A Quinta Carta

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Campos Verde, fevereiro de 2019

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Campos Verde, fevereiro de 2019

Querido, Moabe,

Meus pais estão voltando!

Atualmente eles estão na Angola, mas já estabeleceram a igreja lá e foram chamados de volta, o novo presidente da igreja os quer aqui para reciclagem. Todos que estão no exterior a mais de cinco anos foram chamados de volta e adivinha só onde eles irão ficar o tempo que permanecerem no Brasil? Isso mesmo, aqui no sítio, estou apavorada!

Porque com dona Joana e seo Jeremias eu simplesmente digo que não vou a igreja e eles são obrigados a aceitar, porque mesmo os respeitando e amando, eles não são nada meus, apenas amigos de longa data. Já meus pais ficaram no meu pé a esse respeito e vão questionar a todo mundo minha escolha de estar longe.

Minha escolha.

Sem dizer que significa que aqui dentro terá a todo momento pessoas da igreja, pessoas que querem ser igreja e pessoas buscando ajuda; e a maioria me conhece e farão a mesma pergunta com que Mimi sempre termina suas cartas, quando você vai a igreja, Laura? E eu serei obrigada a dar a mesma resposta, não sei.

Eu queria que fosse simplesmente uma questão de ir a igreja, Moabe, mas, infelizmente não é. O que torna tudo um ciclo de dor, é como viver em uma espiral infinita, repetindo os mesmos erros e não faço a menor ideia de como sair dela mesmo sabendo dos meus erros. 

E dentro desse espiral me sinto vazia. Oca.

Por isso escolhi o sítio, aqui as coisas são mais fáceis, já que não fico vendo a cada segundo coisas que me lembram de tudo e meus avós tem a sensibilidade de não perguntarem nada que eu não queira falar, sem dizer que eles me deixam bem ocupada, pois a partir do instante que escolhi vir para o sítio faço parte dos responsáveis em mantê-lo, isso significa trabalhar na horta, no galinheiro, ajudar com os afazeres domésticos (que eu particularmente estou sempre fugindo) e trabalhar na feira das seis da manhã ao meio dia de sexta a domingo. Sim, eles - atualmente nós - são feirantes, acham um desperdício não venderem tudo o que produzem, uma vez que não dão conta de consumir, por isso  a venda de legumes, ovos e geleias na feira da cidade e eu fui recrutada. Como semana passada não estava muito bem hoje foi meu primeiro dia,
não tive como fugir e contrariando o que eu imaginava foi legal e me deixou bem cansada! Completamente exausta para ser sincera, porém, eu descobri que a exaustão é boa quando queremos esconder coisas de nós mesmos, uma vez que ela desvia nosso foco para o cansaço físico e nos faz desejar apenas uma cama e nada mais. Uma pena que não foi o que fiz a tarde, ajudei a debulhar feijão andu e aprendi a fazê-lo, ficou ótimo, você gosta de andu? E essas comidas mais caipiras, sabe? Eu amo e não troco meu prato de arroz com feijão por nada no mundo. Talvez por picolé.

Você percebeu que eu troquei de caneta na última frase? Parei de escrever na metade, tinha ido ajudar a recolher a roupa do varal porque começou uma chuva de verão, essas que acontecem do nada, ensopam a terra (e nós) e passam tão rápido quanto chegam. E ainda teve tempo de "alagar" o corredor do segundo andar, a janela ficou aberta quando desci correndo para recolher a roupa junto com meu avô. Quando voltei - depois de um banho e estar confortavelmente vestida com meu pijama - não encontrei em canto algum a bendita caneta, Mozart estava aqui dentro (ele sempre foge pro meu quarto quando pode) e estou com medo de que ele a tenha comido, porque estava em cima da cama quando sai e não encontrei em canto nenhum; Mozart não estava sujo de tinta e não tinha pedaços de plástico pelo quarto, mas ainda assim estou com medo porque o medo é irracional, espero que seja só paranóia.

Acabei de ouvir o sino. Isso significa que a janta está pronta. Dona Joana toca um sino avisando quando a comida está pronta, acho isso bem legal e se tivesse um celular já teria postado uma foto dele no meu Instagram, primeiro porque é bonitinho e segundo porque eu sinto falta do Insta, é minha rede social preferida, mas não é a mesma coisa mexer pelo notebook, pelo notebook eu nem gosto dele, só me irrito. Mas não quero um celular, estou muito bem assim... E termino por aqui essa carta, dona Joana odeia que eu me atrase para as refeições.


Com amor,

Laura.

[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusOnde as histórias ganham vida. Descobre agora