Capítulo 8 - HENRIQUE SOARES

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Estava tudo tão tranquilo, na maior paz, mas precisava ter caído novamente na lábia da Luciana. Eu deveria ter imaginado. Deveria ter dado ouvidos ao Jaime e ter pulado fora quando tive oportunidade. Agora estava em um beco sem saída, nas mãos de uma mulher que nem conhecia.

— Tem certeza disso? — pergunta Jaime, bastante indeciso.

— Eu te contei tudo. Você acha que não é para ir adiante?

Ele nega com a cabeça, mas o conheço o suficiente para saber que por dentro está relutante. Com um pedaço de ferro na mão, dou impulso com o braço e bato com toda a força no vidro traseiro do carro parado em frente à mansão.

O vidro racha, mas não quebra. O carro ainda estava molhado da chuva que caiu mais cedo, e os respingos caem na minha roupa.

— Você sabe que isso é crime, não sabe? — diz ele.

Faço que sim, voltando a posição de ataque.

— Sei também que é crime tirar fotos de pessoas nuas sem o consentimento delas.

— Eu sei. Talvez a menina apenas viu que você era famoso e...

— Cara, eu pensei nisso na hora, mas não acho que foi isso. Ela não tirou uma foto e saiu correndo, ela ficou lá e me desafiou.

— Desafiou? Você estava preso!

— Desafiou no olhar, cara! No olhar.

— Não estou entendendo mais nada, sabia?

Abaixo a barra de ferro e olho para o meu irmão.

— É simples. Você a colocou dentro da festa, certo? O que quer dizer que VOCÊ é o culpado disso, Jaime! E agora temos a chance de saber quem é a tal garota porque, por sorte do destino, e sorte SUA, a bolsa dela está dentro do carro! Agora para de lengalenga e me ajuda com isso.

Ofereço o ferro a ele, que revira os olhos e se mantém parado.

— AH! — grito, buscando mais força. Bato no vidro do carro com a barra mais uma vez e finalmente ele se quebra em vários pedaços.

Jogo a barra de ferro no chão da rua e com uma toalha que Jaime trouxe de dentro da casa afasto os estilhaços presos e pego a bolsa no banco de trás do carro.

— Satisfeito? — diz ele, contrariado.

— Muito.

Caminho até o capô do carro e abro a bolsa marrom de couro vagabundo devagar. Jaime abre a boca para reclamar.

— Não, Jaime! Preciso saber que é essa mulher, está bem? Ninguém está vendo isso. Fique calmo.

— Você e sua mania de fazer merda! Quando isso vai parar, Henrique?

Paro de mexer e começo a ficar realmente bravo com ele.

— Porra, Jaime! Sério isso? Você é o culpado dessa vez!

— Isso não teria acontecido se você estivesse me ouvido! Luciana é roubada, cara! Quantas vezes eu te falei isso?

— Caralho! Quando você vai parar de me encher?

— Quando você crescer!

Estávamos brigando novamente. Era comum. Jaime e eu estamos sempre juntos e isso nos fazia ter certas discordâncias na maioria das vezes. Eu sabia que meu irmão estava certo, mas dessa vez a responsabilidade era meio a meio. Ele também tinha culpa no cartório.

Volto a mexer na bolsa, ignorando-o. Vou tirando algumas folhas, comprovantes, lenço da bolsa e jogando no lado do carro.

— Cara! Não faz isso com as coisas da menina.

Paro e olho para ele.

— Ah! Acho que entendi. Você gostou da garota? — debocho.

Ele arregala um pouco os olhos e nega.

— Claro que gostou, por isso está assim irritadinho.

— Para de falar merda.

— Tenho que dar o braço a torcer, meu irmão. Se não fossem aquelas roupas caidinhas, ela até daria para o gasto. Era até bem gostosinha!

— Cala essa boca, Henrique! — Jaime grita tão alto que até ele fica assustado.

Por alguns segundos ficamos calados. Era difícil ele se exaltar tanto. Volto a olhar a bolsa e para ele.

— Me desculpe, ok? — Tento acalmar os ânimos. — Vou só ver se tem carteira e se tem alguma pista de onde ela mora.

Ele passa a mão pelo rosto, visivelmente nervoso.

— Quer saber? Foda-se! Eu estou fora dessa merda. Se vira!

Jaime vai embora e caminha em direção a casa. Respiro fundo bufando. Agora quem está com raiva sou eu. Jaime pode pensar que eu preciso dele para tudo, mas dessa vez eu não o deixarei jogar na minha cara esse problema.

Eu vou resolver isso sozinho.

Remexo novamente na bolsa e encontro uma câmera, ligo-a e não existe fotos no cartão de memória. É normal andarem com câmera dentro da bolsa ou ela estava, de fato, equipada?

Encontro sua carteira e sem pensar duas vezes abro. Pego seu documento e vejo o nome da pervertida: Catarina Maria Mendonça. Sua foto parece ser bem antiga, pois mesmo percebendo que é uma mulher jovem, no documento parece mais uma adolescente. Observo os traços da menina que está me deixando puto. Seus olhos castanhos, seu pequeno nariz arrebitado e a boca linda. Não é à toa que Jaime ficou caidinho. Aquele sacana pensa que me engana.

Pronto! Isso talvez seja suficiente para encontrar a maldita.

Em uma das abas de plástico da carteira vejo duas fotos 3x4. Uma das fotos é de uma menina pequena e a outra de um homem jovem. Torço a boca. Uma família unida, que emocionante!

Fuxico um pouco mais e encontro uma nota de dois reais. Dois reais? Sinto um pouco de pena, mas logo passa quando me lembro da cretina tirando minha foto. A essa hora ela estava negociando minhas fotos e embolsando algumas verdinhas.

Pego um fino papel no fundo da carteira. Abro delicadamente e vejo:

Recibo de Pagamento.

Centro Educacional Joaninha Tagarela.

Aluna: Ana Mendonça

Responsável: Catarina Maria Mendonça

Joaninha Tagarela? Quem é o louco que matricula a filha numa escola com esse nome?

Sorrio e volto a colocar as coisas dentro da bolsa. Essa era a pista que eu precisava. Envolver meu advogado, detetive e o caralho à quatro não estava nos meus planos. Queria agir sozinho. Sem alarde. Sem que depois Jaime jogue na minha cara.

Pego meu Iphone no bolso da bermuda e digito no google: Centro Educacional Joaninha Tagarela.

E lá está o nome da rua, número, telefone e o município: Duque de Caxias.

Eu conhecia o lugar, pois fui criado em um município relativamente próximo.

De repente um sentimento ruim me aflige. Eram lembranças. Eu não gostava de relembrar essa época. Os primórdios, as dificuldades, a culpa que eu ainda carregava e odiava lembrar a minha adolescência, mesmo que tudo isso tenha ocorrido alguns anos atrás.

Bufo alto, irritado.

A mulher não poderia morar mais perto?

Quase fraquejo ao pensar em ligar

para o meu advogado, mas resolvo manter a tática inicial. 

TUDO OU NADAWhere stories live. Discover now