LIVRO 2 -- CAPÍTULO 11

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Arthur abriu a porta de seu quarto, onde ultimamente ficava tão sozinho quanto em seu tempo de solteiro. Correu para a arca em que estavam suas roupas e soterrou o medalhão lá no fundo. Só então se sentou na cama e analisou a mão ferida com cuidado. Da enorme bolha espalhada por toda a palma e parte dos dedos, irradiava-se uma dor ardida e latejante.

Olhou ao redor e viu na mesa lateral uma moringa ainda com água pela metade e uma pequena bacia ao lado. Encheu-a com o líquido frio e mergulhou a mão ali, obtendo um pouco de alívio. Fechou os olhos, gemeu, praguejou, até recobrar-se. O que ia fazer? Não podia andar por aí com a mão enfiada numa tigela. Pensou em envolver a mão num tecido, para impedi-la de dobrar-se e isolá-la do contato com objetos, mas temeu que o pano aderisse à bolha, o que agravaria o ferimento. Bom, resolveria um problema de cada vez.

Voltou à arca e, desajeitadamente com a mão esquerda, foi puxando camisas, escolhendo a mais velha para rasgar. Prendeu a eleita entre os dentes e, com ajuda da mão sã, conseguiu separar uma tira, com a qual envolveu toda a mão machucada. Então, deitou-se. O sol já entrava pela janela e ele queria dormir pelo menos uma ou duas horas, mas a dor não o deixava relaxar. Forçou-se a permanecer no leito, contudo. Até que alguém bateu à porta.

"Quem está aí?"

"Sou eu, Majestade, Lady Guinevere!"

Ele tomou um susto. Era a última pessoa que esperava. Correu a abrir a porta, desgrenhado, cheio de olheiras, descalço, um trapo atado à mão. Ela o perscrutou de alto a baixo.

"Permitis minha entrada?"

"Claro," ele disse, afastando-se. O que ela quereria? Por que não falava logo?

"Saístes para caçar ontem à noite?"

"Perdão?!" Arthur ficava cada vez mais desconfortável.

"Quando terminei de escrever a missiva, ainda era cedo, e achei por bem voltar a vosso quarto e cumprir minhas obrigações matrimoniais. Mas não estavas aqui. Vejo que tendes olheiras, portanto passastes a noite em claro. A prova é que vestis as mesmas roupas de ontem, à ceia. E elas estão úmidas!" Num gesto ousado, Guinevere palpou-lhe as roupas. "O chuvisco de ontem à noite vos apanhou lá fora!"

"De fato, saí para... caçar, milady! Sois perspicaz!" Arthur deu um sorriso forçado. Que bicho a mordera? Estava a falar mais em dois minutos que durante o casamento inteiro até ali! Não só, mas era intrusiva e inconveniente!

"A chuva vos deixou com frio. Acendestes uma fogueira, mas queimastes a mão! Não podemos ser incautos ao mexermos com fogo, milorde!" E ela apontou para a mão dele, enrolada em bandagens.

Trocaram olhares. Mas o semblante de Guinevere era uma máscara, nada revelava do que ela pensava. Ele nada disse, apenas aguardou. Após convencer-se de que não teria uma resposta, ela afinal abordou o tema que a trouxera ali:

"Sir Dionas e a esposa acabaram de chegar. Oh, mas não vos preocupeis!" acrescentou, percebendo-lhe a tensão. "Estão sendo recepcionados por Sir Kay e Sir Lancelot. Ainda assim, não devemos nos demorar!"

"Minha rainha," Arthur pediu, humilhado, "podeis me ajudar a me trocar? Eu... não consigo mexer a mão!"

***

O ódio de Guinevere ao se dirigir ao quarto do rei naquela manhã era absoluto! Até a hora do jantar da véspera, ela remoía conflitos que estavam acabando com seus nervos. Estaria sendo injusta com o marido? De onde ela tirava tanta certeza da traição, o que tinha de concreto? Um beijo que vira a centenas de metros de distância? Dias passados, com a cena menos fresca na memória, passou a questionar se seus olhos a haviam enganado. Não queria ser ela a responsável por arruinar o próprio casamento, devido a suspeitas infundadas. Por isso, planejou uma armadilha para tirar a prova. Arrumou um pretexto para não passar a noite com ele. Achava que, se o marido de fato a estivesse traindo, iria correr a encontrar-se com a rameira. Dirigiu-se ao quarto do rei umas duas horas depois de finda a ceia, e a sua ausência confirmou suas desconfianças.

Foi com extrema irritação que, na manhã seguinte, recebeu a notícia da chegada dos pais de Viviane, e viu-se obrigada a atuar junto ao marido numa encenação de casal feliz diante dos visitantes. Mas o homem que lhe abria agora a porta, olhos fundos, roupas molhadas, ferido, expressão dorida, não se parecia em nada, nada com alguém que retornasse de uma noite de paixão. Com as roupas naquele estado, certamente não estivera acoitado em algum quarto do castelo, mas lá fora, apanhando chuva. Que fazia? Os cabelos emaranhados deviam ter-se molhado, também, pois secaram colados à testa, sem nenhum cuidado.

Ainda assim, tentou fazer algumas insinuações, na tentativa de que ele se denunciasse com uma resposta mal calculada. A incerteza, a ânsia por respostas, a raiva, o sentimento de humilhação — além do fato de estar mais ambientada ali — soltaram sua língua, tornaram-na atrevida. Mas ele nada disse de comprometedor! Por fim, seu ar derrotado ao pedir-lhe ajuda para se vestir ("Por favor, do contrário levarei umas três horas, caso tenha que fazê-lo sozinho!") acabou por desarmá-la. Por ora, dar-lhe-ia o benefício da dúvida. Com gentileza, vestiu-o, penteou-o e desceram até o grande salão.

Vale sem RetornoWhere stories live. Discover now