CAPÍTULO 16

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Morgana sentia muita falta de Viviane, afinal, ela era sua única companheira no castelo. Guinevere tentava aproximar-se, mas Morgana não lhe dava chance. A rainha iria mesmo odiá-la depois que ela atacasse seu marido, então para que perder tempo construindo uma amizade condenada? Para piorar, o rei Uriens de Gore inventou um pretexto qualquer para não voltar imediatamente a seu reino. Estava hospedado no castelo e vivia a atormentá-la, impondo sua presença o tempo todo. Se Viviane estivesse lá, serviria de escudo, e Uriens nunca teria oportunidade de encontrar Morgana a sós. Na ausência da amiga, ela vivia trancada em seu quarto e deixara de sair aos jardins sozinha, irritada e apavorada. Já Viviane não pensava muito em Morgana, e, quando pensava, buscava logo afugentar os pensamentos. Já seria bastante ruim ter que prestar-lhe contas, na volta, sobre seu sucesso ou insucesso em seduzir Merlin, e receber instruções com os próximos passos. Não iria, portanto, antecipar o sofrimento remoendo isso desde agora.

Naquele segundo dia de viagem, tão logo o sol surgiu, ela e Merlin retomaram a caminhada.

"Perdemos muito tempo ontem à tarde," ele observou. Temos que compensar hoje, ou não chegaremos a Amesbury amanhã, como havíamos planejado."

"Não me importo. Ontem, senti algo estranho... Não sei se vades entender, mas quase desejei não chegar nunca. Se pudesse, passaria a vida assim, em suspenso, vagueando convosco, sem ver ninguém, sem prestar contas a ninguém. A ideia de encerrar nosso passeio e voltar para as obrigações de sempre me deixa triste."

"Não fique. Quando chegarmos, e vos virdes diante de todos aqueles códices, decerto vos animareis!" Merlin encontrou palavras encorajadoras desta vez, apesar de entender Viviane melhor do que ela supunha. Sentia-se retratado em suas palavras. Também poderia vagar indefinidamente com ela pelos bosques, esquecido de tudo o que ficara para trás. Apesar disso, andaram depressa e sem pausa para cochilos naquele segundo dia, adiantando a viagem em muitas milhas.

"Já estivestes muitas vezes em Amesbury?" Viviane perguntou a certa altura.

"Uma vez só, com Ambrosius, tio de Arthur, porque não pude evitar. Era pouco mais que um menino e ia aonde me levassem. Confesso que, depois que deixei de viver no convento, não tive mais grande interesse em estar em contato com os cristãos. Digo, com instituições cristãs. Com pessoas, estou em contato o tempo inteiro. Arthur é cristão. Os bretões quase todos o são. Nisso, prefiro os saxões."

"Não digais isso nem brincando! Aqueles infelizes nos encurralaram em nossas próprias terras, tornaram meu pai um exilado — não desgosto da Pequena Bretanha, mas ainda poderíamos estar aqui."

"Encurralaram vosso povo, tomaram vossas terras. Não a mim, não minhas terras."

"Não sois bretão?" Viviane sempre achou que Merlin tinha um tipo físico peculiar. Talvez fosse mesmo um estrangeiro. Um saxão?!

"Não sei ao certo que sangue corre em minhas veias, mas para mim não faz diferença quem mande nestas terras. Ajudei Uther por gratidão, e ajudo Arthur porque vi em minha aliança com ele a chance de construir um reino justo, não porque ele seja bretão, ou cristão."

Viviane estava pasmada. Nunca ouvira ninguém falar assim.

"Mas nascestes na Bretanha, não foi? Não tendes amor por vossa terra, não vos fere os brios a invasão?"

"Ferir meus brios? Por que feriria? Quem nunca teve nada não pode perder nada."

Esses diálogos estavam dando a Viviane muito em que pensar. Podia alguém ser tão livre assim? Ela também gostaria de sê-lo?

Vale sem RetornoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora