Capítulo 22

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1.

Delegacia de Polícia. Tempo. Formulário. Consulado. Tempo. Dinheiro. Burocracia. Mais tempo.

A pior coisa que pode acontecer é você ficar sem o seu passaporte em outro país. Para obter outro eu tive que procurar uma delegacia e fazer um police report que é um boletim de ocorrência. Tive que preencher formulários, em seguida tive que ir no consulado brasileiro e preencher mais formulários e aguardar, aguardar, aguardar e depois de dez dias eu estava com um novo passaporte em mãos e menos US$ 160,00 no bolso. Eu nunca contei aos meus pais que me roubaram o passaporte. É meio óbvio dizer isso, mas o passaporte que me foi entregue posteriormente veio sem os vistos que o anterior tinha. E uma viagem ao Brasil me impossibilitaria de voltar aos EUA rapidamente. Eu teria que fazer todo o processo para tirar o visto novamente e isso levaria mais tempo e mais dinheiro. E como há sempre a imprevisibilidade de conseguir ou não renovar o visto, preferi não arriscar. Eis um dos motivos pelos quais eu não voltei ao Brasil durante esses sete anos. O único visto que eu tirei muito tempo depois foi o canadense quando eu e Dani marcamos de nos encontrar com o Daniel em Toronto, como inicialmente havia planos de ficarmos no Canadá alguns dias, o visto foi propício para que pudéssemos sair do aeroporto.

Eu deixei minha casa, meu trabalho, a mordomia que os meus pais me ofereciam e parti para um destino desconhecido. Fui parar em um lugar onde eu não tinha obrigações em casa, exceto colaborar para o bom convívio debaixo do mesmo teto que a Dani. Reciprocidade. Éramos um casal. Talvez o fato de não transarmos ajudava no convívio no início. Convenhamos, transou fodeu. O sexo é benéfico, mas tem seu preço. Melhor morar com alguém que você sabe que não há a menor possibilidade de você se apaixonar.

Eu não sentia mais aquele peso que eu tinha nos ombros quando eu morava no Brasil. O meu namoro com o Roger, a separação dos meus pais e o estresse do meu emprego como teleoperador foram as gotas que faltavam para transbordar o balde que já vinha enchendo desde aquele beijo roubado pelo Paulo dentro daquela balada GLS. Mas tudo isso já era passado.

Minha vida tinha melhorado, eu tentava ver as coisas por esse prisma. Eu era "quase" independente e estava morando fora do país, quer dizer, eu não só estava morando fora do país, como estava morando em Nova Iorque! Estava convencido de que não havia lugar no mundo como Nova Iorque. A cidade fervia de cultura pop, moda e extravagância. Estava na vanguarda do desenvolvimento humano. Eu estava em um lugar legal. Só me faltava um emprego para que eu pudesse ficar mais sossegado, mais independente.

Deixei a cidade de São Paulo, deixei a poluição governamental e a multidão retrógrada e ignorante brasileira para morar em um país de primeiro mundo. Porém, o brasileiro pode sair do Brasil, mas o Brasil não sai do brasileiro. E o mundo estava infestado de brasileiros, logo, o jeitinho brasileiro - querendo ou não - estava espalhado pelo mundo. Eu sentia muita falta do Brasil. Com o tempo eu não me sentia mais tão sozinho como no início, o medo do novo se dissipou e comecei a perceber que era até melhor estar sozinho do que cercado de familiares que querem controlar suas atitudes com a desculpa de saberem o que é melhor para você.

Entretanto, o arroz e feijão...ah...como faziam falta. Eu sentia falta de coisas simples como comer pastel na feira e tomar caldo de cana, sentia falta da nossa coca-cola. A coca-cola nos Estados Unidos tem gosto de milho, é horrível. Não foi tão difícil me adaptar aos hábitos alimentares dos americanos porque eu já comia muita besteira no Brasil. Eu sentia falta de almoçar bem, isso sim. Ao contrário do café da manhã, que normalmente inclui panquecas, bacon e ovos mexidos ou fritos, o almoço dos estadunidenses costuma ser mais "leve", preferem, muitas vezes, almoçar um lanche apenas. É no jantar que se pode comer um prato de comida, normalmente. E comida para eles é carne, salada e batata (purê, frita ou assada). Arroz quando eles consomem é sem sal e sem óleo, parece arroz japonês. E eu sentia muita saudade do pão francês também. Lá não tem. Quando você encontra um lugar que vende coisas brasileiras, normalmente é caro por ser uma iguaria. E como morar naquela cidade me obrigava a pagar caro, eu preferia economizar comendo junk food, eu comia no One Dollar Pizza ou com $3,99 passava no McDonald's e pegava um combo com um Big Mac, refrigerante e batata frita. Porém, como tudo é grande e cheio de óleo, engordar não foi nenhuma novidade.

100 Cuecas!Where stories live. Discover now