CAP 24 - Princípio Fundamental da Dinâmica

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Aquela noite foi outra que eu passei sem jantar, fugindo da minha mãe de novo.

Me tranquei no quarto e, na frente do espelho, me achei mais forte do que antes. Fiquei tocando nas pontas do meu cabelo, procurando pelos fantasmas dos meus frios pretos, ainda sem conseguir me conectar com o meu rosto, sem conseguir entender como raios eu arranjei a coragem de achar graça no fato de que Jonathan (Aaron?) tinha cortado meu cabelo pra me atingir mas agora eu apenas me sentia muito mais bonita do que antes, sem saber quando (ou se) eu teria tido coragem de cortar daquele jeito.

Toquei nos arranhões e levantei a camisa pra ver o machucado que estava ali. Era uma bola roxa na lateral do meu corpo. Doía.

Era estranho porque tudo de ruim tinha acontecido hoje, absolutamente tudo (ou quase tudo) que poderia ter dado errado, deu, mas tudo que eu sentia era raiva, agora, eu não conseguia me sentir culpada ou triste da forma que poderiam esperar que eu me sentisse. Tipo, sim, eu gosto de garotas.

Eu gosto de garotas e isso não é problema de ninguém. Eu gosto de garotas e ninguém tem o direito de me fazer sentir mal por isso. Ninguém tem o direito de fazer eu me sentir triste por algo que, na verdade, tinha me feito tocar, abraçar, lamber o sol sem ser queimada, apenas abraçada pelo calor.

Porque eu não me sentia errada. Eu não era nova demais pra ter essa certeza. E eu não sou nova demais pra porra nenhuma. Vão se foder.

Me sentei sobre os meus pés em cima da cama e gritei dentro do travesseiro.

 	Quando eu pisei na escola no dia seguinte, depois que mamãe tinha saído pro trabalho (às vezes ela saía mais cedo), senti um calafrio percorrer minha espinha como uma cobra de várias cabeças, com uma cabeça em cada costela, deslizando com a pele...

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Quando eu pisei na escola no dia seguinte, depois que mamãe tinha saído pro trabalho (às vezes ela saía mais cedo), senti um calafrio percorrer minha espinha como uma cobra de várias cabeças, com uma cabeça em cada costela, deslizando com a pele gelada na minha pele quente, mordendo minha carne com aquelas agulhas que chamam de dentes. Choque térmico.

Quando eu pisei na escola no dia seguinte, assim que atravessei o canteiro e subi pela rampa que tinha do lado do arco da entrada (às vezes eu tinha preguiça de subir pelas escadas), ergui minha cabeça e decidi que nada naquele dia me atingiria.

O vento estranhou quando tocou no meu cabelo curto naquela hora. "Faz cócegas", foi o que ele me contou. Se o vento sente ou não cócegas, é um questionamento irrelevante, eu não me importaria se o vento mentisse pra mim.

Eu andava olhando pra baixo e segurando as alças da mochila com ambas as mãos, mas, pelo canto do olho, conseguia ver as pessoas olhando pra mim e cochichando. "É sapatão, certeza". Eu não conseguia escutar, mas era isso que ecoava na minha cabeça. Era isso que provavelmente tava todo mundo comentando.

Talvez seja pretensioso achar que estavam falando de mim, mas essa era a última coisa que eu pensaria naquela hora.

— Thomas? — Eu vi o garoto branco, de cabelo cacheado castanho claro, parado na frente do meu armário, no corredor à direita do corredor principal da Casa do Anticristo. Ele parecia MUITO empenhado em passar um pano em cima do metal cinza com uma mão e amassar um papel com outra. — O que você tá fazendo no meu armário?

A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢Where stories live. Discover now