A Vigésima Segunda Carta

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Campos Verde, abril 2019

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Campos Verde, abril 2019

Moabe, 

Você acredita em milagres?

 Eu sempre acreditei neles, primeiro por causa da Clara e depois por mim mesma. Quando minha mãe engravidou os médicos disseram que dificilmente a gravidez iria até o fim e se fosse, uma de nós poderia morrer no parto, inclusive, por esse motivo nasci de cesárea e para espanto absoluto dos médicos era completamente saudável e não houve complicações, isso porque eu ainda estava com o cordão umbilical enrolado duas vezes no pescoço. 

Por muito pouco não me chamei Vitória, mas minha mãe sempre quis ter uma filha chamada Laura e por isso bateu pé firme e manteve meu nome (por sinal, um dos únicos nomes não bíblicos da nossa família). Enfim, questionei sobre sua crença em milagres porque nossa família possui mais um.

Há exatamente quatorze dias te contei que Ruth sofreu uma parada cardíaca e Joaquim estava sem esperança sobre ela sobreviver, principalmente porque os médicos haviam dito que ela tinha poucas possibilidades de recuperação. Porém, desde terça da semana passada ela tem tido melhoras significativas e hoje foi atestado que ela não tem nenhuma sequela. Está perfeita, ignorando todos os ferimentos, claro.

Nenhum dos médicos do caro hospital particular que ela está internada entende a situação, dois deles, até brincaram dizendo que iriam por um jaleco na minha mãe e autorizar o tratamento dela para todos os pacientes do hospital, pois desde que ela começou a orar na UTI pela vida da Ruth (e dos outros pacientes) as pessoas têm tido melhoras extraordinárias. Já te contei que minha mãe tem o dom da cura? Já vi Lia Matias fazer uma oração e paralítico andar; pessoas que tinham tumores serem curadas; pessoas desenganadas pela medicina ganharam novo sopro de vida… Toda espécie de cura ela já fez, minha mãe é uma mulher de imensa fé e cheia de dons do Espírito Santo, não é atoa que as pregações dela estão sempre lotadas, seu telefone não para de tocar e nossa casa constantemente recebe visitas que querem falar com a irmã Lia. Por isso eu não deveria estar surpresa por sua vigília no hospital surtir efeitos em outras pessoas além da Ruth.

Falando em Ruth, Mimi e eu tivemos uma longa troca de emails depois da nossa conversa por telefone, que tirou um peso gigante do meu coração. Nós fomos algumas vezes cruéis com a Ruth, porém, geralmente eu dizia que não gostava das brincadeiras que ela (Mimi) sugeria e brincávamos de outra coisa. Até defendi a Ruth em algumas situações, fiquei, inclusive, tremendamente arrependida depois que prendemos ela no armário do meu quarto, porque nós gostávamos muito de Nárnia e meu armário era super antigo e de maneira maciça e Mimi sugeriu prendê-la lá pra ela achar o caminho de Nárnia. Teria ficado tudo bem se nós a tivéssemos soltado em dez ou quinze minutos, não soltamos, porque fomos andar de bicicleta, mais de uma hora depois minha mãe a encontrou no armário chorando e a ela disse que se prendeu sozinha, a porta tinha travado (uma das portas sempre prendia na hora de abrir, tinha que puxar com força!) e ela não conseguiu abrir. Obviamente minha mãe não caiu nessa, porque a porta estava trancada por fora, ela fez Mimi e eu pedirmos mil desculpas para a Ruth, nos colocou de castigo no cantinho do pensamento, ainda ficamos sem sobremesa por todo o fim de semana e fomos mandadas a dormir cedo, enquanto a Ruth ganhou passe livre pra ficar acordada até tarde e sobremesa extra e ainda pode escolher todas as brincadeiras, até pediu para minha mãe nos tirar do castigo, mas dona Lia foi irredutível.  A conversa com Mimi despertou um pouco da minha memória e me lembrei de outros fatos, como da vez que nos desafiamos a comer pimenta e eu passei muito mal, porque comi demais por pura teimosia, ou da vez que fizemos uma exploração na praia (quando fomos passar umas férias de julho com a Bel em Santos) e acabamos nos perdendo, foi uma mulher desconhecida que nos achou e reconheceu Bel e nos levou para casa há cinco quilômetros de onde a gente estava. Nunca mais saímos para explorar.

Enfim, a conversa com a Mimi me aliviou do medo de ter sido absolutamente cruel com a Ruth durante toda nossa infância, ela garantiu que tivemos momentos de maldade, mas que eu sempre fui mais boazinha, diferente dela, que era muito malvada e graças a Deus mudou. 

Noemi disse que assim que Ruth estiver boa vai conversar com ela e pedir desculpas por toda a crueldade da nossa infância, pois, depois que contei que Ruth era depressiva ela passou a se perguntar se um pouco da suas artes não contribuíram para esse quadro, contudo, imediatamente tirou a ideia da cabeça, porque mesmo que seja verdade ela não pode fazer nada para mudar isso. Essa é uma das coisas que mais admiro na Mimi, ela nao fica se remoendo com o passado, sua filosofia é: a vida segue, chorar pelo que já foi não fará diferença, nada pode ser mudado, mas podemos mudar o que ainda será; diferente de mim, que nunca aprendeu a lidar tão bem com o que passou. 

Laura

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Como eu disse, capítulo surpresa, mas não é tão  surpresa porque avisei. Hahahaha

Enfim, é isso.

Beijos e chocolates,
Juliane Patrícia, 24/07/2019

[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusOnde as histórias ganham vida. Descobre agora