A Vigésima Carta

17 5 8
                                    

Campos Verde, 2019

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Campos Verde, 2019

Moabe!

Algo extraordinário aconteceu hoje.

Comigo!

Eu tenho ido a igreja todos os dias desde o acidente da Ruth, mas como eu disse na minha última carta eu não estava tendo forças para orar, eu me ajoelhava e ficava ali em silêncio de olhos fechados por meia hora esperando dar a hora dos louvores começar e eu poder me sentar sem atrair atenção para mim, como a pessoa que não está orando. Também tenho assistido do cantinho as orações da meia noite dos meus pais, na oração desta madrugada minha mãe pediu que eu tocasse o teclado, meu primeiro pensamento foi dizer não, eu não sei mais tocar, porém, obedientemente me sentei a frente do instrumento e comecei a dedilhar uma música que aprendi com Davi quando era muito pequena e nunca mais esqueci.

Errei algumas notas, mas me senti viva como não sentia há anos e mesmo errando eu não queria parar de tocar. Emendei uma canção na outra e quando vi estava cantando uma das canções do meu pai, ele é compositor e compõe para metade dos cantores gospel do país, é desta forma que ganha dinheiro.

Por um momento, com a face prostrada na terra

pensei que você tivesse me abandonado

Pensei que estava sozinho no deserto

Foi quando ouvi sua voz me dizendo

Eu estou com você, filho

Eu o tomo pela mão e o guio pelo deserto

Eu, o SENHOR, o seu Deus

O guio pelo deserto

Pois estou contigo, filho.

Esse é meu trecho favorito, Moabe, e me surpreendi por ainda me lembrar das notas e, principalmente, da letra, porque é uma música antiga e eu me lembrei e senti Deus falando tanto comigo através daquele louvor. Entretanto, a melhor parte ainda estava por vir, pela primeira vez em semanas dormi assim que coloquei a cabeça no travesseiro e dormi ininterruptamente até às cinco da manhã, tudo bem que foram apenas quatro horas, mas tem muito tempo que não sei o que é dormir quatro horas seguidas.

Às cinco horas em ponto eu despertei com vontade de orar, ainda enrolei por alguns minutos, porém, aquela vontade de falar com Deus só aumentava, naquele momento me ajoelhei aos pés da minha cama e comecei a falar. Eu não sabia que tinha tantas palavras guardadas dentro de mim. Falei primeiro como me sentia suja e perdida e como esperava que Deus ouvisse minha mais humilde oração, porque era do fundo da minha alma que eu falava com Ele -- neste momento eu estava chorando toda a água que tinha no meu corpo. Pedi pela Ruth e pela Sarah, pedi que tirasse de mim esse sentimento absurdo de culpa, pedi que me purifique e transforme, que escrevesse uma nova história para mim.

Falei por quase uma hora com Deus.

E eu não percebi que orei por tanto tempo.

E teria continuado se hoje não fosse meu dia de regar a horta, mas ainda assim foi suficiente para que eu me sentisse infinitamente mais leve como não me sentia há anos. Minha mãe até comentou que eu estava parecendo reluzindo, aproveitei para contar tudo o que tinha acontecido, tudo mesmo, desde minha discussão com a Ruth até a oração que havia feito naquela manhã, ela sorriu e disse.

-- Deus é fiel. E ouviu minha oração, porque tenho clamado que tirasse de você o semblante de dor e sofrimento e devolvesse a sua felicidade.

Tive vontade de chorar naquele momento, mas não chorei, apenas a abracei e disse que ela era a melhor mãe do mundo, mentalmente agradeci a Deus por ter me dado pessoas tão extraordinárias por pais. Depois do almoço ela e eu partimos para Campinas, meu pai não foi junto porque acordou com uma bela de uma gripe. Chegamos felizes no hospital, contudo toda felicidade se esvaiu assim que encontramos com Joaquim, ele estava sentado em um banco no corredor completamente acabado, não parecia nem de longe o homem feliz que eu havia implicado algumas semanas antes.

-- Eu estou muito cansado, tia Lia. Ruth teve uma parada cardíaca essa madrugada e disseram que ela não tem muitas chances de sobreviver.

-- Sinto muito, querido...

-- Eu também, tia, até disse para Deus que se for a vontade dEle recolher ela tudo bem, Ele pode levar, mas se essa não for Sua vontade que opere um milagre e a cure, porque eu estou cansado, tia. Não suporto mais ficar nessa situação. -- Ele começou a chorar naquele momento e eu simplesmente paralisei, minha mãe o abraçou e disse algo que eu não ouvi, permanecemos daquela forma até que alguns minutos depois tia Sara e Miquéias, o irmão mais velho da Ruth, chegaram e minha tia disse a mesma coisa, havia devolvido Ruth ao Senhor, estava orando para a vontade dEle ser feita, porque também não suportava mais.

Ali, no meio do corredor, fizemos um círculo de oração e pedimos que a vontade de Deus fosse feita, algumas pessoas se juntaram a nós, uma mulher que estava internada há várias semanas também se aproximou e no fim da oração aos prantos ela disse para minha mãe que queria aceitar Jesus, foi lindo. Até chorei. Outras pessoas também choraram e me surpreendi por ninguém nos mandar parar, porque todo mundo sabe, crente pentecostal não é silencioso, porém, ninguém nos mandou fazer silêncio, muito pelo contrário, prolongamos por um pouco mais de tempo aquele momento.

Depois das orações, minha mãe e tia Sara puxaram um louvor muito bonito que falava sobre restauração e depois a mulher que aceitou Jesus como seu único salvador pediu para elas cantarem um hino muito antigo sobre o infinito amor de Deus, mais uma vez ela chorou como um bebê e por fim encerramos aquele momento com a promessa da minha mãe que depois de visitar o leito da Ruth iria ao seu quarto. Eu não entrei para ver a Ruth fiquei com Joaquim e Miquéias no corredor, mantivemos o silêncio, primeiro porque o irmão de Ruth é muito mais velho que eu e nunca se esforçou em criar vínculos comigo, por isso nunca tivemos assunto; segundo porque Joaquim parecia completamente arrasado para ter forças para manter uma conversa, por isso surpreendi-me, e muito, quando depois de muitos minutos ele virou-se para mim e falou.

-- Ela me contou que vocês discutiram no domingo, Laura e, por tudo que a Ruth já me disse sobre você, sei que você está alimentando uma culpa inexplicável, mas quero que saiba, eu não a culpo por absolutamente nada. Você não tem culpa, Laura.

Naquele instante, Moabe, eu soube, Deus ouviu minha oração.

Talvez Ele sempre ouvisse e apenas eu que não conseguia perceber.


Com amor,
Laura



#

###

Oie, gente bonita!

Capítulo antecipado porque esse fim de semana vou estar numa enorme correria!

Queria dizer também que meu ritmo de escrita está ótimo e talvez termine CAM antes do que eu esperava, era isso.

Beijos e chocolates,
Juliane Patrícia, 11/07/2019

[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusWhere stories live. Discover now