Vale sem Retorno

CAPÍTULO 18

"Como anda nosso plano? Já o tendes apaixonado por vós?" Morgana havia esperado com impaciência desde que Viviane chegara. Primeiro ela pediu tempo para banhar-se, depois quis comer um pouco, desfazer a bagagem, e até mesmo repousar da caminhada. Morgana estava já a ponto de arrastá-la para seus aposentos quando Viviane afinal aquiesceu em ir até seu quarto falar-lhe.

Viviane respirou fundo. Decidira-se pela maior sinceridade de que fosse capaz.

"Sim, milady." Morgana recebeu a notícia com um largo sorriso. Valera a pena esperar! "Nós nos apaixonamos mutuamente." O sorriso de Morgana demorou alguns segundos para morrer, o tempo que levou para que ela apreendesse por completo o que Viviane lhe dizia.

"Lady Viviane," sua calma fingida a fazia falar baixo e devagar, "éreis minha única amiga aqui. Eu vos contei em detalhes tudo o que aquele feiticeiro fez a mim e a minha família. Foi a primeira vez em que consegui falar sobre o ocorrido com alguém. Em Avalon, prestei votos de silêncio apenas para desencorajar quaisquer das sacerdotisas a falar comigo sobre o assunto. Foram vinte anos de uma desesperadora solidão. Se sois minha amiga de verdade, como pudestes vos apaixonar por ele, sabendo de toda a destruição que ele me causou? Isso não importa para vós? Iludi-me ao acreditar que tínheis alguma estima por mim?"

"Milady, minha estima por vós é sincera. Eu era e continuo a ser vossa amiga. Quando me descobri apaixonada por Merlin, eu ainda não sabia sobre esse sinistro envolvendo vós dois. E quando, por considerar-vos uma boa amiga, eu estava a ponto de vos confessar meus sentimentos e buscar aconselhamento... por uma infeliz coincidência, elegestes aquele mesmo dia para me contar o que houve com vosso pai, o duque Gorlois."

"E entre Merlin e eu, não tivestes dúvidas quanto a quem escolher, não é verdade? Ainda pudestes aproveitar vossa intimidade comigo para conseguir informações para vosso amante!"

"Não, milady, isso, nunca! Nada do que me dissestes atravessou estas quatro paredes! Eu vos juro! Se nunca vos confidenciei que amava Merlin, tampouco o informei de que tramáveis contra ele. E ficar nesse fogo-cruzado, guardar esses segredos enquanto esperava que ninguém se ferisse no final, estava me consumindo. Só me resta vos pedir misericórdia. Por favor, perdoai-o, ele não saberá de nada, tudo será como sempre foi."

"Mesmo que eu acredite no que dizeis, mesmo que Merlin não esteja ciente, vejo que não ireis me ajudar a vingar-me de vosso amante — ao contrário, decerto urdíeis algo para me impedir."

"Impedir-vos? Nunca tive esse poder. Nada posso fazer além de vos pedir misericórdia. Eu vos imploro, milady, perdoai-o! Ele era apenas uma criança maltratada, que se sentia impotente para negar um pedido ao rei, a única pessoa que lhe estendera a mão. Ele nunca teve um pai, e havia tempos que fora arrancado de sua mãe! 'Família' era apenas uma abstração para ele, milady, que não tinha ideia da dor e destruição que estava causando!" Ao acabar o discurso inflamado, Viviane estava vermelha e à beira das lágrimas.

"A dor e a destruição não foram menores porque ele não fazia ideia, Lady Viviane. Ou porque ele era um menino. Nem por não ter pai e mãe. Ides me ajudar contra vossa vontade, para mim dá no mesmo."

"Milady, não posso ajudar-vos a atacar o homem que amo. Mantive segredo de vossos planos todo esse tempo porque sempre alimentei a esperança de que poderíeis desistir e tentar ser feliz daqui por diante, superando o passado. Sois linda, poderosa, e irmã do rei. Tendes um grande futuro pela frente, que há de compensar vosso passado. Mas, se insistis na ideia de vingança, nada me resta senão comunicar-vos formalmente de que não tomarei parte nisso, bem como não manterei mais segredo. Merlin estará avisado. Se tiver que ser atacado, que não seja pelas costas. Podereis confrontá-lo face a face, se quiserdes, ainda que ele seja mais poderoso que vós," Viviane concluiu, com uma ameaça velada.