CAP 03 - Lei da Inércia

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— Jess? — Bati com os nós dos dedos à porta do quarto de Jessica, mesmo que estivesse aberta. O quarto dela cheirava a desinfetante.

— A porta tá aberta, Mandy, não precisa bater. — Ela limpava por cima de sua mesa recém-instalada sob a janela com um pano branco e rosa. A cadeira de rodinhas já montada estava um pouco afastada.

— Quando for mais velha, você vai se arrepender de ter falado isso.

— Então parece que eu vou ter que adicionar isso ao caderno de problemas que devo me preocupar depois. — Pegou o frasco de limpa-vidros azul e borrifou mais um pouco do líquido sobre a mesa, limpando a superfície em movimentos aleatórios. — Já terminou de arrumar suas coisas?

— Nem comecei, eu só queria companhia. — Dei de ombros e entrei no quarto.

A mala com as roupas de Jessica estava aberta sobre a cama aconchegada por um edredom simples florido, posicionada junto à parede. Havia um tapete listrado de diversas cores ao centro do quarto e todos os livros e jogos de tabuleiro da minha irmã estavam acumulados em um canto próximo à estante branca, ela adorava jogos de tabuleiro e de estratégia. 

O guardarroupa tinha suas portas abertas, esperando por um abraço que nunca seria recebido. Dentro, ela já havia guardado alguns brinquedos e pendurado alguns vestidos. Perto de Jessica, eu era um troglodita desajustado. Ela tinha 11 anos e era mais organizada do que eu provavelmente jamais seria na vida.

Os únicos resquícios que me lembravam de que Jess ainda era uma criança eram alguns brinquedos e os desenhos feitos nas portas de madeira branca do armário.

— O que você tá achando daqui? — Perguntei, me sentando à cama com o pé esquerdo escondido por baixo do joelho direito, como se tivesse feito algo de terrivelmente errado.

— A casa é velha, feia e fede, mas a rua é bonita. — Ela arrastou a cadeira para mais perto da mesa e tirou sua luminária de borboleta de uma caixa pequena com artigos de papelaria para dispô-la sobre o vidro. Virando-se pra olhar pra mim com olhar cínico, completou: — E eu tenho a melhor vista.

— Eu não tô com uma boa sensação daqui. — Olhei através da janela. A vista do quarto da minha irmã dava para a rua à frente do prédio, como a vista da cozinha, o que não dava para considerar uma visão bonita, mas pelo menos não era uma parede de tijolos vazia.

— Que nem aqueles filmes de terror velho da época de mamãe? — Ela olhou para o além e começou a falar com voz de narrador, gesticulando exageradamente. — A família Pritchett se muda pra um apartamento velho em uma cidade mais ou menos no interior da Inglaterra. Pronta para iniciar sua nova vida, Jessica, a mais nova e mais bonita das irmãs, é acordada pelo som de passos no corredor de madrugada. — Pausou, antes de continuar com uma voz de suspense: — O piso rangia quando ela andou devagarinho pra ver quem... ou o quê... a havia acordado. Quando, de repente... — Pausou novamente e logo em seguida gritou: — VIU SUA IRMÃ MAIS VELHA COMENDO CARNE HUMANA DIRETO DA GELADEIRA!

— Se você vier chorar no meu quarto de madrugada porque teve pesadelo eu vou te dar uma bicuda no estômago. — Apoiei meus braços para trás na cama de solteiro.

— Eu deveria ser roteirista. — Ela se sentou no chão à frente da estante branca e começou a dispor em suas prateleiras seus livros, cadernos, jogos de tabuleiro e outros trecos em alguma ordem não identificável.

— Quer fazer um roteiro pra mim? Não sei o que eu vou fazer na escola nova, como eu devo agir. Faz muito tempo que eu não sou novata.

— Você já assistiu Madagascar? — Ela se virou para me encarar.

A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢Where stories live. Discover now