Capítulo IX

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Lara dormia tranquilamente na cama, enquanto Vladimir olhava pela janela a neve cair lentamente. Em poucos minutos ele sairia para tomar café da manhã com os filhos, um dos momentos que mais apreciava em seu dia. Porque muitas vezes não conseguia vê-los durante o resto do dia, devido suas diversas ocupações.

No entanto, Vladimir tinha decidido ficar pelo menos duas semanas sem trabalhar tão intensamente, e deixaria o trabalho mais pesado na mão do barão Kuksov — o homem em que mais confiava no seu conselho —, pedindo para ser incomodado somente em caso de extrema urgência.

Ouviu um barulho, virou-se para ver a origem. Era sua esposa acordada colocando seu robe e tinha tropeçado. Ela deu um leve sorriso e foi em sua direção lentamente.

— Sempre fica olhando pela janela. É algum hábito antigo? — depositou um beijo na bochecha do marido.

— Sim, desde criança. — sorriu. — Eu sempre espero alguma surpresa do lado de fora.

— E já viu surpresas? — perguntou curiosa.

— Eu diria que sim. — manteve o sorriso. — Muito agradáveis.

— E viu algo bom hoje?

— Ainda não, mas quem sabe? O dia mal começou.

— Acho que é bastante tarde, Vladimir. — sorriu. — Vou me trocar para a refeição.

Ela saiu em direção a porta que ligava os quartos, como sempre fazia todas as manhãs, caso não estivessem brigados. Vladimir resolveu sentar em sua poltrona de veludo vinho e esperar pela esposa. Apesar das inúmeras discussões com Lara, admirava sua paciência com ele e seus filhos.

Lara era inglesa, irmã do rei Joseph I, foi comprometida a Vladimir por questões de alianças políticas, assim como sua falecida esposa Alexandra. Ela era muito bonita, possuía traços delicados, quase angelical; se não a conhecesse poderia dizer que era. Mesmo que tivesse se convertido para a religião ortodoxa e ser conhecida como Elizabeth por todos na Rússia, preferia ser chamada pelo apelido na intimidade.

Sentiu a mão fria de Lara na sua e a levantou para depositar um beijo.

— Amo quando é carinhoso comigo. — deu um sorriso tímido. — Sinto-me revigorada e feliz.

— Fico feliz por isso também. — ofereceu seu braço. — Estou pronto, vamos?

— Vamos. — cruzou seu braço ao dele.

Eles saíram do quarto em completo silêncio, o que era de costume. Eles nunca conversavam muito, o silêncio não era incômodo quando se instalava entre eles. Os corredores eram extensos, o chão era branco e brilhava de um modo interessante. Os quadros começaram a surgir, e ele sabia que naquele corredor tinha um quadro de Sasha com todos os filhos.

Ele não queria ver Lara incomodada tão cedo, porque estavam em harmonia, não queria que nada estragasse aquilo, mas sabia que não poderia evitar. O palácio estava cheio de quadros com Sasha, sempre encomendava para os pintores registrarem o que mais amava: sua família.

Ela começou a observar os quadros, e parou diante do quadro de Sasha com os filhos rindo. Anastásia ainda era um bebê rechonchudo em seu colo, tentando agarrar uma mecha do cabelo da mãe. Adorava aquele detalhe da obra.

— Ela era muito bonita. O fantasma dela me incomoda, não posso negar. Isso é por causa de vocês. — ficou séria. — Mas ela sempre tem uma expressão feliz no rosto. A vida para ela deveria valer muito a pena. O olhar dela para os filhos é de um amor incondicional.

— Sasha amava as crianças de uma maneira impressionante. Não é muito comum na realeza as mães darem tanta atenção para os filhos, digo isso por experiência própria e por exemplos que pude presenciar.

— Não convivi com minha mãe, raramente a víamos. Meu irmão muito menos, por causa da educação para ser o herdeiro do trono.

— Imagino.

— Será que Irina acabou com as entrevistas? — Lara mudou de assunto de repente.

— Possivelmente sim. — voltaram a andar pelo corredor.

— Pedi para ela nos comunicar, provavelmente deve estar finalizando com os candidatos.

— Irina sempre foi uma ótima governanta.

— Ela me ajudou muito na minha adaptação para a Rússia.

— Aposto que nunca pegou um frio tão rigoroso como o nosso. — Vladimir soltou uma gargalhada.

— Vocês sempre fazem piadas com o inverno daqui. — ela deu um risinho.

— Acho bastante divertido.

— E gostam de beber muita vodca. Bebida bastante forte, em minha opinião.

— A vodca aquece o corpo em tempos como esse. Eu gosto bastante.

— Você é russo, seria estranho se não gostasse.

— Está certíssima. — riu mais uma vez.

Começaram a descer as escadarias, quando Vladimir avistou uma empregada acompanhada de uma garota com roupas de dama de quarto. Quando a menina levantou a cabeça, o czar ficou levemente assustado.

A menina era simplesmente semelhante à sua falecida e tinha traços parecidos com o dele. Lara percebeu a súbita reação do marido, e olhou para a mesma direção em que ele olhava. Quando a empregada os avistou, fez uma reverência e bateu de leve no braço da menina para que ela fizesse o mesmo.

— Vossas Majestades.

— Quem é você? — Lara perguntou.

— Feodora, Vossa Majestade.

— Não me recordo da sua fisionomia.

— Sou empregada apenas de São Petersburgo, Majestade.

— E você? Como se chama? — Vladimir se direcionou para a menina.

— Sou Anastásia Tchecova, dama de quarto da grã-duquesa Natasha, Majestade.

— Anastásia? — Lara arqueou a sobrancelha desconfiada. — Sabia que possui traços bastante bonitos?

— Não, Majestade.

— Seu rosto me lembra alguém. — Vladimir falou em voz alta.

— Acho que ouvi isso algumas vezes. — ela riu. — Oh, perdoe-me! Eu não deveria tratar o senhor com intimidade, Majestade.

— Não há problemas quanto a isso, acontece.

— Acontece? — a czarina virou-se para ele. — Isso não costuma acontecer.

— Preciso mostrar os aposentos de Sua Alteza para Anastásia, Majestade.

— Claro. Natasha é adorável, vão se dar bem. Bem-vinda a Peterhof, Srta. Tchecova.

Elas fizeram uma reverência e saíram imediatamente.

— O que deu em você, Vladimir? — a mulher perguntou furiosa.

— O que eu fiz?

— Estava hipnotizado pela menina.

— A semelhança dela. É absurdamente parecida comigo e Sasha.

— Não quero discutir isso com você. Não agora.

— Vamos descer e tomar nosso café da manhã em paz.

— É isso o que mais desejo, se permitir que isso aconteça. — respondeu com sarcasmo.

Vladimir e Lara voltaram a descer as escadas sem a paz de antes, o clima ruim estava instalado.

O czar não conseguia tirar da cabeça o quão aquela menina com o mesmo nome da sua filha caçula era parecida com eles.

A grã-duquesa perdidaWhere stories live. Discover now