[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu Deus

A Vigésima Quarta Carta

 Campos Verde, maio, 2019

Moabe, 

Você conhece uma pessoa expansiva que é tão carismática que todo mundo quer ela por perto? Lia Matias, também conhecida como minha mãe, é esse tipo de pessoa. Acho demais e ao mesmo tempo completamente irritante. É um equilíbrio tênue, não é difícil um dos lados pender mais que o outro, atualmente estou achando demais. Tem pouco mais de um mês que ela voltou e já está escalada para pregar e para abrir culto; faz parte do Círculo de Oração (como membro oficial), está no coral e no grupo de senhoras e sua última conquista, entrou para o grupo de visitas da nossa igreja (ok, eu posso chamar de minha igreja mesmo não sendo oficialmente membro, pelo menos foi o que meu pai garantiu). Todas as terças e sábados Libna vem buscá-la para fazer as visitas, porque mesmo dona Lia sendo uma mulher independente ela odeia dirigir e sempre faz de alguém seu motorista, porém, hoje a tal Libna não pode vir buscá-la e sobrou para mim ser a motorista do grupo.

Enchemos além do limite meu carro, eram seis mulheres falando sobre como Deus foi bondoso com uma mulher que estava com o lar destruído e elas foram guiadas para fazer uma campanha na casa dessa mulher. O Senhor restituiu o casamento dela, curou o filho que estava com câncer e ainda trouxe para casa a filha perdida para a sociedade. Eu fiquei bastante impressionada, mas a verdade é que minha cabeça já estava doendo de tanto que elas falavam; era um estereótipo perfeito de mulheres que nunca param de falar. 

Quando finalmente chegamos na casa onde elas começaram a fazer uma nova campanha me surpreendi porque aparentemente Lais, a dona da casa, vivia bem, mas se Deus havia ordenado uma campanha tinha problemas, mesmo que não aparentes. Mas o que realmente me surpreendeu foi encontrar com Lucas, o mesmo Lucas que me ajudou quando o meu pneu furou indo para Campinas. Fiquei completamente chocada, pois não é comum homens participarem de visitas, a não ser que seja o pastor da igreja e foi como descobri que ele é da nossa igreja. Não foi apenas uma coincidência ele e Gideon terem me ajudado, ele achava que me conhecia e até mesmo disse isso naquele dia, mas eu disse que era nova na cidade, porque não gosto de expor minha vida para os conhecidos, imagina para desconhecidos.

E por causa do Lucas eu fiquei no “culto”. O plano era apenas levar o grupo de visitas e voltar depois para levar cada uma para sua respectiva casa, porém, Lucas me convidou para ficar e além do seu enorme poder de persuasão, suas covinhas era bem fofas e me convenceram. Chegamos quatorze horas no bairro nobre onde Lais mora e saímos de lá por volta das dezessete, mas não sem antes ela nos servir um café da tarde impressionante.

Mas,  admito que o que realmente me impressionou e maravilhou ali, foi a forma como todas as seis mulheres são tão usados pelo Espírito Santo, tanto que é impossível dizer quem tem mais unção; teve um momento de oração que foi tamanha unção que todas as mulheres e Lucas e o filho pequeno da irmã Gracinha (a única do grupo que eu já conhecia) começaram a falar em língua estranhas. A língua dos anjos é esquisita para pessoas de fora, mas para pessoas de dentro é maravilhosa -- exceção para alguns tipos que eu acho particularmente aguda e doem os ouvidos -- e eu fiquei encantada, me trouxe a memória o dia que o Senhor disse que eu seria batizada pelo Espírito Santo, me senti tão ingrata a Deus naquele momento, Moabe, porque Ele me fez tantas promessas e eu as abandonei por causa de algo tão fútil.

-- Você vai no encontro de jovens na Sede amanhã, Laura? -- perguntou Lucas enquanto eu comia um pedaço de bolo de limão.

-- Não sei, acho que não. Eu só acompanho a minha mãe a igreja…

-- Ah. Achei que por você estar indo todos os dias tivesse se reconciliado.

-- Como você sabe que eu vou todos os dias?

-- Você é filha da irmã Lia e do pastor Judá, as pessoas de mais destaque do nosso anexo. Sem dizer, que eu sempre vejo você por lá, até queria falar com você antes, mas estava com vergonha -- admitiu. -- Foi uma surpresa muito boa você ter vindo hoje, espero que volte no próximo sábado e espero também que vá amanhã no ERJ, vai ser uma festa linda e com comida de graça -- senti as bochechas esquentarem pelo seu último comentário, Moabe, não achei que outra pessoa tivesse ouvido quando falei para minha mãe que comida de graça sempre me animava. 

-- Obrigada, se eu não tiver nada para fazer no sítio talvez vá.

Me afastei dele e basicamente implorei para minha mãe que fossemos embora.

Estou contando sobre o Lucas porque agora a pouco ele me enviou uma mensagem, obviamente não é difícil de saber que foi minha mãe que deu meu número para ele, porque eu não passei e não sei se esse interesse é só a obsessão que o pessoal da igreja tem em converter jovem (na minha igreja todo mundo é bem-vindo, mas o pessoal tem um amor especial pelos jovens e todos aqueles que começam a dar frequência ganham um “padrinho” ou “madrinha” que são responsáveis de acompanhar ele para que permaneça nos caminhos do Senhor e não se afaste da Sua casa) ou se é porque ele tem um interesse além. Sinceramente eu espero que seja a primeira opção, porque Lucas aparentemente é um cara legal, mas no momento, no máximo,  quero novas amizades, não quero me colocar em relacionamentos que demandam demais de mim, não estou pronta ainda.

Você acha que já devo responder o Lucas? Ou acha que devo responder só amanhã? Porque a mensagem dele era de conteúdo inocente, apenas dizendo que falou com minha mãe e ela me liberou de todas as minhas tarefas de amanhã, estou livre para ir ao Encontro Regional de Jovens, mas não sei se realmente quero ir, principalmente porque não sei se me sentirei a vontade dentro da igreja sem a proteção da presença  da minha mãe.

Indecisamente,
Laura.