LIVRO 2 -- CAPÍTULO 12

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Deixada sozinha no quarto, Lady Morgana soluçou livremente, sem procurar conter-se. Era isso o que queria para si? Encontros sempre às ocultas, Arthur mantendo-a à distância diante de todos, só se aproximando em surdina? Escondida como uma coisa ruim? Nunca estando em sua casa, mas na casa dela, da outra, mantida como mera aderente, eterna coadjuvante?

Não, não era o que queria. Mas era tudo o que Arthur tinha a lhe oferecer. E, para que continuassem juntos, a ela cabia resignar-se, pois dele ela não abriria mão. Embalada pelo choro, caiu num sono profundo, mas breve. Tinha a impressão de haver acabado de adormecer quando foi chamada à porta.

"Quem está aí?"

"Sir Kay, milady!"

Sir Kay? O que será que ele queria? Certamente, nada que ela também quisesse.

"Ide embora!" gritou, ainda sem se levantar.

Silêncio. Ótimo, voltaria a dormir!

"É importante, milady!" insistiu ele uns segundos depois.

Ao levantar-se, contrariada, para abrir o quarto, deu-se conta de que ainda estava despida, as roupas emboladas numa poça d'água ao lado da banheira. Sabia que estava sendo rude, mas apenas gritou através da porta, "De que se trata?"

(Quanto topete! Sir Kay respirou fundo para não cuspir umas verdades àquela arrogante, audaciosa, sem nenhuma educação, talhada no inferno...)

"Sir Dionas e a esposa," disse após um pigarro demorado, "eles estão no grande salão. Gostariam de vê-la!"

Sobreveio a Morgana uma sensação de congelamento no peito. É claro que este dia chegaria, por mais que evitasse pensar nele. Encarar aquele casal, de quem arrancara a única filha — ainda que eles não estivessem cientes disso — exigiria um sangue frio e autocontrole que ela não estava segura de ter. Sentia-se apavorada. Mais batidas na porta, uma tentativa vã de girar a maçaneta.

"Milady? Ouvistes?" Sir Kay insistiu.

"Dizei... Dizei que não me demoro!"

Som de passos se afastando. E agora? Teria que ir! Abriu a arca e dela puxou a primeira roupa, um vestido de lã crua, reto e sem grandes atrativos. Sentou-se e, ligeira, arranjou o cabelo numa trança grossa e descuidada — tinha pressa, e não contava mais com a ajuda de Lady Viviane. As pálpebras lhe pesavam sobre os olhos. Sabia que estavam inchadas pelo choro e que seu aspecto era péssimo, mas não tinha escolha a não ser apresentar-se. Tremia um pouco. Inspirou profundamente e, quando sentiu as pernas mais firmes, seguiu.

*

Na impossibilidade de chegar a tempo para o funeral, embora tenham empreendido a viagem por terra e mar necessária para alcançar Camelot tão logo receberam a notícia da morte de Lady Viviane, Sir Dionas e a esposa vinham para visitar o túmulo e ver as pessoas que falaram com a filha pela última vez, na vã ilusão de recuperar-lhe os últimos dias por meio de relatos alheios.

Quando chegaram, no meio da manhã, não quiseram comer nem descansar antes de falar com o rei e com Lady Morgana, a senhora de sua menina. O casal real os encontrou no grande salão, onde logo se ajuntaram cavaleiros e outros membros da corte, todos a aguardar a irmã do rei, peça chave daquela tragédia.

O ar sombrio e derrotado do casal tocou a todos no castelo. Mais que a morte da filha, era o fim de uma linhagem e de todas as esperanças de um homem nascido desprovido, cujas habilidades com a espada, postas a serviço leal de um generoso senhor, renderam-lhe terras onde podia mandar, mas cujas conquistas se encerrariam nele mesmo, findadas quando batessem a tampa de seu caixão, por não existir quem as herdasse.

Ao entrar no grande salão, Morgana não pode deixar de notar que o burburinho cessou completamente. Na outra extremidade do recinto, sob a luz de uma janela, estavam o rei e a rainha junto a um casal de mais idade — os pais de Lady Viviane. Morgana lembrava-se bem deles. Vira-os não havia tanto tempo, nas bodas reais. À esquerda e à direita do quarteto, alinhados às paredes, enfileiravam-se vários outros moradores e hóspedes do castelo.

A presença do rei e da rainha era mandatória, pois eram os anfitriões. Os demais, ela sabia muito bem que, sob o pretexto de "apresentar seus sentimentos" aos pais da falecida, estavam ali pela curiosidade: finalmente ela, a pessoa mais próxima a Lady Viviane e a última a vê-la com vida, iria falar, fazer uma declaração, e tinha ciência do quanto muitos ali estavam ávidos por suas palavras, por uma explicação do acidente, sequiosos pelos detalhes mórbidos.

Não lhe importavam os curiosos. Se os pais não faziam questão de privacidade — talvez estivessem atordoados demais para pudores —, Morgana tampouco fazia questão de ficar a sós com eles. A presença de muita gente tornava o encontro com os pais da amiga menos dramático, menos íntimo, mais impessoal.

Avançou vários passos em direção ao grupo, enquanto ouvia Arthur anunciar ao casal, "Milorde, milady, esta que aí vem é minha estimada irmã, Lady Morgana le Fey. Acho que já a conheceis de dias mais alegres!"

O casal ajoelhou-se diante dela, o que lhe causou imenso constrangimento. Ela é que tinha que ajoelhar-se perante eles, ou mesmo jogar-se-lhes aos pés implorando por perdão. Com um tímido gesto de mão, sinalizou que se erguessem.

"Milady," começou a falar Sir Dionas, "nossa menina vos tinha um grande apreço. Assim, grande é também nossa estima por vós!"

"Obrigada." Seu embaraço só aumentava. Quando aquilo iria acabar? "Lady Viviane era uma menina de ouro. A morte dela foi duramente sentida." As pálpebras inchadas de Lady Morgana davam uma involuntária veracidade às suas palavras.

"Sobre isso, milady," Sir Dionas prosseguiu, "sei que a satisfação de uma curiosidade em nada mudará o que aconteceu, mas gostaríamos de saber, de entender o que ceifou a vida de nossa filha."

"Sim, sem dúvida é vosso direito!"

Olhando a expressão sofrida e desesperançada de ambos, concluiu que revelar-lhes que Lady Viviane fora amante do filho do Demônio seria cruel. Ademais, a quem importava isso agora? Que ela e Merlin descansassem em paz, ao abrigo das maledicências e julgamentos daqueles urubus ali perfiladinhos para ouvir o que ela teria a dizer.

"Meus senhores," ela prosseguiu, "como sabeis, Lady Viviane era aluna de Mestre Merlin. Aluna de magia. Pelo que me deu a conhecer de suas lições, nas últimas aulas vinha aprendendo a dominar os elementos da natureza, como as águas. Acredito que, por isso, se dirigiram até o rio. Talvez, num excesso de confiança, ela haja arriscado um feitiço que ainda não dominava bem... Sabeis como ela era, sempre querendo aprender mais, sempre se desafiando... Acredito que algo saiu irremediavelmente errado. Alguma coisa contra a qual Mestre Merlin não teve tempo ou mesmo poderes... um acidente. Uma fatalidade!"

Sentiu o olhar de Arthur sobre ela. A expressão do rei era de surpresa. Ele era o único a quem Morgana relatara o romance entre as vítimas. O único, portanto, a deparar-se com uma nova versão dos fatos, de morte acidental, a contradizer a da morte voluntária. Foi um brevíssimo lapso de tempo, algo que certamente escapou aos demais. Ele logo se recompôs e, mirando-a, assentiu com a cabeça, validando diante de todos o que ela dizia.

Morgana interpretou a atitude dele como entendimento e aprovação de seu cuidado em não expor os mortos, e foi grata por aquilo. Em meio à tensão e embaraço do encontro com os pais da amiga, apreciou aquele instante de muda cumplicidade, asseverada apenas pelo olhar.

Vale sem RetornoWhere stories live. Discover now