Capítulo 9

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1.

Depois que a nossa versão da música On the floor de JLo terminou, a galera continuou cantando a capela. Estavam todos agitados e enlouquecidos mesmo após quase duas horas de show.

Durante todo o tempo que passei com a banda Labeless o público sempre foi receptivo não só com a banda, mas principalmente comigo também. Eu não era o vocalista oficial e nem tinha a intenção de fazer parte da banda. Mas o fato era que com a saída de Thomas, mais conhecido como Tom, houve uma ruptura na formação original. E isso para o restante da banda era visualmente ruim porque Tom fazia o papel da figura que chamava atenção pela vestimenta e pela presença de palco. Ele que interagia entre as músicas com o público.

Eu estava longe de ser o frontman que ele era, mas o sonho dos caras era ir longe com ou sem a presença de Tom. Ele acreditou piamente que tudo acabaria quando saiu da Labeless. Entretanto, os shows continuaram agendados e os caras perseveraram.

Kai foi quem percebeu que o atrativo da banda não era Tom com o seu timbre tenor lírico-spinto e nem seu jeito espalhafatoso de performar e sim o fato da banda ser composta por "homens-trans". A maior parte do público da banda eram gays e lésbicas que curtiam a versão rock and roll das músicas pop internacionais. Fora isso, a interatividade com o público durante a apresentação fazia tudo parecer um grande circo. Para alguns um grande circo de horrores feito aquele criado por Phineas Taylor Barnum na Nova Iorque de 1840.

You're in the psycho circus

I say welcome to the show, baby

Uma banda de sucesso precisa chamar a atenção. Porém, diante de tudo o que já existia o que mais podia ser feito para ter destaque? Pintar a cara e usar uniformes já tinha sido feito. O jeito era trabalhar na autenticidade. O que é mais autêntico do que um bando de pessoas nascidas biologicamente mulheres que decidem dar a cara a tapa e invadir o mercado predominantemente masculino que é o rock and roll? E o que é melhor, sendo elas mesmas, ou seja, sem rótulos. Labeless.

Geralmente, quando uma banda é contratada por uma gravadora, a mesma coloca um fonoaudiólogo à disposição do cantor, para alavancar o desempenho vocal, e dar possibilidade dele evoluir gradativamente. No caso de Tom, a evolução era nítida, muito embora ele não desse a devida importância às consultas médicas e exagerasse consideravelmente ao vivo, gritando a plenos pulmões sem suporte técnico para isto.

Embora ainda possuísse algumas dificuldades nas regiões dos graves, isso podia ser trabalhado com os outros integrantes da banda. Tom se sobressaia com os seus agudos imponentes e de difícil reprodução.

Apesar de Tom conhecer exercícios que fortaleciam a musculatura de suas cordas vocais, exagerava muito ao vivo. Gritava até quando não precisava, e pagaria um preço caro por isto no futuro todos lhe diziam, principalmente Kai. Da forma como cantava, era absolutamente natural pensar que um dia a sua voz iria apresentaria problemas. Tom abusava exageradamente dos falsetes. Sem conhecimento prévio para isto. Além disso, ele cantava por intermédio da garganta, e não do palato mole, o que para alguns especialistas é um verdadeiro suicídio para qualquer cantor.

O que indiscutivelmente acabou culminando com a saída de Tom da banda foi a sua personalidade difícil e planos divergentes. Pelo menos foi isso que fora divulgado na época. A realidade foi outra. Nos últimos tempos ele se apresentava bêbado e tinha um temperamento explosivo, chegava a ser violento algumas vezes, principalmente com Kai. Além disso, por conta do seu jeito performático que os fãs adoravam e do seu timbre invejável, achava que a banda girava em torno dele. Embora a ideia inicial de inclusão e a intenção de conquistar espaço no mercado sendo uma banda excêntrica formada por transexuais fosse boa, com o passar do tempo o ego de Tom mais atrapalhava do que colaborava com o crescimento da Labeless. E o que antes motivava a inclusão transformou-se em exclusão.

100 Cuecas!Where stories live. Discover now