Vinte - O plano mirabolante de Corey Sanders

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Era difícil dormir depois de um dia cheio de trabalho do St. Marcus Institute. Na verdade, era difícil dormir no St. Marcus Institute, fosse o dia cheio ou não. Os pacientes gritavam, o vento batia nas janelas e produzia zumbidos estranhos, cômodos aparentemente inofensivos esfriavam até a temperatura inverno polar, fantasmas sussurravam em seus ouvidos... Nenhum desses fatores, entretanto, era tão incômodo para pegar no sono quanto ser beijada intensamente por Corey Sanders.

Esse sim era um motivo para se manter acordada.

Bem acordada.

Primeiro porque sua sensatez a punia lembrando que era a pior profissional da história da psiquiatria. Segundo porque seus hormônios a puniam lembrando o quanto era bom, e que não podia ter na quantidade que quisesse, quando quisesse. E nunca poderia.

O que tornou dormir um ato quase impossível naquela noite, contudo, foi o que Melissa encontrou sobre sua cama assim que adentrou seu dormitório. O objeto cilíndrico preto se destacava entre seus lençóis brancos. Era o batom que havia sumido no banheiro, no dia em que aquela palavra ainda desconhecida fora escrita com ele no espelho.

Melissa fechou as mãos em punho e engoliu em seco, tentando trazer a calma necessária para lidar com aquela situação. Não havia frio ali. Não havia fantasma. Não havia ninguém. Talvez alguém tivesse encontrado o batom. Talvez alguém adivinhasse que era dela... Mais sensato pensar assim, do que deduzir que um fantasma havia levado seu batom até ali. Sem pensar muito sobre o assunto, antes que desistisse da ação, Melissa pegou o objeto e o jogou pela janela, longe o bastante do prédio administrativo. Não queria aquela coisa por perto. Nunca mais.

**

Quando o clarear do dia impediu Melissa de continuar rolando entre seus lençóis, tinha ideia fixa. Tempo para pensar sobre o assunto teve de sobra, devido a mais uma noite em claro.

Os beijos de Corey Sanders eram atrevidos, errados e inesperados, roubavam seu senso de realidade com uma facilidade que ia além do vergonhoso... Porém a doutora ainda se lembrava do pedido quase desesperado de ajuda do dia anterior. As exatas palavras dele ainda reverberavam em sua mente:

"Eu preciso de você, doutora. Preciso de você pra me manter preso na realidade. Eu não quero enlouquecer."

E se Corey Sanders estivesse certo todo esse tempo e fosse inocente? E se alguém cometeu aquele crime bárbaro e fez de tudo para incriminá-lo? Poderia Melissa deixar que alguém são enlouquecesse preso entre as paredes frias do helvete?

Por algum motivo inexplicável, sempre achou, desde a primeira análise do arquivo de Sanders, que tinha alguma coisa muito errada com aquele crime. Não que tivesse conhecimento suficiente sobre investigações criminais, mas havia inconsistências relevantes, como a faca encontrada sob o assoalho sem impressão digital conclusiva, o depoimento questionável das duas testemunhas que disseram ter ouvido Barber gritar naquele quarto, a falta de um álibi, então o diagnóstico de psicopatia um tanto apressado, sem muitos fundamentos. Talvez Brian tivesse razão, talvez tenha sido comprado, porque ele não teria uma estadia muito cômoda em uma prisão convencional. Talvez o pai não pudesse suportar a ideia de que tinha um filho preso. Um filho internado em uma instituição para doentes mentais parecia menos absurdo.

Sabia que essa vontade repentina de fazer alguma coisa tinha a ver com aquele último beijo, e que isso deveria ser estancado, para não piorar ainda mais sua situação ridícula. Mas não podia deixar de considerar a hipótese, agora que fora levantada com tamanha energia.

Corey Sanders não era um psicopata, poderia dizer sem muitas dúvidas. Tivera sessões psiquiátricas e convivência íntima (uma vergonha) suficiente com ele para dar esse diagnóstico sem muito medo de errar. Estava, sim, em um leve quadro de depressão, em razão dos anos que passara naquele lugar. Qualquer um com mente sã que chegasse ali para pagar por um crime que não cometera sucumbiria, a mente humana não era invencível, não era tão forte. Não a esse ponto.

Psicose (Livro I)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora