Capítulo 4

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1.

O vento da madrugada ainda trazia o cheiro da maresia que tinha ficado para trás. Conforme subíamos a serra que serpenteava as montanhas do litoral até a metrópole, o clima abafadiço da praia foi cedendo lugar ao frescor das montanhas.

Embora gostasse muito do calor da praia, era inegável a minha preferência pelo frio da serra. Sonhava em morar em algum lugar que nevasse. Embora todos dissessem que eu não fazia ideia do que estava falando. Mesmo assim, eu nutria esse desejo.

Dois fachos de luz iluminavam o trecho a frente, o som do motor do carro e do atrito dos pneus no asfalto mesclavam com a sinfonia musicalizada dos bichos das montanhas. Érica e Dani dormiam abraçadas no banco traseiro do Lincoln Premiere. Roger seguia ao meu lado com os cabelos tremulando ao vento e com o braço direito para fora do carro, com a mão em forma de garra tirando um braço de ferro contra a pressão do vento. Eu dirigia o carro e confesso que lutava em prestar atenção na estrada quando na verdade meu cérebro teimava em me distrair projetando em meu subconsciente o momento em que Roger aceitou o meu pedido de namoro.

Quando foi que imaginei que eu ia oficializar um namoro, com aliança e tudo com outro cueca? Nunca! Isso me excitava e me amedrontava ao mesmo tempo. Um namoro sério! Um compromisso! As vezes me pegava sorrindo e disfarçava. A aliança brilhava no meu dedo anelar direito. Chamava a minha atenção a todo momento por não estar acostumado com nada ali até então. E foi em um desses momentos de contentamento que Roger me olhou e lá estava eu namorando o objeto prateado com um sorriso bobo no rosto.

— Eu também estou feliz. — Ele disse afagando meus cabelos com a mão esquerda e paquerando sua aliança também. Eu olhei para a mão dele e na hora fiquei excitado imaginando o que eu podia fazer com aquela mão, presumindo o que ele estava afim de fazer com ela também.

A mão esquerda dele foi parar no meu colo. Ao sentir seu toque meu corpo ficou hirsuto. A ideia do que podíamos fazer se as meninas não estivessem no banco de trás circulou pelos meus pensamentos. Desviei minha atenção para a aliança. Ela chamava minha atenção. Não conseguia parar de admirá-la.

— Eu estou namorando! — Pensei em voz alta para que eu mesmo acreditasse naquilo. — Com aliança e tudo!

Nós estamos namorando. — Roger emendou.

Levantei a mão diante do meu rosto e falei com os olhos vidrados no objeto largo e prateado:

— Ela é linda.

Elas são lindas. — Roger completou. — São nossas. E você é meu. Só meu.

Silêncio.

Olhei rapidamente para Roger e ele, calado, me fitava com um olhar perscrutador. Sorri. Ele retribuiu e trocamos um beijo rapidamente.

Acelerei e o carro correspondeu. Estávamos indo rápido. Algo me dizia que alguma coisa podia dar errado. Olhei para Roger mais uma vez. As luzes do túnel a frente estavam apagadas. Mesmo rápido, adentrei a escuridão a espera de um sinal de como lidar com as situações dali para frente.

Tudo estava... bem?

Comecei a lembrar dos três encontros que tive com Roger desde o dia da Parada Gay.

2.

Primeiro encontro...

São Paulo. Céu nublado. Prédios altos. Avenida Paulista. Milhões de pessoas aglomeradas. Rostos pintados. Pessoas fantasiadas. Bandeiras de Protestos. Bexigas multicoloridas. Política. Carnaval fora de época. Arco-íris. Cachaça. Som alto. Trios elétricos.

100 Cuecas!Where stories live. Discover now