A Vigésima Nona Carta

14 5 14
                                    

Campos Verde, junho de 2019

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Campos Verde, junho de 2019.

Moabe.

Primeiro: eu estou orando para o Senhor tirar o ódio do meu coração. 

Estou neste momento odiando profundamente Filemon Rodrigues, ele disse que precisava falar comigo há três dias, mas afirmou não ter horário livre, sugeriu um jantar ontem numa cantina italiana, falei que como eu teria que pegar estrada, poderia ser as dezenove e meia, ele concordou. Eu fui de vestido longo, que dá um pouco de elegância, mas nada chique porque era de algodão e coloquei um casaquinho rosa no estilo blazer e uma sandália fechada nos dedos, ou seja, uma roupa absolutamente  normal. Ignorei todos os comentários sem noção dele e prossegui (ou tentei) com a reunião, uma vez que ele passou muito tempo enrolando sobre o que precisava tanto falar comigo, até que assim que pedi a sobremesa, que ele insistiu que eu pedisse, o filho da mãe soltou:

-- Laura, somos adultos e todo esse clima que há entre nós precisa ser resolvido.

Achei que fosse sobre minha cara de poucos amigos, que eu estava tentando disfarçar (não havia bufado nenhuma vez ainda) e abri um meio sorriso forçado e concordei. Ele entendeu sei lá o que, porque abriu um sorriso convencido e continuou.

-- A nossa troca de  faíscas é tensão sexual. Eu te convidei para esse jantar para resolvermos isso, podemos passar a noite em algum lugar aqui próximo, já que você não gosta de pegar a estrada tarde. 

O encarei completamente chocada.

Ele entendeu meu silêncio como algum tipo de incentivo e começou a dizer sobre um hotel muito discreto há menos de dez minutos de onde estávamos, finalmente me recuperei do choque, fechei meu notebook, peguei minha bolsa e deixei a mesa sem dizer uma palavra, ele ainda se levantou e me chamou, virei para ele e disse me controlando para não gritar nem nada.

-- Se você não quer amanhecer com um processo contra você, não fala mais nada. Você é nojento e mesmo que tivesse tensão sexual entre nós eu não me envolveria com alguém que passou as últimas duas semanas me inferiorizando. E antes que eu me esqueça, estou fora do projeto e não vou recomendar a conta para ninguém da Toy Games. 

Deixei o restaurante me controlando para não xingar nem mesmo mentalmente. No carro esperei alguns instantes e então marchei para a casa da tia Madá, eu não tinha condições alguma de encarar a estrada daquele jeito, para minha infelicidade Saulo estava em casa e isso foi incentivo suficiente para eu desistir de dormir por lá, apenas tomei sorvete com a Bel e a ouvi falar de como J. P. tem sido o namorado mais incrível do mundo e não é só porque é meu amigo, mas João é realmente uma ótima pessoa.

Cheguei em casa e fui tomar um demorado banho quente, Moabe, demorei para pegar no sono repassando mentalmente meu comportamento com ele para ter certeza que eu não tinha falado nada que pudesse ser mal interpretado. Não falei, nem fiz. Me dei folga hoje e escolhi não trabalhar no meu artigo, estava tentando relaxar quando fui surpreendida por uma ligação do Eli no início da tarde. 

-- Laura, o que deu em você, menina? Filemon me contou o que aconteceu. -- Por um instante achei que ele tivesse sugerindo o absurdo, mas respirei e questionei o que Filemon havia contado. -- Me contou que você disse que vai abandonar o projeto por motivos pessoais, você está proibida de desistir dessa conta por qualquer motivo pessoal que seja…

-- Não é um motivo pessoal, Eli. 

E então eu contei o que aconteceu ontem, mas Eli não me deu créditos, afirmou que era uma situação chata e delicada, mas precisava que eu continuasse com a conta porque a Toy Games está em momento complexo onde não pode abrir mão de nenhuma conta, pedi um tempo e tenho até segunda para decidir se continuo ou não, mas continuar significa ir contra meus princípios, não continuar abre o precedente de uma demissão. O que eu faço, Moabe? Nesses momentos gostaria que você respondesse minhas cartas, porque obviamente eu sei o que minha mãe vai responder, mas eu também sei o que não quero ouvir e uma opinião imparcial faria muito bem, e eu tenho apenas até segunda-feira para tomar uma decisão. 

Segundo item desta carta: Becca derreteu completamente a geleira que havia erguido entre nós duas depois que eu falei na nossa ida a sorveteria que, mesmo com todas as qualidades, Lucas não me interessa. Porém, não estou suportando essa nova versão, ela me manda cem mensagens por hora e a felicidade que ela tanto tem se esforçado em demonstrar parece fingida. Ainda assim Lucas está orando com ela e eles se veem quase todos os dias na casa dela. É estranho, mas estou com saudades da Antártida, essa nova versão é difícil de aguentar.

Terceiro e último item: hoje no culto da manhã minha mãe e eu cantamos juntas, foi totalmente inesperado. Eu estava meio divagando quando a ouvi anunciar que gostaria de chamar sua filha Laura para louvar junto com ela, fiquei assustada, mas fui, eu não tinha opção. Foi um louvor fácil da harpa e eu entrei apenas no refrão, ao fim do louvor percebi que não foi ruim como imaginei que seria e que me sentia renovada.

Servir a Deus tem dessas coisas, Ele nos renova nos momentos mais inesperados porque está sempre cuidando de cada um de nós. Cuidando nas pequenas coisas, nos lembrando que é o Oleiro Perfeito. 

Com amor,
Laura

[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusWhere stories live. Discover now