A Sétima Carta

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Campos Verde, fevereiro de 2019

Querido Moabe,

A vida é aquilo que acontece quando estamos planejando, foi esse o argumento de Bel para me convencer a ir em um culto de jovens da igreja Batista. Foi aqui em Campos Verde mesmo, eles fizeram um culto com convidados de outras cidades e Bel, a festeira, achou legal vir e me levar junto. Foi bom, achei interessante, discordei de algumas coisas e saí de lá com uma certeza, não nasci para igrejas não pentecostais, cresci em uma e acho estranho outros modelos, não estou dizendo que é errado, Moabe, apenas que é diferente, volto a repetir, placa de igreja não salva.

Enfim, foi uma experiência interessante e me deu saudades das missões. Acho que por ter crescido com missionários tenho um apego especial por esse trabalho, porém,  nunca pensei que fosse algo para mim, mas hoje enquanto o preletor falava da importância de trabalharmos para o Reino de Deus me deu uma baita saudade. Tanto que liguei para o Davi assim que cheguei em casa, já que Bel estranhamente não ficou por aqui. Eu me dou bem com todos os meus irmãos, mas admito, Moabe, Davi e eu temos um elo especial. Meu irmão está em uma comunidade carente do Acre, onde é o único médico em um raio de quase cem quilômetros, o admiro muito pelo que ele que faz, é louvável e o mais bonito: Davi não faz por ser louvável, faz porque ama e quer dar uma contribuição para as pessoas e de quebra ainda leva a Palavra a essas almas carentes. Davi é o diferentão da família, ele é reservado, quase tímido, extremamente focado e ainda assim sempre teve jeito para ajudar as pessoas, justamente por isso sempre foi o irmão que mais admirei. Eu dizia que queria ser como o Davi, o inteligente, hoje eu sei, era apenas foco, ele traçou um objetivo (ser médico) e lutou por ele.

Acho isso fantástico. Lutar por um objetivo.

Você tem objetivos, Moabe? Meus pais dizem que uma vida sem objetivo é uma vida vazia, por isso desde pequena sempre traçamos pequenas metas e eles sempre incentivaram cada um dos filhos a atingi-las.

Sim, meus pais são maravilhosos. 

Tenho dois objetivos atualmente. Terminar o jogo que estou trabalhando (trabalho para a Toy Games e projeto jogos de videogame, lisonja a parte, sou uma excelente game designer, ou era, tem seis semanas que não consigo avançar no projeto que deve ficar pronto até maio!) e entregar minha pesquisa de pós, a ideia é o video game como forma de alfabetização para crianças cegas através da audição e comandos de voz. Porém, não tenho tido sucesso em nenhum dos dois, minha mente tem pensando demais na culpa e de menos no meu trabalho e na minha pesquisa.

Carrego tanta culpa dentro de mim que às vezes tenho certeza, vou sufocar.

Eu só não sufoco porque tenho muito trabalho braçal para fazer aqui no sítio e outras preocupações, como a iminente chegada dos meus pais. Não que eu não esteja morrendo de saudades e feliz porque eles finalmente vão passar um tempo comigo, eu estou e muito. Sou carente do amor deles, mesmo sabendo que sou muito amada, mas nada se compara ao amor dos nossos pais… Minha apreensão é justamente por ser amada, como vou esconder dos meus pais tudo o que está tão aparente quando olho no espelho?

Você, consegue me ajudar, Moabe?

Eu sinto que estou a beira de pirar completamente.

Ainda não falei, porém, dei forma para você, Moabe, ou melhor, uma voz e é uma calma e calorosa, alguém que transmite tranquilidade ao falar e fala com autoridade, sabe? Todas as vezes que finalizo uma carta sempre leio e imagino essa voz comentando o que te contei, sabe a pior parte? Não acho bizarro, só não quero que ninguém saiba que ando escrevendo para um desconhecido que pode ser fruto da minha imaginação, porque eu posso ter escrito o bilhete imaginando determinada cena como um tipo de exercício do teatro e ter me esquecido dele e estar achando que realmente o recebi em algum momento, porém, eu não acredito nisso, no meu coração e na minha mente você é alguém real que por algum motivo disse que continuaria me esperando e eu preciso descobrir porque você está me esperando.

O sino acaba de tocar, dona Joana deve ter preparado um lanche.


Com amor,
Laura

[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusWhere stories live. Discover now