LIVRO 2 -- CAPÍTULO 13

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Arthur e Guinevere acompanharam os visitantes numa visita ao túmulo da filha destes. Diante da lápide, o rei e a rainha se afastaram um pouco para dar privacidade ao luto do casal. No caminho de volta ao castelo, Dionas pediu permissão ao rei para, em dois anos, conduzir os ossos de Lady Viviane a Briogne e sepultá-los nas terras que ela já não herdaria — das quais, sem que os pais suspeitassem, abrira mão ainda em vida.

Pelo resto do dia, perdurou uma melancolia em todo o castelo, poucas conversas, um silêncio insistente. No entanto, dois dias depois, Dionas e a esposa já haviam partido, e o peso do sofrimento do casal já se dissipara de Camelot, cada um mais preocupado com seus próprios interesses. A lembrança de Lady Viviane, a ama bonitinha e simpática de Lady Morgana, e o choque causado por sua morte precoce, foram-se aos poucos apagando da memória da corte. Afinal, a convivência com ela fora curta e pouco frequente.

Arthur sentia falta de Merlin, mas também este, embora admirado por alguns, não era da convivência de ninguém além do rei, e não provocou um real sentimento de perda no castelo — seu desaparecimento trouxe mesmo alívio para um ou outro que julgavam uma temeridade que o rei se aconselhasse com o filho de um diabo. Pensavam que, sem aquela influência funesta, o poderoso reino de Logres prosperaria ainda mais.

Assim era que, aquele dia, à hora do almoço, já se falava animadamente em caças, terras e todo o tipo de trivialidades. À mesa, além do casal real, sentavam-se Lady Morgana, Sir Kay, Sir Lancelot e alguns poucos cavaleiros. Sir Kay, nomeado senescal, tinha residência fixa em Camelot, e só muito de vez em quando visitava o pai, Sir Ector, nas terras que futuramente herdaria. Sir Lancelot, para todos os efeitos, continuava residindo nas terras do pai, Ban, na Pequena Bretanha, mas passava longuíssimas temporadas na capital de Logres.

Morgana e Arthur ainda não haviam podido ver-se a sós outra vez, o que, embora os impacientasse, tinha a vantagem de arrefecer-lhes um pouco os ânimos e dar-lhes mais tempo para se habituarem à própria paixão. Mais à vontade, voltaram a agir com certa naturalidade em público. Após chorar todas as lágrimas necessárias para desoprimir seu peito, e passado o forte efeito que os visitantes de Briogne lhe causaram, Morgana estava quase bem-humorada, o que em nada condizia com a faceta que todos ali conheciam dela. Riu-se de um comentário espirituoso de Arthur bem mais do que a gracinha merecia. Sentiu os olhos da cunhada em cima de si, através da mesa, e ouviu dela, "Sois bastante... forte, Lady Morgana. Encontro-vos já recuperada dos tristes acontecimentos!"

Morgana encarou-a, emudecida. A cunhada dera um tiro certeiro, atingira um ponto nevrálgico. Como poderia estar assim alegre enquanto a amiga estava morta, e por sua culpa? Sentiu-se fútil, frívola. E sua antipatia por Lady Guinevere, a desmascará-la diante da corte, só aumentou.

A voz de Arthur elevou-se:

"Ora, minha rainha, que quereis insinuar? Lady Morgana não tem mais direito a alegrar-se? Terá que passar o resto da vida chorando? Para provar o quê?"

"Alteza," Guinevere defendeu-se, "passou-se uma semana, apenas..."

"Basta!" O rei encerrou a discussão sob o olhar agradecido de Morgana.

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Guinevere precisava afastar-se. A situação só piorava e ela temia perder a compostura. Como continuar a duvidar de suas desconfianças ao testemunhar, durante o almoço, a insistente troca de olhares entre seu marido e aquela atrevida, toda a risadagem deles à mesa? Quis sinalizar que parassem com aquilo, pois tinham plateia, e era absolutamente inadequado. Admitia a impertinência de sua abordagem, mas aquela exibição de intimidade entre os dois reavivou com nitidez em sua mente a cena do beijo sob a janela, e um gosto ruim de bile invadiu sua boca. Não conteve a maldade de seu comentário: sua ira a fazia esquecer todo o recato, superar a modéstia de seu temperamento. Só queria atacar ou fugir, como um bicho ferido.

Apesar de sua falta de tato, acreditou que eles acatariam a crítica. Foi com surpresa e indignação que ouviu a reprimenda do marido, que, em vez de se corrigir, reagia como se a errada fosse ela! Quis enterrar-se no chão, humilhada. Ele a admoestava na frente de todos!

Criada para proteger as aparências sob quaisquer circunstâncias e ser a esposa perfeita de algum poderoso senhor, não conseguia aceitar a situação em que se encontrava. Além disso, insegura como era, nada poderia confrangê-la tanto quanto ser envergonhada em público. A situação era tanto mais delicada por Morgana não ser uma amante qualquer, mas irmã do rei. Era difícil para Guinevere mensurar o quanto daquela proximidade ostensiva entre ambos seria interpretada como camaradagem natural entre irmãos, e a partir de que ponto passariam a suspeitar, e ela, Guinevere, estaria na boca de todos como "mulher traída", motivo de galhofa em toda a corte. Até quando deveria continuar a fingir para Arthur que nada sabia? Qual seria o momento de ser franca? ("Milorde, fazei como quiserdes, mas, peço-vos, sede discreto!")

Precisava de um aconselhamento de alguém de sua absoluta confiança. Mais, precisava desafogar tanta mágoa. Só havia um lugar em que poderia fazê-lo ao abrigo de julgamentos: Carmélide. Não, não perante seus pais. Para estes, que a filha se houvesse unido em matrimônio ao regente de Logres era a honra máxima. Não dariam ouvidos a nenhuma queixa que Guinevere fizesse contra Arthur. Perante sua velha ama.

Vinha sendo esposa ciosa, cumpridora de todos os protocolos, fora uma boa anfitriã para Dionas e a esposa, acompanhando-os por todo o tempo em que permaneceram no castelo. Tinha certeza de que Arthur estava satisfeito e não tinha queixas dela. Não oporia obstáculos a que visitasse a família.


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