CAPÍTULO 1

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Morgana sentiu-se ainda mais confiante em seu plano quando aquela menina veio até sua porta pedindo-lhe que lhe ensinasse magia. Ora, se o destino estava colaborando dessa forma, ela só podia estar no caminho certo. Fazendo o justo. Fazendo o que deveria ser feito (ou seria apenas sua obsessão se encarregando de que ela só visse o que queria ver, e enxergasse "sinais" por toda a parte?).

Primeiro fora Arthur, chamando-a para viver na corte. Não gostava nem de lembrar-se do dia em que descobrira que Arthur estava vivo. Sempre julgara que aquele bastardo tinha morrido tão logo nascera. Fora isso que sua mãe e seu padrasto, o Rei Uther (a quem, em pensamento, ela apelidava de Cavalão, como uma vingança íntima), lhe disseram à época, para seu grande alívio. Odiava o Rei Uther, o mago Merlin — por culpa deles, seu pai estava morto! —, odiava Arthur, às vezes odiava até Igraine, sua mãe.

E eis que, ao saber que o meio-irmão sobrevivera — e mais, fora coroado rei! —, ela sequer precisara criar subterfúgios para se aproximar dele e tentar vingar-se. Ele mesmo, descobrindo-se filho de Uther e Igraine, e herdeiro do trono, logo mandou chamá-la para junto de si, manifestando uma alegria incontida (e, para Morgana, incompreensível) ao saber que tinha uma irmã.

Agora, o destino movia as pedras no tabuleiro a seu favor mais uma vez. Eram cerca de duas horas da tarde. Dia claro e fresco, a primavera ia a meio. Ela estava deitada em seu quarto, no castelo de Camelot, quando ouviu as batidas na porta e levantou-se com certa irritação para atender. Abriu a porta e viu uma menina — sim, era ainda uma menina. Uns quinze anos, Morgana estimou.

"Quem sois vós?" perguntou, numa mescla de impaciência e curiosidade.

"Perdão, milady, se a interrompo. Sou Viviane, filha de Sir Dionas de Briogne, vassalo do Rei Bors. Vosso irmão, Sua Alteza o Rei Arthur, estava em busca de uma dama de companhia para vós, pois disse que tendes estado muito sozinha..."

O coração de Morgana pareceu arder de raiva! Tão próprio de Arthur! Ele estava sempre, o tempo inteiro, tentando agradá-la com surpresinhas, o que já era enervante o suficiente — e tanto pior ficava por ele nunca acertar o que iria agradá-la de fato. Mas Viviane parecia alheia ao furioso diálogo interior de Morgana:

"... e a vaga me foi oferecida, para grande gosto de meu pai, pois ele julga que ser acolhida em Camelot é uma oportunidade única para que eu consiga um bom casamento. E fiquei me perguntando se, em algum momento do dia, caso não seja um incômodo... bem, não precisaria ser todos os dias, claro..." e aqui ela embatucou. Enrubesceu. Não arrumava modo de prosseguir.

"Mas o que é, mocinha?"

A vergonha de estar ali, parada e muda, sendo perscrutada por Morgana, parecia pior do que simplesmente falar. Então, Viviane soltou tudo de uma vez:

"Eu me pergunto se poderíeis me ensinar um pouco de magia. Sou uma aluna dedicada! Milady não se arrependerá de me aceitar nem como pupila, nem como dama de companhia. Meu pai também julga que ser instruída me valorizará no mercado matrimonial, mas a verdade é que eu nem precisaria de incentivo: sempre tive muito gosto em aprender, e isso para mim já seria motivação o bastante," completou, olhando para o chão.

Morgana sorriu, uma ideia repentina se formando em sua cabeça. Já havia se aproximado, até mais do que gostaria, de Arthur. E agora uma linda mocinha interessada em aprender magia poderia aproximá-la de Merlin. (Além disso, não seria mau ter alguém para servi-la!)

"Bem, cara Lady Viviane, filha de Sir Dionas de Briogne, o que poderia valorizar-vos mais que ser instruída pelo próprio conselheiro do rei?"

***

Merlin caminhava em direção aos bosques contíguos ao castelo de Camelot quando seu pé se enterrou em um buraco no chão e o desequilibrou. Ao menos conseguiu evitar a queda, abrindo os braços para se estabilizar. Também não houve danos ao pé. Suspirou, frustrado. A paga para ter um vislumbre do futuro parecia ser ceder parte de sua visão no presente. Olhou para cima. As copas das árvores eram apenas borrões verdes. Entardecia. Resolveu apressar o passo, embora isso significasse mais tropeções.

"Mestre Merlin?" uma voz feminina o chamou.

"Sim, sou eu. Quem está aí?"

A desconhecida se aproximou, parando em frente a ele, que agora podia vê-la quase bem. Era bastante jovem ainda, e tentava sorrir, mas parecia tímida demais para consegui-lo por completo.

"Boa tarde, milorde. Sou Viviane, filha de Dionas de Briogne. Venho procurá-lo da parte de Morgana le Fey. Foi ela quem me disse onde encontrá-lo agora, e que, se corresse, poderia alcançá-lo... e eu corri!"

Essas palavras lhe capturaram a atenção.

"Da parte de Morgana le Fey?" Ele segurou o queixo, e apertou ainda mais os olhos, encarando-a por alguns segundos, o que a desconcertou. "Traz algum recado?"

"Na verdade, não." A essa altura, o sorriso malnascido já desaparecera do rosto de Viviane, dando lugar a uma expressão tensa. Ela ainda iria descobrir que o semblante aparentemente severo de Merlin era apenas fruto da miopia. Sentia-se insegura e já não lhe sustentava o olhar; mas não baixou a vista para o chão, numa tentativa fracassada de não demonstrar o quanto estava desconfortável ali. Fixou os lábios do mago e falou de um jato: "Lady Morgana le Fey disse que milorde me ensinaria magia, conquanto eu vos dissesse que fora um pedido dela."

Morgana, petulante como sempre, pensou Merlin. Ela sabe muito bem que Arthur faz de tudo para agradá-la, e que eu não estaria disposto a me desavir com ele negando-lhe um favor.

Ele não sabia que relação havia entre as duas, nem por que novo capricho Morgana queria que a amiga (eram amigas?) aprendesse magia. Talvez quisesse apenas ajudar a menina, emprestando seu nome ao pedido para garantir que Merlin não se negasse ao compromisso. O fato é que essa jovenzinha venceu o desafio de abordá-lo, sozinha, numa mata ao entardecer, superando uma timidez e insegurança muito mal disfarçadas. Devia mesmo querer aprender magia. Merlin sabia que as pessoas, com ou sem razão, tinham medo dele. Simpatizou com o modo decidido da moça. Sentiu um sorriso involuntário se formando em seu rosto... e isso a acalmou. Ela notou que ele já não apertava mais os olhos, e parecia também mais relaxado. Devolveu o sorriso. Parecia mais animada, agora.

"Pois bem, Lady Viviane. Vou ensinar-vos, porque quereis aprender, e porque estou curioso pela experiência de ensinar."

Viviane entendeu que ele quis deixar claro que Lady Morgana não tinha influência em sua decisão. Por um breve momento, ela permaneceu diante dele, sem nada dizer, absorta em pensamentos. Para sua surpresa, ele ainda era jovem. As histórias a seu respeito davam conta de que ele já aconselhara Vortigern, Uther, e agora Arthur. Ela o imaginara um ancião. Mas ele teria uns trinta anos, talvez nem isso. Apenas um pouco mais de idade que Lady Morgana.

Ele a olhou, como quem perguntasse o que ela ainda fazia ali.

"Milorde?" ela chamou timidamente, dando-se conta de que ele já encerrara a conversa.

"Sim?"

"Ainda não sei quando as lições terão início."




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