prologue

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Abro meu olho, cada músculo doendo por esse mínimo esforço. Tento encontrar algo, mas a única coisa que preenche minha visão é uma sala escura. Escura demais. Sinto alguém ao meu lado, engatinho até a pessoa e começo a tatear. Sinto o corpo gelado embaixo da minha mão, tento encontrar o pulso da pessoa, sentindo fios de cabelo no percurso. Quando acho o que procurava tento sentir alguma pulsação, algo que mostrasse se a pessoa estava viva.

Nada. 

Nada batia ali, um corpo morto. Começo a sentir minha respiração falhar, a sala parece diminuir – deixando eu e quem quer que fosse ali. Presos. – Minha visão começa a melhorar, o rosto da pessoa começa a aparecer ao mesmo tempo em que escutava passos no corredor.

Uma feérica aparece entre as grades, seus olhos sombrios e o cabelo caindo como cascata no ombro. Mas a sala ainda era muito escura para ver qualquer cor. O corpo da pessoa morta começa a ficar mais visível, a fêmea na grade abre um sorriso malicioso, volto a encarar o corpo. Cabelos castanho-dourados, olhos cinzas completamente sem vida, o braço virado em uma posição que definitivamente não era certa, sangue escorrendo da cabeça e do pescoço. Mas atrás dois corpos começam a surgir, igualmente sem vida. Uma mulher humana de cabelos e olhos iguais ao primeiro, e um macho feérico de olhos e cabelos azuis-esbranquiçados. 

Um único pensamento enche minha mente. 

Eu.

Eu era aquele primeiro corpo, agora sem vida. Me afasto mais, desviando rapidamente o olhar para a feérica – que continuava perto da grade –, minhas irmãs agora ajoelhadas no seus pés. As três me encaram. Elain com seu olhar apavorado, medo a corroendo; Nestha tinha seu olhar de ódio, que sempre dirigia a mim, muito mais forte agora; Feyre... Feyre me olhava com culpa. Ela me culpava. E quando presto atenção novamente, o olhar das três estava vazio, sem vida. Estavam mortas.

Lágrimas começar a rolar pelo meu rosto. Tento falar alguma coisa, mas nada sai, minha boca nem ao menos se move. Encaro o lugar ao meu redor, enquanto a fêmea fala: 

— Culpada! Culpada pela morte de seus pais, culpada pela morte de suas irmãs. 

Uma cela, estava em uma cela...

— Podia ter aceitado ajuda, mas não fez. Assassina.

Olho para meu cabelo. Azul-esbranquiçado, como me lembrava que havia sido; tateio até minhas orelhas, estavam meio pontudas, meus olhos também deveriam estar azuis.

"Cuida delas por mim, filha, por favor. Eu te amo tanto, seja forte. Por Nestha, Elain, Feyre... Por você."

Cuide delas. 

Culpada.

Cuide delas.

Assassina.

Cuide delas. 

Culpada

Assassina

Culpada.

Minhas irmãs. Não pude defender minhas irmãs!

Me encolho mais na parede, a cela começando a queimar. Fogo me rondeava, nos cantos a neve se fazia presente; um vento entra na cela, arrepiando todo meu corpo, água começa a surgir; luz e escuridão brigando entre si para ver quem tomaria todo o lugar.

Minha parte humana estava morta. Meus pais estavam mortos. Minhas irmãs estavam mortas. 

Não consegui defender eles... não consegui defender ninguém...

Culpada

Assassina

Escuridão começa a tremeluzir em um canto da cela, a forma de uma pessoa começava aparecer... Chegava mais perto, cada vez mais perto. A mão estendida em minha direção. Olho para cima na busca de descobrir quem era; escuridão formando a silhueta de alguém, a única coisa visível era o par de olhos violetas com pontos pratas, iguais estrelas na noite.

Agarro sua mão e tudo ao meu redor começar a sumir. A fêmea na grade, minhas irmãs em seus pés, minha mãe e meu pai, meu corpo humano. 

Agarrei ainda mais forte a mão que era estendida para mim. A cela começava a sumir, luz cobria qualquer escuridão; uma cidade se formava. Luzes das estrelas brilhavam acima da minha cabeça, um rio na base da colina – se juntando ao mar –, casas coloridas todas com chaminés, neve cobria o chão de paralelepípedo. Crianças riam, uma correndo atrás das outras; se divertiam, como se a maldade não pudesse chega naquele lugar. 

Uma voz sussurra na minha cabeça.

Casa. 

«——————⁜—⁜——————»

Acordo assustada com meu cabelo grudando na minha testa, minha respiração falhada. Me sento no sofá em que dormia e olho pela janela do chalé, o dia começava a amanhecer. Volto meu olhar para a lareira, vendo que a lenha ainda queimava; meu padrasto ainda dormia no velho colchão.

Levanto e vou direto ao quarto, tentando controlar minha respiração e minhas mãos que tremiam. Vejo Feyre, Elain e Nestha dormindo na cama, uma encolhida na outra, as observo dormindo por um tempo antes de sair do quarto e ir pegar minha aljava e arco. Não levaria Feyre caçar comigo hoje, a deixaria dormindo como qualquer outra criança.

Ao abrir a porta de casa escuto as árvores farfalhando, a neve encobrindo qualquer passo meu. Frio começa a me fazer tremer, mesmo vestindo meu manto. Ao longe posso escutar passarinhos cantando, longe de qualquer preocupação. 

Passo o que podia ser horas procurando alguma caça, mas não desistiria. Não até ter algo a levar para minha família, para que possamos comer e vender. Passado mais tempo vejo uma toca de lebres, e, por mais que meu coração apertasse – por ser pouco, por estar tendo que matar cada vez mais –, teria que ser aquilo. De longe acerto as flechas, e procuro o remorso que antes me preenchia, mas não achei nada, nenhuma emoção que não fosse alívio – por ter algo a dar para minhas irmãs comerem –. E desejei do fundo de mim sentir algo, que mostrasse o quanto repugnante aquilo poderia ser. 

Mas aquilo era a floresta, e era inverno.

Corte de Amores e Segredos - Versão AntigaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora