Capítulo III

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O fogo da lareira deixou os olhos do czar preso por vários minutos, deixando sua esposa, Lara Bulganova, falando sozinha. Vladimir não conseguiu nutrir nenhum sentimento por ela durante aqueles cinco anos de casados, somente amizade. Ele sabia que Lara devia se sentir infeliz com toda aquela situação, mas não tinha culpa, tinha deixado seu amor na Catedral de São Pedro e São Paulo com Sasha.

Muitas vezes tentou esquecer suas memórias com Sasha, mas elas eram memórias felizes e cheias de amor. E tinha seus filhos, todos muito parecidos com a mãe, principalmente nos olhos. Ficou triste ao lembrar que Anastásia não estava entre eles, mas ainda mantinha a fé de encontrá-la viva, apenas não sabia se lhe restavam forças para isso.

Foram tantas e tantas esperanças em vão, que estava cansado de submeter a si mesmo para mais um alarme falso.

— Vladimir eu gostaria muito de conversar com você. — colocou a mão sobre a dele. — Mas nunca me dá a devida importância.

— Queira me desculpar. — Vladimir beijou sua mão. — Mas meus pensamentos são sempre voltados para Anastásia quando paro um segundo para descansar.

— Eu sei. — Lara puxou sua mão, mudando um pouco a expressão para chateada. — Você vai falar com Dimitri sobre o casamento com minha sobrinha Elizabeth?

— Outro dia eu falarei. — Vladimir encarou a esposa. — Ele não quer se casar ainda.

— Mas ele será um czar, deve se casar.

— Deixe-o em paz. Ele é jovem, deve aproveitar ao máximo sua juventude.

— Quando seu pai fez você se casar com Alexandra foi tão bom assim? — a czarina se levantou da poltrona. — Deixou aproveitar sua juventude com a baronesa Romanova?

Olhou para ela sem questioná-la quem havia dito sobre sua amante do passado. Não se surpreenderia se algum dos empregados tivesse entregado um dossiê do seu passado para Lara.

— Existe uma grande diferença entre mim e meu pai. — Vladimir alisou sua barba. — Ele estava morrendo, e eu era o herdeiro do trono.

— Nunca realiza um pedido meu. — Lara apontou para o quadro que ficava acima da lareira. — Mas aposto que para ela você faria tudo de olhos fechados sem hesitar.

E ela tinha razão.

O quadro era de sua falecida esposa quando acordava pela manhã, depois de uma noite longa de amor. Vladimir havia herdado o talento da sua mãe, Natália, para pintar, do qual se orgulhava bastante.

— Não precisa citar sempre Sasha em nossas conversas.

— Sempre será necessário mencioná-la. — abaixou a cabeça. — Pensa somente nela.

— Eu não queria fazê-la sofrer. — abraçou-a com carinho. — Eu nunca quis isso.

— Compreendo que nosso casamento tenha sido por puro acordo político, no entanto imaginei que pudesse gostar de mim. Dói vê-lo sempre longe.

— O passado me persegue todo dia, não consigo evitar. Fui tão feliz, tive tanta sorte com minha família. — suspirou. — Mesmo com um casamento arranjado, eu me apaixonei por minha esposa. Tivemos sete filhos lindos. Os dias eram tão alegres e cheios de risos, mesmo quando tudo parecia difícil. Eu nunca esperava isso de Ivan, ele era meu melhor amigo e primo.

— A família Tchaikovsky não sabe mais nada sobre ele?

— Ninguém mais sabe desse homem. Acho que ele está na Rússia ainda.

— São Petersburgo?

— Bem provável. — Vladimir foi para frente da janela que ocupava uma boa parte do quarto. — Mandei Dimitri averiguar como está o palácio, comunicar aos empregados que retornaremos. Faz muito tempo que não piso os meus pés em São Petersburgo, nem meus filhos.

— Não acha que fantasmas irão invadi-los?

— Talvez sim, foi em São Petersburgo onde tudo aconteceu. Moscou se tornou meu refúgio, mas eu sempre gostei bem mais de lá.

— Obteve alguma pista dela? — Lara olhou para onde o czar encarava. — Só não quer contar a ninguém.

— Está equivocada em suas suposições.

— Diga-me quantas vezes mentirá para mim? — a mulher suspirou. — Muitas Anastásias surgiram ao longo desses anos. Vladimir, por favor, pelo menos uma vez em sua vida, escute-me: Anastásia está morta!

Vladimir sentiu a raiva atacar seus nervos e seu coração acelerar. Olhou para ela com desprezo e saiu do quarto, pois não aguentava respirar o mesmo ar daquela que dizia o tempo todo que suas esperanças eram tolas.

Ele sentia que ela estava viva em outro lugar.

Decidiu ir para um lugar onde nunca mais tinha ido: o quarto mal-usado de Anastásia Bulganova.

O palácio Peterhof continuava a mesma coisa, achava Dimitri. Seu quarto estava do mesmo jeito que havia deixado há onze anos. Tudo estava pronto para a chegada da sua família. Voltaria para Moscou com o trem imperial para arrumar o resto das coisas para voltar a São Petersburgo. Ele gostava bem mais de Peterhof do que o palácio de Inverno. Talvez pelas memórias que tinha com sua mãe e seus irmãos naqueles jardins, que agora estavam cheios de neve, mas na primavera era simplesmente magnífico com as flores de todas as cores e as fontes d'água com vida.

O carro da casa Bulganov ia em direção à estação de trem, e fazia Dimitri admirar mais ainda São Petersburgo. Muita coisa havia mudado durante aqueles longos anos em sua ausência. Estava ainda mais bela.

Quando chegou a estação, desceu do carro e começou a andar sem esperar sua escolta, coisa que seu pai enlouqueceria se descobrisse. Desde a morte da sua mãe e o desaparecimento da sua irmã mais nova, o czar ficou obcecado com questão de segurança com todos os filhos. Compreendia as razoes do pai, apenas achava chato ter tantos homens em sua volta como cães de guarda. No entanto, tinha que acatar, além de ser seu pai, era o czar.

Começou a seguir em direção ao trem que o levaria a Moscou. Chegando perto da bilheteria, não conseguiu acreditar no que havia enxergado. Uma jovem muito parecida com sua mãe e seu pai.

Em um momento de loucura, pensou que talvez aquela fosse sua irmã perdida que seu pai tanto procurava. Sua mente ficou atormentada, pensando no que deveria fazer. Impulsivamente caminhou até ela e pegou seu braço.

— Anastásia?

E para sua surpresa, a garota virou o rosto assustada e o encarou com medo. Os olhos eram de um profundo azul, assim como o seus. A garota soltou-se dele e saiu correndo. Dimitri foi atrás dela, mas infelizmente a perdeu de vista.

Voltou para a estação completamente transtornado.

Encontrou-se com sua escolta e embarcou no trem pensando na garota desconhecida.

— Se ela não é minha irmã, é alguém muito parecida. — murmurou para si mesmo. — Ou, talvez, seja minha enorme vontade de ter minha irmã de volta.

Mas durante toda a sua vida, muitas impostoras apareceram com os traços físicos parecidos com os Bulganov, mas nada se comparava aquela menina da estação. Nada. O que deixava ele ainda mais impressionado.

— Alteza, devo lhe dizer para não repetir o que fez hoje. — o chefe da escolta disse rudemente.

— Perdoe-me, isso não irá se repetir novamente.

O guarda saiu, deixando-o sozinho com seus pensamentos sobre a garota de belíssimos olhos azuis.

A grã-duquesa perdidaWhere stories live. Discover now