Oito - Passado

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O tique-taque do relógio era o único som dentro do consultório. De fato, o silêncio era tão profundo, que até o mínimo farfalhar das folhas das árvores do lado fora reverberava como se amplificado por uma potente caixa de som. A única movimentação eram as respirações das duas únicas pessoas ali presentes. Dois pares de olhos fitavam um ao outro, em uma ligação tão rígida quanto o mais puro dos diamantes.

-Muito bem, Sanders. – Melissa apoiou os cotovelos na mesa.

Tinha um sorriso malvado nos lábios e lançava um olhar esperto na direção de seu paciente mais sarcástico e arisco.

Antes que pudesse continuar, no entanto, ele a interrompeu:

-Achei que tivéssemos combinado que seria apenas Corey a partir de agora, doutora. – sua voz soou tranquila e a expressão em seu rosto era a exata representação da de Melissa.

Ela preferiu ignorar as sensações que aquela voz causava. Escuta-la novamente quase vinte e quatro horas depois da última vez, no entanto, era um calmante.

-Se você deixar de lado a ironia do "doutora" e me tratar apenas como Melissa, posso até pensar no seu caso.

Corey Sanders soltou uma risada nasalada em seu melhor tom de ironia, cerrou os olhos de maneira marota e balançou brevemente a cabeça em sinal negativo, antes de continuar:

-Eu não perderia a chance de ver sua cara de indignada toda vez que eu te chamo de doutora. – ele piscou sedutor. – Doutora – e completou, sorrindo de orelha a orelha.

Melissa engoliu em seco disfarçadamente, tentando afastar os pensamentos impuros que a tomaram quando aquele mar de brilhos azuis vibrou em segundas intenções na sua direção. Ela não sabia se tinha sido produto de sua imaginação, no entanto. Talvez preferisse pensar que sim.

-E eu não perderia a chance de ver a sua cara de desgosto toda vez que te chamo de Sanders. – Melissa soltou uma breve risadinha quando ele lhe lançou um olhar enfezado – Sanders. – completou, assim como ele, deixando que sua voz soasse baixa e lenta.

-Tudo bem então, doutora. Que tal começar a me analisar? Essas algemas incomodam bastante, sabe? – ele levantou as mãos na altura da cabeça. As correntes das algemas fizeram um barulho sinistro. – Quanto menos tempo ficar com elas, melhor.

-Agora que atingimos um novo nível de relacionamento, já que você está falando, podemos começar o seu tratamento.

Corey fez uma careta desgostosa e Melissa conteve uma inexplicável vontade de rir.

-Não preciso ser tratado. Esse diagnóstico – Corey apontou com as mãos envoltas pelas algemas para a pasta que Melissa amassava entre os dedos – Está errado. Não sou psicopata, sociopata, serial killer, qualquer coisa que meu pai tenha pago para escreverem aí.

A doutora empertigou-se em sua cadeira, alerta pela pequena informação que ele havia deixado escapar. Se propositalmente ou não, talvez jamais descobrisse, mas era uma informação de ouro para apenas cinco minutos da segunda sessão.  Os olhos cerraram em uma expressão compenetrada antes que Melissa continuasse, escolhendo, cuidadosamente, deixar de lado o comentário dele, ao menos por enquanto.

-Suponho que não queira maiores informações a respeito do método de psicoterapia que pretendo utilizar com você, menos ainda sobre a evolução que espero ter com o passar do tempo? – Corey negou com a cabeça de imediato – Então tenho uma proposta para fazer. – Melissa aproximou sua cadeira da mesa, e assistiu a Sanders fazer o mesmo.

Ele apoiou as mãos entrelaçadas sobre a madeira e suas algemas reluziram estranhamente contra a luz. A proximidade não planejada trouxe de forma quase imperceptível o aroma do perfume dele. Era amadeirado e deixava as narinas de Melissa pedindo por mais. Ela quis grudar o nariz na gola de sua camisa polo branca, na intenção de se perder naquele torpor. Ignorou a sensação idiota, entretanto.

Psicose (Livro I)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt