Três - Inesperado

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            O primeiro dia de trabalho de Melissa como uma psiquiatra havia sido extremamente... Parado. O paciente das dez horas, senhor Heck, de cinquenta e oito anos, sofria de Transtorno de Personalidade Esquizóide. Logo após sua ficha, vinha a especificação de sintomas: falta de interesse em relações sociais, isolamento, frieza emocional, atividade imaginária interior, falta de interesse em relações sexuais, despersonalização. Ao lado, havia uma observação, destacada em caneta vermelha: despersonalização grave, perda de identidade e individualidade. Dificuldade de comunicação e interação. A lista de medicação a que era submetido era extensa.

No inquérito policial, constava a história resumida do crime cometido pelo senhor Heck. Há vinte anos, havia matado sua própria mulher a golpes de machado. Em seguida, esquartejou seu corpo e o jogou no córrego que passava pelo quintal de casa. A causa do diagnóstico era o uso imoderado de drogas, principalmente heroína, o fator genético ligado à mãe, esquizofrênica e o casamento forçado com a mulher. Sua tendência a afastamento e isolamento, juntamente com sua opção assexuada, deram causa ao colapso mental que o levou ao assassinato. Há vinte anos o senhor Heck estava preso no St. Marcus. Melissa, ao analisar sua ficha que, apesar do tempo de internação, não era muito extensa, constatou que há pelo menos dez não saía nada da boca do homem que não fossem resmungos desconexos. Era a gravidade a que havia chegado sua despersonalização e perda quase total de identidade.

O temor voltou com força total ao se imaginar com um tipo daqueles. Sozinha. Durante a hora e meia que deveria durar a consulta médica. Provavelmente pediria para que o guarda ficasse. Na verdade, Melissa não via propósito em tentar se comunicar com alguém que, claramente, segundo os registros médicos, estava completamente insano e afastado da realidade. Já havia sido dominado pela loucura há tempo demais, e não havia mais volta. Queria ela poder falar tudo isso a quem a havia designado tal paciente, mas não achava ser muito educado e sensato. Um médico nunca deve desistir de seu paciente.

Para a sorte de Melissa (ou azar), o senhor Roman Heck se encontrava na enfermaria desde a madrugada daquele dia, tratando de ferimentos no rosto e costelas. Por quais razões ele havia arrumado aqueles ferimentos, Melissa não tinha muita certeza, mas a reputação do prédio C, em seu conceito, só piorava cada vez mais. Qual a necessidade daquele bando de guardas se eles nem ao menos impediam que os prisioneiros matassem uns aos outros?

O horário de almoço tardou a chegar. Melissa tentou fazer o tempo passar, portanto, se envolvendo na leitura dos arquivos de seus outros pacientes. Nenhum deles, observou, era tão extenso e interessante quanto o arquivo de Corey Sanders...

Na primeira pasta, estava a ficha de Julia Sheffield, uma adolescente de apenas dezoito anos, que não recebia visitas de ninguém desde que havia sido presa. Sofria de Esquizofrenia Hebefrênica. As características que mais se destacavam em seu quadro eram resumidas a delírios e alucinações. Era imprevisível e tinha tendência ao isolamento. O tratamento que recebia era à base de antipsicóticos.

Julia Sheffield havia afogado os três irmãos mais novos na piscina de casa. A garota era depressiva desde os quinze, já havia tentado se matar três vezes, e a mãe ainda tinha a brilhante ideia de deixá-la tomando conta dos irmãos, enquanto viajava a Europa toda com o mais novo marido. Nada sensato. E obviamente surtou quando encontrou os trigêmeos boiando na água, depois de uma viagem pela Itália, e a garota Julia há três dias chorando na beira da piscina.

Julia Sheffield estava no St. Marcus Institute há apenas seis meses. Melissa não tinha ideia do que a levou a ser classificada como uma paciente difícil a ser tratada. Não havia nada em seu registro que demonstrasse qual a sua "rebeldia". Seu rosto, no entanto, em formato de coração, emoldurado por sedosos cabelos claros, não demonstrava o semblante de alguém depressivo que assassinara o sangue de seu sangue sem qualquer remorso. Era bastante sombrio, entretanto. Suas feições de anjo poderiam enganar qualquer desavisado. Julia Sheffield, no entanto, era aguardada apenas no horário das quatro da tarde do outro dia.

Psicose (Livro I)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora