CAP 04 - DIA 1

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O sol estava encoberto por algumas nuvens brancas, lançando grandes sombras acinzentadas pela cidade. O vento corria, frio, e as folhas verdes caídas eram sopradas para longe de suas famílias, varridas pela língua seca da ventania de uma manhã ensolarada o bastante para despertar olhos sonhadores, mas escura o suficiente para nos manter sonolentos pelo resto do dia inteiro. Aqueles tempos marcavam o fim do verão e o início oficial do ano letivo.

Eu havia ido todo o caminho para a escola. Minha mochila rasgada e coberta de rabiscos feitos por mim em momentos de tédio nos anos anteriores (confie em mim, foram muitos) parecia mais pesada do que de costume, eu não me lembrava de ter colocado tanta coisa dentro. No primeiro dia de aula, eu apenas levaria um caderno, alguns livros da escola, um estojo e um livro para ler no horário de almoço, além da minha carteira com uns documentos.

Caso eu morresse e meu corpo precisasse ser identificado, minha carteira estava ali para me garantir pelo menos um enterro com dignidade.

Eu precisava andar com meus documentos sempre.

Na frente da escola, alunos de várias idades se reuniam em grupos, conversando entre si e rindo de qualquer coisa. Conforme eu adentrava o prédio das minhas aulas, eu notei todos os olhares serem arrastados à minha direção, me encarando, acompanhando cada passo. E, de repente, toda a escola se calou. Apenas meus passos eram ouvidos através dos longos corredores apinhados de estudantes em seus armários, ecoando como uma goteira em um cenário que pareceu perder suas cores.

Os olhos pairavam sobre mim enquanto seus corpos congelavam ao toque do ar que corria em temperatura amena. Aquele lugar não era normal, tinha algo de errado. Os corredores pareciam ficar cada vez mais escuros e compridos, me fazendo girar em círculos quanto mais eu caminhava, sem parecer avançar 5 metros sequer.

Nesse momento, meu celular vibrou no bolso do casaco que me abraçava. A foto da minha mãe apareceu na tela brilhante e meus dedos tremiam quando avancei o polegar para deslizar sobre a tela e atender a ligação.

Mas eu não ouvi a minha mãe. Suas palavras pareciam muito distantes e abafadas. Ela parecia repetir, de novo e de novo, a mesma palavra que eu não compreendia. Eu gritei: "Mãe! Onde você está?". Eu não estava entendendo nada.

Foi aí que eu fiquei sozinha. Meu celular desligou e não parecia haver uma alma ao meu redor. Todos já haviam entrado em suas respectivas salas e agora eu estava perdida, a escola estava vazia, fria e escura, os corredores se acumulavam um após o outro como uma brincadeira doentia criada por um deus que não tem mais nada para fazer.

Eu tentei me virar para sair da escola e voltar para casa (afinal, em primeiro lugar, eu não queria ter saído de lá), mas onde antes havia uma porta dupla branca e convidativamente aberta, agora havia apenas mais um corredor infinito. Eu olhei ao redor, tentando encontrar alguma forma de sair dali, mas todos os corredores eram completamente iguais. E, agora, eu escutava passos que não eram meus e pareciam vir de todos os corredores. Eram passos frios, lentos e calculados, mas eu não via a fonte de seu barulho, nem mesmo uma sombra.

Eu me encostei em um dos armários e olhei para todos cantos, com medo, ansiosa. Os passos pareciam vir molhados, arrastando um rio de água ao longo do piso cinza. Em pouco tempo, uma sombra se aproximou de mim pelo corredor da esquerda, andando lentamente. Sua forma parecia envolta em névoa, flutuando sobre o pequeno rio negro do corredor.

A criatura se aproximou cada vez mais enquanto meu corpo estava petrificado junto aos armários. A mochila pesando em minhas costas parecia querer beijar o chão. Aos poucos, consegui distinguir sua forma em meio ao escuro. Era uma figura pequena, de cabelos negros e ondulados na altura dos ombros, corpo esguio, calça jeans, tênis puídos e casaco verde exército. Sua pele tinha cor de cobre, coberta por pequenas manchas.

A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢Where stories live. Discover now