois ele não movia nenhuma palha, nem mesmo para por comida no prato.

A segunda filha do casal era o oposto dele. Sofia era cinco anos mais nova do que Daniella; era uma garota tímida, mas muito inteligente, de coração nobre, a quem Daniella protegia com tudo o que tinha. Sofia tinha a pele morena, cabelos encaracolados e os olhos mais negros que ela já vira. A avó tinha um carinho especial pelas netas, mas era Daniella a preferida da velha senhora.

Daniella estudou como poucos no município, ela ia todos os dias para a cidade vizinha para aprender inglês e terminar o ensino médio. Era o desejo de sua mãe que ela fosse embora quando chegasse o momento, mas não como empregada doméstica, não para ser usada por um sem vergonha qualquer, mas que fosse dona de seu destino.

Infelizmente a mãe dela morreu antes de ensinar a filha como era o mundo e para a sua avó, todos os homens eram mensageiros do diabo, enviados para corromper os corações das jovens puras e inocentes.

A mãe de Daniella engravidou quando trabalhava como babá na casa de uma importante família em São Paulo. Ela se apaixonou por um hóspede do casal que estava de férias na cidade. Sua mãe acreditou nele, acreditou quando ele disse que voltaria para buscá-la e se entregou a ele. Ela nunca mais o viu, e ele nunca soube da existência da filha. Assim, sozinha e grávida com apenas dezessete anos, voltou para a casa dos pais no interior. Ela foi bem recebida pela mãe que não a julgou e deu à filha o amparo e o amor que ela precisava naquele momento.

No entanto, ela não recebeu do padrasto e do irmão a mesma atenção. O padrasto a teria jogado na rua se não fosse pela avó que ameaçou deixá-los na miséria se a maltratasse.

Daniella se tornou a preferida da avó e da mãe, despertando o inevitável ciúme do restante da família, e nem mesmo a morte da mãe da garota, quando ela tinha apenas seis anos, abrandou os corações deles.

A avó de Daniella, que havia sido musicista em seus anos de glória, descobriu que a neta tinha um excelente ouvido para a música e fez questão de valorizar esse dom. A velha senhora, que um dia desistiu de tudo em nome de um amor fracassado, viu na neta a sua redenção. Por isso, deu-lhe o seu mais valioso tesouro, uma réplica de um Stradivarius fabricado há mais de um século e que já havia sido apreciado nos mais importantes palcos do país.

Daniella nunca soube o real valor do instrumento e a avó o tratava como se não fosse nada tão importante, principalmente para que não despertasse a cobiça no coração do tio de Daniella, que era um homem sem nenhum escrúpulo.

Dona de uma linda voz, suave e doce, Daniella vivia cantando as músicas que aprendera a gostar com sua avó. No entanto, nada encantava mais a pequena ruiva do que o som harmonioso de seu violoncelo. Tocar o instrumento por horas a fazia se sentir viva e ela sempre passava grande parte do seu tempo livre praticando.

A avó tinha planos de mandar a neta para fazer faculdade de música, mas foi diagnosticada com câncer de pulmão. Foi o início dos piores anos da vida de Daniella, que tinha apenas dezoito anos na época em que a avó ficou doente. Durante todo aquele ano ela cuidou da avó, dormindo ao lado da cama todas as noites até que a doença venceu.

Ela havia deixado para a neta tudo o que tinha. O violoncelo, uma poupança destinada aos estudos e a chácara que seu primeiro marido havia deixado para a filha e agora para a neta. O tio de Daniella havia recebido da mãe e da irmã uma parte das terras como presente de casamento, mas vendeu e acabou voltando para a chácara, onde construiu uma casa perto do lago na parte mais baixa da propriedade. No entanto, a parte maior e mais produtiva pertencia a Daniella. Ela havia prometido no leito de morte da avó, cuidar do avô adotivo enquanto ele vivesse.

O homem era um jogador inveterado, alcoólatra e violento; assim como o filho e o neto, gastava mais do que produzia. Ser deixado de fora do testamento da mulher o deixou mais amargo do que nunca.

A chácara produzia o suficiente para o sustento da família, mas eram as duas quem faziam tudo funcionar. O sítio tinha um pomar muito produtivo. Havia algumas vacas leiteiras, uma horta que abastecia o mercado local e até algumas cidades vizinhas, e a produção de doces e compotas que era a paixão da sua avó. Daniella, porém, não poderia continuar o trabalho sozinha, pois era uma coisa das duas e ninguém mais da família se importava, além de alguns funcionários que agora estavam sob a responsabilidade de Daniella para manter e garantir os salários.

TRÊS- Porque Ella Ama Eles  (completo na Amazom)Where stories live. Discover now