Capítulo 17

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1.

Ventos gelados agitavam as folhagens das árvores e arbustos do Parque Central de Santo André. O céu estava embebido em chumbo. Era um daqueles dias para ficar de moletom sentado no sofá o dia todo assistindo televisão e comendo chocolate.

Entrei no parque subindo o zíper da minha jaqueta e cobrindo a minha cabeça com o capuz. Esfreguei uma mão na outra para espantar o frio. Fazia tempo, que eu não voltava aquele lugar. Lembrei do dia em que eu e Paulo, sentados a beira do lago, conversávamos sobre a viagem que ele tinha feito com a Tati para a casa de praia. Ele dizia que tinha sido uma merda porque ela reclamava demais. Fomos ao parque em busca de privacidade. Tínhamos acabado de sair do Shopping ABC, ele tinha me presenteado com um celular novo em folha para que eu pudesse falar com ele exclusivamente. Naquele tempo eu estava confuso com relação a minha orientação sexual e buscava respostas nos repreensíveis momentos que passava junto com o Paulo, disputando sua atenção e ignorando os sentimentos de quem gostava de mim de verdade. E agora novamente eu estava naquele parque em busca de respostas.

Eu tinha levantado cedo e dito a minha mãe que ia dar uma volta. Ela tinha voltado a fazer os bolos dela junto com a vizinha, mas de uma em uma hora aparecia em casa com desculpas que tinha esquecido alguma coisa, mas na verdade ela estava atrás de mim. Eu sabia que ela queria se certificar que eu estava bem. A maior preocupação dela eram as janelas. Ela chegou a cogitar a possibilidade de colocar redes em todas elas. Cansado de argumentar, passei a ignorar. Se quisesse revestir o prédio inteiro com rede, por mim tudo bem. Eu nunca ia conseguir mudar ou fugir do meu passado, mas eu podia tentar ignorá-lo.

A única coisa que eu não conseguia ignorar era o meu término com o Roger. Eu precisava de respostas. Eu não conseguia aceitar o fato de Roger ter aparecido na minha casa, me levado para o hospital e ter simplesmente desaparecido. Ele vinha me ignorando completamente. Era como se ele tivesse morrido. Estava completamente incomunicável. Mas havia alguém que tinha as respostas para as minhas dúvidas e se essa pessoa não as tivesse ela me daria o local exato de onde eu poderia obtê-las.

Melissa corria pela pista de atletismo do parque vestindo tênis de corrida, calça preta de compressão e uma jaqueta de poliamida, corta vento, cor de rosa. Os longos cabelos cobreados estavam bem presos na nuca em um rabo de cavalo que balançava de um lado para o outro conforme o movimento de seu corpo.

Ergui a mão e abri o meu sorriso "pois é". Melissa desacelerou. Não trocamos beijos de cumprimentos. Ela apenas parou na minha frente e perguntou ofegante, limpando o suor do rosto com as palmas das mãos:

- Tudo bem, Fábio?

- Te atrapalhei? - Falei guardando minhas mãos nos bolsos da minha jaqueta para esquentarem. - Eu posso esperar você acabar sua corrida, sem problemas.

Ela parou o cronômetro do seu relógio de pulso e fez alongamentos com as pernas dizendo:

- Eu já terminei. O céu está preto, acho que vai chover. Além disso, depois que eu sair daqui fiquei de passar em uma clínica para pegar os resultados de uns exames que a minha mãe fez.

Ela começou a caminhar e eu a acompanhei. Contornaríamos o lago e seguiríamos pelo portão principal do parque.

- Nem lembro a última vez que vim nesse parque. - Menti.

Olhei para o lago ao nosso lado e a voz do Paulo ribombou na minha memória dizendo:

"- Ce beija bem pa porra, Cabeção."

" - Ce também beija gostoso. - Falei pra ele."

- Eu sempre venho aqui correr. Eu gosto de começar o dia fazendo exercícios. É como se fosse um treinamento diário para enfrentar situações e pessoas desagradáveis que cruzarão inevitavelmente o meu caminho durante o dia.

100 Cuecas!Where stories live. Discover now