LIVRO 2 -- CAPÍTULO 17

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Arthur consumia-se em alegre expectativa. Aguardou ansioso que a carroça ultrapassasse os portões e correu de volta ao castelo. Atravessou o grande salão às carreiras e venceu as escadas para o primeiro andar pulando os degraus de dois em dois. Olhou para os lados — os corredores estavam vazios, tanto melhor! — e bateu à porta de Morgana, pancadas leves e rápidas.

"Eles já foram?" Arthur ouviu uma vozinha perguntar, enquanto a porta se abria.

"Sim!" Ele teve a impressão de haver respondido alto demais, tal era a sua empolgação. "Sim," repetiu, mais comedido, entrando no quarto e fechando a porta atrás de si. Ela atirou-se ao seu pescoço, sorrindo, e ele estreitou-a entre os braços com paixão. Desejara-a tanto, com tanta intensidade, por tanto tempo, e tão resignado estivera àquele amor platônico, que ainda lhe parecia que tudo era um sonho, ou um engano. Mas ali estava Morgana, lábios entreabertos, oferecendo-se para um beijo, entregue a ele em total confiança. E ele passaria o dia inteiro com ela, sem pressa, sem preocupar-se com desculpas na ponta da língua. E também o próximo dia, e o próximo...

Ainda enlaçada a ele, ela exclamou, num tom eufórico, "Espero que se demorem bastante por lá!"

Apesar de ele desejar o mesmo, aquela frase, dita em voz alta, o incomodou, por denunciar cruamente sentimentos que ele preferia manter debaixo do tapete, ao abrigo da luz. Arthur lamentava-se por aquela situação, e considerava-se, juntamente com Guinevere, uma vítima dos costumes e obrigações sociais. Aprisionados num casamento sem amor. Guinevere não tinha culpa. Era uma boa moça, não merecia que ele ansiasse vê-la pelas costas, como o comentário de Morgana escancarava sem qualquer pudor.

Seu conflito, porém, foi breve. Dissolveu-se no calor do corpo de Morgana contra o seu, que a fina camisola que ela vestia não conseguia reter. Ao olhar o relevo dos mamilos, projetando-se, de modo quase indecente, através do leve tecido, ele se desculpou instantaneamente. Errado seria nunca viver a alegria de um amor, resignar-se à amargura de um casamento forçado, não esperar nada além, nada de melhor. E ele a queria tanto, esperara tanto por ela, que, agora que a tinha segura em seu abraço, não se deteria nem mediria esforços para saciar seu desejo desesperado. Afastaria quem quer que estivesse em seu caminho. Manteria Guinevere à distância, se preciso. Ela não sentia falta da companhia dele, de qualquer forma. Então, por que culpar-se?

Lembrou-se de Merlin e do quanto ele insistira em que não se casasse com Guinevere. Mas a verdade era que seguir o conselho do amigo não mudaria nada. A situação permaneceria a mesma, apenas a rainha teria outro rosto. Pois o nome de Morgana jamais seria considerado para aquele papel. Ainda que Arthur enfrentasse o desprezo de seus súditos, impondo-a a eles — uma decisão temerária para um rei —, isso seria apenas a primeira batalha. Restaria bater-se com a Igreja, para, provavelmente, perder a guerra, ter o casamento negado. E um rei, bem, um rei precisa de uma rainha. Mas não é obrigado a amá-la.

"Por que estais tão sério?" Morgana perguntou, inquieta, desprendendo-se dele.

"Não estou! Vinde aqui."

"Não!" ela respondeu, amuada. "Quero saber por que fizestes esta cara quando desejei que a rainha se demorasse na viagem. Já estais com saudades dela?"

"O quê? Não! Que ideia!" Ora, estivera mesmo pensando em Guinevere, era bem verdade, mas não com saudades. No entanto, não valeria a pena explicar isso a Morgana. Aproveitou a deixa para falar de outra preocupação sua, fingindo que era nisso que matutava segundos antes: "Eu pensava noutra coisa, em um convite que vos queria fazer, mas que não sei se é adequado. O rio que corre no bosque, ele forma uma pequena praia de águas mansinhas ao avançarmos algumas milhas mata adentro. Pensei que, com este tempo bonito e quente, seria agradável passarmos o dia lá, nadarmos um pouco. O outono não tarda, seria uma pena desperdiçar os últimos dias de calor. Mas temi que ir até o rio..."

Morgana balançou a cabeça, sinalizando que entendia. Arthur receava que fosse desconfortável ir ao rio após Viviane — e Merlin, supostamente! — haver morrido afogada. Os fantasmas dos dois deixariam algum dia as paredes daquele castelo? Bom, uma coisa ela sabia: não se foge de fantasmas. Não estava mais segura em seu quarto que no rio.

"Eu aceito! Mas como faremos? Não acharão estranho sairmos parar passar um dia inteiro juntos?"

"Acharão. Por isso contaremos outra história à corte. Eu sairei com um cavalo e uma cesta de mantimentos, alegando que passarei o dia fora, caçando."

"Sir Kay não quererá ir convosco?"

"Não vos preocupeis, lhe delegarei uma tarefa que o mantenha ocupado dentro do castelo."

"E eu, como faço?"

"Não direis nada. Deixai um bilhete pregado a vossa porta, com os dizeres 'fui à vila fazer compras.' Se alguém vier verificar porque não aparecestes ao almoço, verá a mensagem e sossegará."

"De acordo!"

"Podeis me esperar em uma hora, sob a macieira que fica logo após a entrada principal para os bosques? Estarei lá com o cavalo!"



Vale sem RetornoTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang