CAP 19 - Acústica de banheiro

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Eu sentia a grama reclamar debaixo dos meus tênis com a mesma voz das pessoas da igreja. Olhei pro meu pé e o levantei da grama, observando as mulheres de 40 anos magras e com cheiro de laquê no cabelo falando que nós não temos respeito pelos mais velhos porque literalmente pisamos nelas.

— Tá tudo bem? — Olhei pra Brooke. As luzes estavam um pouco menos fortes agora que não tinha ninguém no tablado.

— Só tô meio tonta. Tá tudo bem. — Meu boné tinha caído no chão logo atrás de mim e eu nem tinha percebido. Brooke o pegou e o colocou como estava, ajeitando meu cabelo.

— Você quer uma água? — Olhei pra dentro da casa, onde deveria estar a água. Não. Muita gente. — Você comeu alguma coisa desde que chegou? Eu pego pra você.

— Não, não precisa. — Continuava olhando pras pessoas se esbarrando lá no escuro dentro da casa. Minhas mãos encontraram conforto uma na outra.

     Brooke era mais alta do que eu, então olhou um pouco pra baixo pra juntar nossos narizes ponta com ponta. Aquele canto do palco, meio escondido por plantas, era um lugar perdido no meio do universo, que abafava os sons e protegia aquele momento, mas agora eu começava a me sentir desprotegida. Eu precisava de mais álcool, não queria deixar aquele estado de dormência.

     Eu parei, novamente, sendo consumida por minhas emoções, meus medos.

     Eu estava cansada daquilo, de não conseguir respirar, de evaporar e morrer aos poucos só porque havia muita gente. Nenhuma daquelas pessoas parecia estar morrendo, mas ali estava eu, suando frio novamente e perdendo o controle dos meus batimentos cardíacos. E o que me restaria depois? Me esconder em casa com um videogame que aos poucos perdia a graça? Fazer colagens que ficavam cada vez piores porque eu perdia a vontade de fazê-las? Saber que dizia que preferia ficar sozinha só porque era o único lugar onde eu me sentia menos vulnerável?

— Certo, você não pode ficar sozinha. Cadê Theo? Vou buscar água pra você, senta aqui. — Eu não conseguia ver muita coisa, tudo à minha frente estava turvo.

     Que merda, que merda. É a segunda vez que eu dou mancada na frente dela. POR QUE EU NÃO POSSO SER A PORRA DE UMA PESSOA NORMAL? SEM PROBLEMAS COM AUTOESTIMA, SEM PROBLEMAS COM PÂNICO E ANSIEDADE, SEM ASSUSTAR UMA GAROTA QUE ESTAVA SENDO MUITO LEGAL COMIGO? POR QUE EU NÃO PODIA VIVER A MERDA DE UMA NOITE CLICHÊ DE FILME ADOLESCENTE? EU QUERIA VIVER ISSO!

— Não precisa, eu tô bem, sério. — Ela olhou ao redor e cutucou alguém.

— Você viu Theo? — A pessoa respondeu em negativa. — Mas que mer- THEO! — Ela gritou, olhando pros lados na ponta dos pés. Sem resposta. — Ah vai tomar n-. Amanda, segura na minha mão e vem comigo. Preciso tirar você daqui.

     Tudo estava girando e eu não sabia quanto daquilo era álcool. Comecei a ficar enjoada. Ela me segurou pela axila de um lado, com meu braço atravessando sobre seus ombros. Vi uma porta de vidro ser aberta e, logo em seguida, pro lado, uma de madeira. Não tinha muita gente entre a porta de vidro e a de madeira. Eu não sabia ser era melhor ser arrastada pra um canto quieto ou ficar ali no meio sem ninguém me tocar. Tudo parecia ruim.

— SAIAM DAQUI, SEUS ANIMAIS! AGORA! VÃO PROCURAR UM QUARTO, CARALHO! — Um dos garotos falou alguma coisa. — E EU COM ISSO, MEU FILHO?

     As duas ou três pessoas que estavam ali saíram correndo.

— Ok, vou abrir a janela aqui um pouco. Desculpa por gritar, é que ninguém tava ouvindo.

     Olhei ao redor, parecíamos estar em um banheiro, mas minha visão estava ficando cada vez mais branca, como se uma seda estivesse aprisionando meus olhos com vendas. Minha cabeça pendeu pra trás, pesada, e meus pulmões se encheram de nós. Sem sentir minhas pernas, tombei pra frente e comecei a chorar.

A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢Where stories live. Discover now