Capítulo 11

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1.

Noite. Estrada. Carro. Motel. Suíte. Roupas. Chão. Cama. Teto. Espelho. Som. Chuveiro.

Decidimos parar em São José dos Campos. De Pinda a São José foram 60 km percorridos. Ainda faltavam mais de 85 km até chegar em São Paulo e uns 26 até Santo André, ou seja, faltava muito para chegar. Eu não ia aguentar esperar para saber o que o Roger queria me dar. Quando falei para pararmos em um motel nas imediações de São José dos Campos não houve objeção, o que reforçou a ideia de que talvez naquela noite eu despetalaria as pregas do botão do meu namorado finalmente.

No mês da Pica do Doce, há pouco mais de dois meses atrás, eu fui muito a moteis. Não fazia nem quatro que eu tinha assumido minha homossexualidade para mim mesmo. Ser um cueca-gay, era como se as comportas de um reservatório inesgotável de desejo sexual tivessem sido abertas e todo o gozo inerente aquela vontade de semear uns cus precisasse acontecer com urgência. Lucas foi o primeiro de vários caras que eu peguei. Não consigo lembrar dos nomes e nem dos rostos de alguns porque na maioria das vezes ia para o motel depois da balada, isso significa que eu já estava um pouco alcoolizado.

Frequentar moteis é uma necessidade quando não se tem local para o abate. Dizer que eu era fã de deitar em camas onde eu nem sabia se os lençóis haviam sido trocados seria um exagero, mas quem não tem cão, tem que caçar com gato. Portanto, tirava muito proveito do período de quatro horas que eu sempre utilizava.

Uma das coisas que eu não gostava em motéis, além da constante dúvida acerca da assepsia das suítes, era a decoração. Porque simplesmente não decorar um quarto de maneira simples para que você se sinta em casa? Não precisa contratar nenhum Philippe Starck para projetar cada suíte, mas falta tanto bom gosto e criatividade em alguns lugares que os donos de motéis começam a apelar. Principalmente quando decidem cobrir paredes com fotos em preto e branco de mulheres usando lingerie e comendo um morango coberto de chantilly ou então colando adesivos com frases de impacto. Qualé, eu vim pra trepar, porra! — Eu sempre pensava.

Nesse motel em que ficamos o diferencial da suíte era a cama redonda giratória debaixo de um teto espelhado. Mas não era simplesmente um espelho chanfrado, eram três espelhos unidos nas pontas formando uma pirâmide triangular invertida.

Abri os braços e quase consegui alcançar as bordas do colchão. Era uma cama larga com lençóis brancos. Ainda com os braços abertos, coloquei uma perna sobre a outra e uni os pés um sobre o outro. Inclinei a cabeça levemente para o lado e olhei para o espelhos no teto de rabo de olho. Pressionei um botão na base onde ficava o colchão e a cama começou a girar lenta e silenciosamente em sentido anti horário.

Roger estava no banho. A tv estava ligada em um desses canais de música de programação a cabo. Eu tinha selecionado uma playlist de músicas clássicas. Ajudava a relaxar e me fazia lembrar da vez que eu trepei com o professor Marcelo ao som de Pachelbel. Agora estava tocando a inesquecível Waltz of the Flowers de Tchaikovsky.

A cama girava e eu observava o reflexo de cada espelho. O primeiro mostrava o reflexo de um jovem rapaz de vinte e poucos anos, completamente nu na posição do Salvador do cristianismo. Estava deitado sobre um círculo branco e fundo preto. Tão preto quanto algo que crescia lentamente dentro dele. Ninguém percebia, mas seu olhar já denotava. Talvez nem ele ali naquele momento soubesse ao certo o que havia de estranho, mas ele descobriria em breve. A cama continuou seu giro lento e no segundo espelho havia um Fábio no centro de um palco escuro do que parecia ser um teatro antigo e luxuoso. Sobre o palco, cem bailarinos cobertos de preto deixavam somente os braços a mostra e dançavam balé junto com o meu clone, totalmente nu, preso dentro daquela escuridão repleta de membros ameaçadores. Seis pares de braços surgiam atrás dele, mimetizando seus movimentos como se fossem rastros, fazendo parecer que ele tinha vários braços como a deusa Shiva. A cama avançou em seu movimento silencioso e no terceiro espelho vi uma versão minha deitada sobre um mar de braços, completamente nu. Os cinquenta pares de braços eram como se fossem tentáculos com dedos nas pontas. Eles passeavam sobre meu corpo, meus cabelos e minhas vergonhas. Os olhos daquele Fábio estavam fixos nos meus e por um momento efêmero pudemos desfrutar o mesmo sentimento e quisemos trocar de lugar. Mas era impossível.

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