A Décima Quarta Carta

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Campos Verde, março de 2019

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Campos Verde, março de 2019

Moabe,

Tem exatamente dez dias que escrevi minha última carta para você e eu estava determinada a não mais escrever, pois cheguei a conclusão que é idiotice escrever para alguém que eu não conheço. Coloquei as cartas que escrevi em um envelope de cupcakes que a que Mimi enviou para mim na última carta (nós temos esse hábito de mandar envelopes diferentes nas nossas cartas), e o deixei dentro da gaveta da minha escrivania. Isso para mim conta como algo que não vou usar mais, dentro daquela gaveta guardo todas as coisas inúteis que tenho apego.

Porém, hoje, Clara me deixou tão irritada, mais tão irritada, que para extravasar comecei a escrever para você e minha primeira carta está vergonhosamente ilegível, optei por começar de novo e com sentido. Pois comecei de um ponto sem lógica e basicamente briguei com ela no papel na primeira versão dessa carta.

Hoje eu acordei uma hora antes do horário, porque ela deveria chegar hoje e tínhamos combinado de almoçar na tia Madá e eu precisava fazer minha parte do serviço do sítio antes de ir, já que meus avós escolheram não ir uma vez que o destino final é aqui… Oito e meia da manhã quando já estava praticamente pronta para ir para Campinas o telefone tocou, era a Clara, combinamos dela avisar quando chegasse na casa da tia Madá, ou seja, eu já sabia o tema daquela ligação e ainda assim corri pro telefone e adivinha? Ela mudou o roteiro. Minha irmã está no segundo casamento, ficou viúva do primeiro em uma tragédia e por ser o segundo casamento a família do Miguel sempre a humilha por isso e maltrata, por esse motivo Clara evita o máximo possível estar com eles, mas sabe onde ela vai passar os próximos três dias? Na casa dos pais do Miguel. Eles ficaram sabendo que Clara, Miguel e os filhos estavam vindo passear e os convidaram para ficar por lá até meus pais chegarem, Miguel, como um bom filho, aceitou. O problema está que só hoje, quando estava tudo pronto para recebermos a família da minha irmã, que eles resolveram passar esses dias na casa da sogra. Por isso fiquei tão brava, odeio sair do planejamento. Ok, imprevistos acontecem, mas poxa, aquela gente não gosta da Clara ela sempre fica mal depois de visitar eles, ela deveria vir pra cá onde vai ser muito bem recebida e não ir de última hora para um antro de cobras.

Não estou fazendo sentindo, né?!

É o seguinte, Miguel é de uma família super rica e tradicional de São Paulo, quando ele conheceu a Clara ele estava noivo de uma moça de outra família super rica e tradicional, era meio que um acordo de família o casamento deles. Menos de um mês depois de conhecer a Clara ele terminou o noivado e já engatou em um relacionamento com minha irmã mais velha, dez meses depois eles estavam casados. A família dele odiou a Clara primeiro por ser a culpada pelo rompimento das famílias, depois por ser pobre, depois por ser filha de uma negra e por fim, por já ter sido casada -- essa última parte não entra na minha cabeça de jeito nenhum. Miguel meio que rompeu com a família quando o pai tentou comprá-lo com um curso no exterior para ele abandonar a Clara, depois tentou comprar a Clara com o financiamento de um projeto dela para levar educação às crianças pobres… Clara e Miguel continuam juntos depois de nove anos e se distanciaram da família esquisita do meu cunhado, que mesmo depois da Manu e do Nathan continuam rejeitando minha irmã. Eu entendo os motivos da Clara querer que os filhos passem um tempo com os avós e que Miguel conviva pacificamente com os pais, porém, eu acho que ela não precisava ir, Nathan já tem quatro anos e a Manu sete, não precisam integralmente da mãe, ela só vai se estressar com essa visita.

Entende agora?

Eu tô brava não é simplesmente porque saí do planejado, eu tô brava porque ela tá se expondo sem uma necessidade real; e se tem uma coisa que detesto é ver pessoas que amo ser maltratada, ainda mais se essa pessoa já tiver sofrido tanto como a Clara sofreu. A história da minha família é marcada por tragédias, mas acho que a da Clara é uma das mais tristes, ela se casou com dezessete anos, foi mãe aos dezenove e aos vinte sofreu um acidente de carro, o esposo e o filho morreram no local, Clara ficou quatro meses em coma e quando acordou estava sem memória e completamente debilitada. Era uma criança novamente. Meus pais reformaram nossa casa e fizeram um quarto no térreo para ela, foram meses muito, muito tristes, de muito sofrimento e fisioterapia. Até hoje ela ainda tem um pouco de dificuldade na fala, fisicamente nada sério, mas emocionalmente ainda sente muito pela sua perda. Todos nós sentimos. Miguel, graças a Deus, é um homem bom e entende os momentos que ela se retrai, mas é tudo passageiro, pois ela não desistiu da vida e jamais acusou Deus da sua dor, manteve-se fiel ao Senhor mesmo nos seus momentos de confusão de memória e permaneceu fiel quando a recobrou completamente.

Eu a admiro muito por isso.

E a detesto por ser covarde sobre a família do Miguel, se sujeitando a dor desnecessária, é por isso que tô verdadeiramente tão brava.

Porém, ficar falando sobre isso não vai adiantar nada, só me deixar mais estressada e isso já estou aos montes… Quero de volta a facilidade da minha vida protegida pela bolha da minha família, Moabe, eu disse tanto que queria ser independente e sabe o que a independência me trouxe? Dor. Tô cansada. Não quero mais isso.

Como pode ver realmente não estou fazendo sentido e, ainda tô carente de mãe, antes que eu comece a chorar em cima dessa carta manchado-a, me vou.


Frustradamente
Laura


[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusDonde viven las historias. Descúbrelo ahora