CAPÍTULO 4

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Quando Arthur soube que, por tirar aquela maldita espada da pedra, seria Rei de Logres, sentiu, primeiro, choque. Depois, horror. Kay, seu irmão, correra a dizer ao pai que ele próprio havia puxado a espada. Arthur não entendia por que Kay chamaria a responsabilidade para si, mas como havia sido espontâneo, sem que Arthur lhe houvesse pedido nada, ficou quieto — e aliviado. No entanto, bastou Sir Ector exigir que Kay jurasse em nome de Deus para que o medo do perjúrio prevalecesse:

"Foi Arthur, meu pai, foi Arthur quem tirou a espada e me entregou!"

"Arthur? Mas como... Que história é essa, vós dois?"

"Eu não sabia, meu pai, eu vos juro que nunca tinha ouvido falar dessa espada!" Arthur parecia assustado. "Kay havia perdido a sua, e precisava com urgência de uma nova. Eu não sabia onde conseguir uma, até que passei pela pedra com a espada cravada. Não havia ninguém olhando, e achei que não haveria problema em levá-la para que Kay a usasse no torneio. Tão logo ele acabasse de competir, eu viria correndo devolvê-la!"

Arthur, Kay e Sir Ector haviam chegado a Londres no dia anterior, para que Kay pudesse participar de um torneio que reunia cavaleiros de toda a Bretanha. Arthur, como escudeiro do irmão mais velho, era responsável por cuidar de suas armas e montaria. Estava pálido, trêmulo e, acima de tudo, parecia dizer a verdade. Além disso, Sir Ector conhecia bem seus filhos, ou pelo menos o suficiente para saber que, se alguém ali gostava de uma mentirinha, esse alguém era Kay.

"Não sei se estou entendendo tudo, meu filho. Vós passastes pela pedra, vistes a espada e a puxastes?"

"Foi assim mesmo, meu pai."

"Meu filho, está acontecendo um engano. A espada estava presa à pedra por um feitiço. Só o futuro rei de Logres poderia tirá-la de lá."

"Então, meu pai, vós não achais...?" Kay tinha os olhos ávidos.

"Silêncio, Kay!" Sir Ector ainda estava aborrecido pela mentira do filho. "Arthur, vamos até a pedra agora, pois quero que me demonstreis exatamente como fizestes."

A pedra estava em frente à catedral de São Paulo, e, mais uma vez, não havia ninguém por perto que pudesse vê-los, pois todos acompanhavam as justas. Quando Sir Ector aproximou a espada da pedra, sentiu como se ela houvesse sido sugada pela rocha. Ao tentar removê-la, não conseguiu.

"Agora vós, meu filho." Sir Ector indicara Kay com um gesto. Este também falhou. Arthur sentiu o olhar do pai, e sabia que teria que tentar. Ao leve toque dos seus dedos, a espada como que voou para seu punho — até parecia estar aborrecida por haver sido devolvida à pedra após ter sido tirada por ele a primeira vez! —, e a custo Arthur manteve o equilíbrio ante o impacto.

Depois, confusão, convocações, Arthur tendo que puxar a espada diante de várias autoridades por diversas vezes seguidas. Filas intermináveis de cavaleiros querendo tentar também — sempre com insucesso. Multidões cercando a pedra para não perder nenhum movimento. Discussões, reuniões — às vezes na presença de Arthur, às vezes sigilosas. Sobressaindo-se à gritaria diante da pedra, Arthur volta e meia ouvia palavras e frases entrecortadas: "não tem sangue real", "pirralho", "piada de mau-gosto", "enigma", "pedra piadista".

Quando todos chegaram a um acordo de ignorar a pedra e coroar o vencedor do torneio, um homem de estranhas vestes marrons deu um passo à frente. Arthur não o conhecia, mas parecia ser bastante respeitado, inclusive entre os nobres. Aparentava estar irritado, e falou por um bom tempo. Ouvindo seu discurso, Arthur descobriu ser filho do recém-falecido Rei Uther, portanto o herdeiro legítimo do trono. Caso alguém duvidasse, prosseguia o estranho ("É o Mago Merlin," Sir Ector lhe informou), a pedra estava ali para provar. Mas duvidavam, ah!, duvidavam, sim! Todos sabiam perfeitamente que o Rei Uther não gerara herdeiros... gerara? Bem como sabiam que Arthur não passava do filho caçula (portanto, sem herança!) de um simples vassalo do rei, não era mesmo?

Sir Ector foi chamado pelo mago e instado a falar lá na frente, diante de todos. E falou. Disse que estava tão surpreso quanto todos ali em descobrir a origem de seu filho. Mas que, verdade fosse dita, Arthur não era mesmo seu filho de sangue. Há dezesseis, quase dezessete anos, fora procurado em sua casa, no meio da madrugada, por um menino, um rapazinho de uns dez a doze anos, que lhe pedia, por caridade, que cuidasse do bebê que trazia ao colo. O rapazinho falava baixo e olhava sempre para os lados, como se não pudesse ser flagrado ali. Pediu a Sir Ector que dissesse a todos que aquele bebê era seu filho. Contou-lhe apenas que a criança era ilegítima e corria risco de vida em sua casa, de onde o tirara, mas mais que isso não podia fazer. Sendo assim, pelo amor de Deus, pelo sangue de Cristo, que Sir Ector acolhesse aquele menino, que não tinha culpa de nada.

"Por que eu?" Sir Ector perguntara, relutante em aceitar.

"Por muitas razões! Tendes reputação de caridoso. E sei que vossa esposa ainda aleita vosso filho, de modo que não faltará leite ao menino. Além disso, já tendes um herdeiro, portanto este caçula não ameaçará a herança de vosso verdadeiro filho. Não posso ofertar a criança a um casal ainda sem filhos, ou com uma filha, pois eles se oporão pelo fato de que o filho adotivo, sendo o varão mais velho, herdará o que deveria ser do filho legítimo. Veja, Sir Ector, que é um menino bonito e robusto! Será um braço forte para vos ajudar, bem como ao irmão mais velho."

Sir Ector não soube explicar que impulso o tomou, mas aceitou. E aceitou de tal forma que, quanto mais o tempo passava, mais enxergava Arthur como sangue de seu sangue, e a tal visita, enterrada no passado, era uma sombra cada vez mais pálida. Até aquele dia, só ele e a esposa sabiam que Arthur era adotado — além, claro, do menino misterioso que, acabara de se dar conta, era o próprio Merlin, agora homem feito.

A multidão havia silenciado sob o peso da revelação. Mas em minutos o burburinho recomeçou, à medida que todos queriam expressar sua crença ou descrença. Muitos não estavam convencidos, mas não podiam negar que enquanto ninguém, nem os mais bem treinados cavaleiros do reino, conseguira tirar a espada da pedra, Arthur a tirara sem esforço (quase como se a espada se dirigisse a ele), por não menos que quinze vezes, tanto o mandaram repetir o gesto. E, com o mago Merlin e o bispo a favor do rapaz, foram perdendo o ânimo de contestar.


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