Capítulo 36 - Não, eu não matei

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Cinco horas antes do Tsunami e Furacão...

Aqui está você, Gustavo pensou quando abriu a porta de metal e a viu sentada, com as pernas juntas, com a cabeça curvada e, como sempre, chorando.

— Sua pera... — ele disse assim que sentou-se do seu lado.

Diferente das outras vezes, a médica não aceitou a fruta.

— Então você não quer? — ele perguntou, ainda com o braço estendido. Vanessa não lhe respondeu nada. — Tudo bem então, eu posso comer, estou com fome mesmo — disse, e levou a fruta até a boca, mas antes de dar uma mordida, Vanessa ergueu as mãos e a tomou. Depois disso, ainda entre soluços, comeu a fruta.

Gustavo esboçou um pequeno sorriso e permitiu-se olhá-la com mais atenção. Vanessa tinha o cabelo médio e preto, "típico" dos coreanos.

Também tinha os olhos puxados e usava uma maquiagem tão natural que, se não tivesse prestado bastante atenção, não teria percebido. Além disso, continuava usando sua bota preta que ia até o tornozelo, a mesma que adorava usar e que, desde que começou a trabalhar no hospital Caller, só deixou de usar uma ou duas vezes.

Mas, se fosse quatro meses atrás, Gustavo não ia conseguir nem chegar perto dela assim, tão tranquilamente. Porém, enquanto atendiam os pacientes juntos, por causa da competição que Rafael Caller havia criado, por incrível que pareça, ele pôde ver, nos pequenos detalhes e ações, que Vanessa Kim não era tão má quanto se mostrava ser.

Ela realmente amava o que fazia e amava tanto que, muitas vezes, culpava-se por não poder ajudar algum paciente. Gustavo descobriu seu comportamento e onde se refugiava. Noventa por cento das vezes podia encontrá-la sentada em um degrau das escadas que ajudava os médicos a chegar aos outros andares, caso o elevador estivesse em manutenção. Gustavo a via com as pernas juntas e com a cabeça abaixada, sempre estava chorando por não ter se esforçado muito naquele dia, ou por causa da situação deplorável de algum paciente, ou pior, quando alguém que ela estava ajudando acabava falecendo. Quando a última opção acontecia, Gustavo Mark a via chorando muito mais do que nas outras vezes.

Foi por isso que tentou ajudar, mas, nas primeiras tentativas, Vanessa quase o expulsou de lá a pontapés. No entanto, depois que descobriu qual era sua fruta favorita, mudou de tática.

Então, se algo de ruim acontecia com um dos pacientes que eles cuidavam e Vanessa desaparecesse, Gustavo comprava uma pera, caminhava tranquilamente até a porta que dava nas escadas do quinto andar do hospital e, quando a encontrava, lhe oferecia a fruta, sem dizer nada. Vanessa aceitava e, depois que terminava de comer, parecia outra pessoa.

Foi assim que Gustavo Mark conseguiu ver um outro lado dela que, aparentemente, quase ninguém via. O lado da mulher presa em uma mente de uma menina que foi abusada pelo pai. Uma médica muito dedicada, que amava o que fazia e que dava seu máximo para que seus pacientes fossem curados. E não menos importante, uma cristã que se culpava por causa do seu temperamento aflorado, como o de João, o filho do trovão.

Gustavo Mark não tinha medido a dimensão do sofrimento dela, mesmo que Melissa tivesse contado o que lhe aconteceu na Coreia. Ele só não tinha entendido muito bem como Vanessa se sentia, e como desenvolveu aquela dupla personalidade. Uma hora irada, cuspindo fogo e com sede de vingança; mas, em outro momento, era preocupada, atenciosa, amável e muito cuidadosa com os pacientes. Contudo, essa falta de compreensão mudou quando começaram a ficar mais próximos, como amigos.

Durante suas várias conversas, Gustavo ia montando o pequeno quebra-cabeça da vida de Vanessa Kim. Ela era como ele, eram sozinhos no mundo. Mesmo que ele tivesse tido pais adotivos, não tinha nenhum parente de sangue para chamar de família, Vanessa Kim era igual.

Te Entreguei Meu Coração ❤️ - Série Médicos Do Fim  [FINALIZADO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora