Capítulo 1

60.9K 5.1K 1.4K
                                    

Meu nome é Luna Agnelli.

Minha vida nem sempre foi um mar de rosas, mas aprendi a conviver com isso.

Oh, vamos ao que interessa. Vocês querem uma história...

Vou contar minha história.

Nasci no dia 15 de agosto em Santa Teresa, uma pequena cidade do Espírito Santo. Morei lá até meus dezesseis anos, quando meu pai sofreu um acidente e morreu a caminho do hospital.

Então eu e... bem, eu e a mulher que foi registrada como minha mãe, por algum motivo, nos mudamos para Colatina.

Esperávamos encontrar algum tipo de conforto aqui, e de certa forma, ela conseguiu. Eu não. Não imediatamente.

Ela me matriculou em uma escola pública, e o fato de eu ser isolada me ajudou a ter boas notas, mas nem sempre foi assim.

Eu era o tipo de garota popular em Santa Teresa. Tinha amigos que eram irmãos e amigos que eram falsos. Eu fazia amizades muito rápido; era fácil se comunicar comigo. Em compensação, tirava notas péssimas por falar demais em sala de aula. Só conseguia passar de ano na recuperação final.

Sim, eu era muito divertida até o acidente. Então tudo mudou.

Eu parei de conversar com as pessoas. Tinha medo de me apegar e depois perder alguém que se tornou importante pra mim. Medo que acontecesse de novo... que eu sentisse aquilo outra vez.

Quem já passou por isso sabe do que estou falando. Sabe que não existe dor pior.

Esse medo quase me fez entrar em depressão.

Então aconteceu algo inédito, que eu jamais imaginei ser possível. Minha mãe, pela primeira vez na vida, pareceu se importar comigo e me convenceu a visitar uma psicóloga antes de começar a frequentar a escola.

O nome dela é Bruna. É uma boa ouvinte e conselheira. Foi, provavelmente, a primeira pessoa com quem tive uma conversa de verdade depois de perder meu pai.

No primeiro dia da minha consulta, ela abriu a porta com um sorriso. Isso inexplicavelmente me fez ficar constrangida, mas eu não desviei o olhar dela.

Bruna estava vestindo uma blusa social preta e saia lápis. Seu cabelo era cortado na altura dos ombros e estava solto, com os fios loiros caídos sobre a orelha. Seus olhos castanhos mel me observavam intensamente, sem perder qualquer movimento meu.

- Oi! Você deve ser a Luna. - Ela apertou minha mão e me deu espaço para entrar. - É um prazer conhecer você. Fique á vontade.

Eu entrei, e depois de dar uma rápida olhada na sala, me sentei na única poltrona que havia. Ela se sentou em uma cadeira, de frente pra mim.

- Eu fiquei sabendo que você perdeu seu pai recentemente...

Eu a olhei. Era assim que ela pretendia puxar assunto comigo? Na boa... decididamente estava indo pelo caminho errado.

- Eu sinto muito.

Continuei em silêncio. O que ela queria que eu dissesse? Que eu também sentia? Ah... isso era tão óbvio.

- Bem, por que você não me conta sobre ele?

Desviei o olhar. É... talvez eu precisasse mesmo desabafar com alguém.

- Ele era incrível. - Foi a primeira coisa que eu disse desde que a vi. - Gostava de brincar comigo... Ele sempre me fazia rir. E me dava conselhos.

- Ele parecia ser um bom pai. - Bruna disse me olhando.

- Ele era maravilhoso. - Eu sorri triste. - Parecia ser a única pessoa que me entendia. Nunca me bateu nem brigou comigo. Ele me amava.

- Mas não era só ele. Olha, sua mãe ainda está aqui e te ama, eu tenho certeza disso.

- Eu não. Ela começou a me tratar diferente depois que ele morreu, mas antes... eu era apenas um fardo pra ela, que ela tinha que carregar por obrigação.

- Luna, você sabe que isso não é verdade.

- É verdade sim. Todos os dias ela encontrava um motivo pra me bater e sempre queria se ver longe de mim! Quando meu pai chegava do trabalho ela só contava a ele o que eu tinha feito de errado. Nunca me elogiou nem disse que me amava. Agora não adiante me dizer que estou errada. Ela não me ama. Nunca me amou. Isso é tão claro quanto a luz do dia.

- Você só tem dezesseis anos, Luna. Ainda não conhece o amor.

- Ah, por favor... eu conheço a minha mãe. E tenho certeza que eu amava o meu pai. Ela não sente por mim o que eu sentia por ele. Por favor, não tente me convencer de que estou errada.

Bruna colocou uma mercha do cabelo atrás da orelha e não disse nada por um momento. Eu queria saber o que ela estava pensando...

- Talvez devêssemos mudar de assunto. Me conte como você era na sua antiga cidade.

Ah, então era isso. Eu acabara de deixar minha psicóloga sem palavras e a única saída que ela encontrou foi mudar de assunto. Tudo bem... vamos lá.

Enquanto eu a contava como era engraçada e divertida em Santa Teresa, me assustei ao perceber o quanto as coisas haviam mudado em apenas 6 semanas.

Eu tinha um pai, senso de humor e amigos. Agora... tinha a impressão de que estava sozinha no interior de uma bolha que jamais estouraria.

O incrível foi que em nenhum momento eu chorei.

- Eu estava dormindo, então minha mãe me acordou. No momento, achei que ela estava ali para me bater, mas ela disse que meu pai não voltaria mais... porque ele estava morto.

Meu coração acelerou enquanto eu dizia as últimas palavras, mas eu lutei para manter minha voz firme e as lágrimas escondidas.

Não. Eu não iria chorar.

- Eu não imagino o quanto você deve ter ficado triste... - Bruna disse.

- Não, eu não fiquei triste. Fiquei com raiva.

- Raiva? De quem? - Ela franziu a testa.

- De tudo e todo mundo, mas especialmente dele. Ele não devia ter me deixado aqui. Não podia ter me abandonado.

- Luna, não foi culpa dele. Ele jamais faria isso de propósito.

Eu não respondi. Talvez a raiva era melhor que a tristeza. Talvez fosse melhor que eu me sentisse assim.

- Acho que é melhor a gente parar por enquanto. Volte sexta-feira que vem. Até lá, pense nisso. Nem seu pai nem ninguém teve culpa do que aconteceu.

Eu suspirei. Pensei em dizer que não voltaria sexta-feira. Eu não precisava disso. Mas sabia que estava enganada. Eu queria voltar.

Levantei da poltrona e caminhei até a saída.

- Luna. - Bruna me chamou assim que eu abri a porta. Eu me virei para ela de novo. - Soube que você vai recomeçar a estudar essa semana.

Eu não respondi. Ela sorriu.

- Boa sorte.

- Obrigada. - Forcei um sorriso, me virei e fechei a porta ao sair.

Apostas do destinoWhere stories live. Discover now