A Nona Carta

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Campos Verde, fevereiro de 2019

Querido Moabe,

Mozart é a criatura mais bagunceira que eu conheço!

Para ele tudo é festa! E diversão! Ele comeu um regador, um regador, Moabe! Mastigou pra dizer a verdade, quando eu briguei ele fez aquela cara fofinha de cachorro sem dona e só faltou dizer que não ia fazer de novo. Como que dá bronca assim?

Ele também é bem energético. Fazemos caminhadas de manhã e a noite, algo em torno de quatro quilômetros entre ida e volta e no meio do dia ele ainda tem tempo para essas artes, como destruir um regador. A parte boa é que estou bem mais ativa e disposta, porque é preciso muita disposição para morar em um sítio e ter um cachorro como Mozart.

Por falar em morar em sítio, levei o maior susto ontem. Estava regando a horta no fim do dia quando ouvi um barulho parecido com chocalho, um guizo. Imediatamente paralisei e esperei ouvir o barulho de novo e ouvi a minha direita, a esquerda era a horta e a direita tinha uma cobra amarronzada com losangos brancos. Se eu ainda tivesse alguma dúvida sobre ser uma cascavel não tinha mais naquele momento.

-- Laura -- seo Jeremias me chamou. Não desviei os olhos da cobra, ela estava se enrolando e não parava de soar aquele guizo horrível. -- Fica calma. Lentamente dá um passo pra trás -- orientou meu avô e fiz exatamente o que ele mandou. Dei um passo para trás e outro e outro e outro, neste meio tempo ele se aproximou por trás da cascavel e quando eu menos esperava pegou na cabeça da serpente e a imobilizou, dona Joana apareceu do seu lado com uma caixa organizadora aberta e ele jogou a cobra dentro, ela ainda atacou a tampa duas vezes, mas a caixa era reforçada e nada aconteceu.

Não foi a minha primeira experiência com cobras, obviamente, mas eu tinha me desacostumado, Moabe, morava há tempo demais na cidade, onde eu só via serpentes se fosse ao zoológico.

-- Os bombeiros falaram que vão passar amanhã aqui -- disse dona Joana me servindo um chá mate. Sorri amarelo para ela. -- Você está bem, querida?

-- ‘ sim. É comum aparecer cobras aqui? Eu não me lembrava disso.

-- De vez em quando aparece uma cobra cega ou uma dessas não venenosas, mas é a primeira vez que vi uma cascavel...

-- Credo. Espero que seja a última, detesto cobras…

-- E quem gosta? Até Jeremias que é mole pra bicho não gosta, mas justamente por ser mole que ele não mata um bicho daqueles. Os bombeiros vão ficar felizes, vivem dizendo que a vida aqui em Campos Verde é monótona demais pra um bombeiro.

-- Meu Deus! Esse devia ser o lema deles -- sorrimos. -- Seo Moisés ainda é o capitão?

-- É sim, aquele ali só aposenta quando ‘tiver no caixão…

Continuamos nossa conversa sobre coisas amenas até que percebi que eles não tinham ido a igreja, falei que se fosse por mim, estava tudo bem, eles poderiam ir, mas garantiram que não era, estavam esperando visitas. Sim, no plural. Perguntei quem eram, afirmaram que era surpresa, uma surpresa boa, garantiram e de fato foi. Exatamente às vinte horas e três minutos quando eu já estava de banho tomado e levemente apreensiva sobre quem seria nossa visita ouvi um carro chegando e logo em seguida uma buzina curta. Dei um pulo do sofá e corri na direção da varanda, estava torcendo para não ser ninguém inconveniente, ao chegar a porta, Moabe, dona Joana já estava lá, me deixa abismada a agilidade dela, sempre me questiono como alguém tão velha pode ser tão ágil. Ela estava rindo abertamente e eu também ri quando vi as pessoas que chegavam, era uma mulher e duas crianças, um menino de uns sete anos e uma menina de quatro ou cinco anos. A mulher estava com o cabelo castanho cortado muito curto e de franja e cantarolava uma música do Tim Maia ou pelo menos foi o que pareceu aquela distância, ela sorriu para nós assim que terminou de descer as crianças, também trazia uma vasilha de vidro em uma das mãos e segurava a menina pela outra.

-- Vovó! -- gritou o menino correndo e abraçando dona Joana. Só então caiu  minha ficha, aquela mulher que sorria muito e me parecia familiar era Mara, a gêmea mais nova dos Monteiro. Era uma visita muito bem-vinda e feliz, havia anos que eu não a via, tanto que eu ainda não conhecia a pequena Damaris.

-- Laura, meu bem, como você continua com essa carinha de dezoito anos? -- perguntou me abraçando e beijando meu rosto. Ri, porque diferente do que seu nome queria dizer, Mara era doce e a felicidade em pessoa, talvez sua alegria conseguisse preencher o vazio que me acompanhava há tanto tempo.

Eu estava errada, Moabe, mesmo tendo rido muito ontem e hoje de manhã, porque ela pousou aqui, tendo sido um sopro de felicidade para nossa casa silenciosa, eu continuo me sentindo completamente vazia. Quase como uma casca sustentada pela pequena esperança que amanhã será melhor.

Com amor,
Laura

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Olá, humanas, tudo bem?

Capítulo adiantado porque amanhã será um dia muuuito corrido. Muito mesmo.

Bom fim de semana para todas.

Beijos e chocolates,
Juliane Patrícia, 27/04/2019

[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusWhere stories live. Discover now