CAPÍTULO 13

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Tempo, ela pensou. Preciso ganhar tempo. O barulho de seus próprios pensamentos não deixava Viviane dormir. Não conseguia parar de pensar em Merlin, no beijo, na participação dele no assassinato de Gorlois... Num momento, concluía-se apaixonada por seu tutor, no outro era arrastada para um plano de vingança contra ele com que não concordava e do qual não queria participar.

Viviane sempre acreditou que uma amizade fora surgindo entre ela e sua senhora, mas agora lhe era dolorosamente óbvio que o objetivo de Morgana em aceitá-la ali sempre fora o de facilitar sua vingança. A maior prova era a prontidão com que ela lhe propusera Merlin como seu tutor de magia, a fim de poder aproximá-los. A decisão ética seria a de enfrentar Morgana, dizer-lhe que não aceitaria participar daquilo. Mas parecia-lhe subentendido que, caso se recusasse a colaborar, seria dispensada de sua função de dama de companhia e teria que regressar a Briogne. E essa era a última coisa que ela queria, justo agora que estava prestes a realizar o sonho de conhecer as bibliotecas de que tanto ouvira falar... Justificava sua covardia e egoísmo dizendo a si mesma que Morgana era mais velha, mais sábia, e irmã do rei, e que a ela, Viviane, faltavam armas para esse enfrentamento.

E se contasse tudo a Merlin? Ele era poderoso o suficiente para se defender sozinho. Mas estaria apontando para Morgana uma acusação indefensável. O que seria dela? Talvez fosse mandada embora para Tintagel. Ou voltasse a se refugiar em Avalon. Isso, se Arthur ou Merlin não impusessem uma punição mais severa. E, ainda que fosse apenas expulsa da corte, seria com a pecha de traidora do reino, de tramar contra um rei que era seu próprio irmão. Isso significaria ostracismo social e isolamento. E Viviane não desejava o mal de sua senhora nem queria denunciá-la. Sabia que ela não era má, mas sofrera muito e queria machucar quem a havia machucado. Além disso, sendo Morgana expulsa da corte, perderia a regalia de uma ama e, para Viviane, o desfecho seria o mesmo do cenário anterior, ainda que por causas diferentes: a dispensa de seus serviços e o retorno à vida monótona de Briogne.

Sentia-se entre a cruz e a espada: queria proteger sua senhora, queria proteger Merlin, e queria também proteger seus interesses. Como beneficiar a todos? Maldisse Morgana por confrontá-la com aquele dilema insolúvel. Sua única esperança era a de dissuadir sua senhora quanto ao plano. Se conseguisse convencê-la, ninguém precisaria saber de nada, e tudo seguiria como sempre fora. Era o único modo que conseguia vislumbrar em que ninguém se feria e todos acabavam felizes — talvez Morgana não ficasse contente de imediato, mas Viviane tinha certeza de que, com o passar do tempo, ela também se reconheceria mais feliz assim.

Ela não podia avaliar o quanto Merlin sabia dos planos de sua senhora — ele mesmo confessara que evitava as previsões sobre si mesmo, então talvez não suspeitasse de nada. Viviane queria tempo para tentar induzi-lo a lhe dar alguma pista do quanto ele sabia.

Usaria a viagem para descobrir isso. Mais que nunca, sentia-se grata à sorte por ele haver concordado com o imprudente projeto. A viagem! Tão absorta ficou pela angústia de seu dilema que mal parara para pensar na viagem. E seu coração disparou ante a perspectiva de tantos dias a sós com ele.

***

Merlin ainda estava acordado. Por mais que tentasse, não conseguia dormir. Há dois dias empregava todos os seus minutos a pensar em Lady Viviane. E a se censurar por aquele beijo impulsivo. Ele a amava. Isso agora lhe parecia bastante claro. Talvez, por nunca ter sentido nada parecido, demorou a perceber. E, apesar de apreciar bastante todos os momentos que passavam juntos, foi só diante da notícia de que não iria mais vê-la, do sensabor que anteviu na sua vida sem ela, que a verdade se desvelara. Ele a amava. Mal tivera tempo, no entanto, de sofrer com a suposta perda, e logo recebera mais do que nunca tivera — a oferta de dias inteiros na sua companhia. Se ela fizera tal proposta, era porque confiava nele. Não julgava que ele representasse qualquer perigo a sua honra, que fosse tentar qualquer aproximação física inadequada. E ele não poderia ter se apressado mais em quebrar essa confiança, impondo um beijo que ela não pedira. O próximo encontro deles seria em público, na cerimônia de casamento do rei. Não teriam oportunidade de ficar a sós. Ele não poderia se explicar, pedir perdão, assegurar que não tinha intenções escusas ao aceitar fazer a viagem.

Vale sem RetornoWhere stories live. Discover now