Capítulo 3

955 58 178
                                    

1.

As luzes coloridas dos fresnéis presos nos trilhos chumbados no teto  do Hello There se acenderam. Aproveitei para pegar um copo d'agua que estava estrategicamente posicionado próximo a bateria de Sasha. Olhei para ele e assim como eu, também já suava em bicas. Joguei um copo para ele e "delicadamente" ele meteu o dedo indicador na tampa de alumínio, bebeu um pouco e jogou o resto no rosto. Em seguida balançou a cabeça de um lado para o outro feito um cachorro molhado.

O show tinha o seu ritmo e a palavra chave era entreter a plateia fazendo com que ela participasse do show ativamente e não apenas como espectadora. Por isso, carregávamos uma parafernália conosco para deixar o show mais interativo.

Na maior parte do tempo eu mais cantava do que falava, eu não era um showman e não sabia o que falar para interagir com a plateia, exceto no Somnium é claro. Tinha receio de me perder e acabar falando mais merda do que algo útil ou pelo menos engraçado.

Me virei para a plateia procurando rostos conhecidos, mas a casa estava tão cheia que fazer isso me lembrava dos velhos livros de Martin Handford, onde caçava o personagem Wally no meio de ilustrações.

— Boa noite, Hello There! Boa noite, São Paulo! — A voz de Kai soou amplificada pelas potentes caixas de som suspensas, presas ao teto por cabos de aço, de ambos os lados do palco.  — Nós somos a banda Labeless!

Aplausos. Gritos. Assovios.

No Hello There, ou seja, no mundo real, os meninos chamavam a banda de Labeless. Que significa "sem rótulo" em Inglês. No Somnium e no espetáculo que acontecia em uma realidade paralela, dentro da minha mente, as meninas chamavam a banda de "Sem Cuecas". No mundo real elas eram meninos que nasceram no corpo de meninas. No Somnium elas eram só meninas porque somente em um mundo imaginário não há divergências do que você considera ser o certo. Só no mundo que você inventa você consegue ter o controle do que os outros devem ou não ser ou fazer.

— Essa noite.. — Kai continuou — ...trouxemos muita coisa boa para compartilhar com vocês.

Mais aplausos. Mais gritos. Mais assovios.

Dani e Érica acenavam, batiam palmas e sopravam beijos para mim como se estivessem diante do David Bowie. Pisquei para elas e dei um joinha.

— Semana passada nós estávamos no Rio de Janeiro, nos apresentando numa casa de rock ali no Botafogo.

Vaias. O pessoal de um estado sempre vaia quando citávamos outro estado. Entre Rio e São Paulo então, nem se fala, sempre houve essa famosa rivalidade.

— O show foi maravilhoso! Mas sabe no que a gente pensava depois do show? A gente não via a hora de voltar para São Paulo e tocar aqui na rua Augusta, aqui no Hello There, tocar uma bem gostosa para cada um de vocês!

— Você diz, tocar música, Kai? — Adriel perguntou em um dos microfones fazendo um gesto obsceno com a mão como se tocasse uma punheta.

— Sim! Músicas bem gostosas, bem dançantes! Coisas novas e muitos clássicos.

— Que pena. — Adriel falou, piscando para uma menina na plateia.

Risos e "aah" foram ouvidos.

— São Paulo, o negócio é o seguinte. A casa está cheia. E eu quero saber, quem está com calor aqui?

Várias pessoas levantaram as mãos, inclusive Érica e Dani. Enquanto Kai conversava com a plateia, era a deixa para arrumarmos o palco. Eu fui até a nossa caixa de entretenimento e peguei dois baldes laranjas e deixei em frente ao bumbo da bateria. Sasha também foi até a caixa e pegou duas garrafas de quinhentos ml de água e entregou uma para Adriel e a outra para Alisson. Nesse meio tempo, Rael subiu ao palco e colocou atrás de Kai uma cadeira e um arco de metal com um suporte acima e uma corrente ao lado.

100 Cuecas!Where stories live. Discover now