Capítulo XXXIV

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Depois de sairmos do hospital, cada um seguiu para a sua casa. Contei aos meus pais o que tinha acontecido e pedi que dormissem comigo, como faziam quando eu era criança e tinha medo de tempestade. Mamãe passou a noite acariciando meus cabelos e papai fez um chá quentinho para me acalmar.

Apesar de todo o esforço deles, eu ainda me sentia um trapo no dia seguinte. Meus olhos estavam inchados de tanto chorar e eu continuava pensando em Seth: sorrindo e jogando hóquei com os amigos, contando piadas no sofá da minha casa, saindo conosco e se divertindo nas festas de Benny... Nada disso aconteceria de novo. Ele estava morto.

Enquanto me arrumava para o velório de Seth, a televisão ligada mostrava uma reportagem sobre o incêndio no domo e mostrava vários jogadores e ex-jogadores do time lamentando a morte dele.

Passei na casa de Benny, pois iríamos juntos. Eu nunca tinha visto o meu vizinho tão triste. Não havia sequer um traço do jeito brincalhão que eu estava tão acostumada. Vestia um terno preto, mas segurava a camiseta verde do time.

- Os caras acharam que seria uma homenagem legal. – explicou. – Já que o time é... Era... uma das coisas mais importantes na vida de Seth.

A mãe de Benny nos levou até o velório. Trajava preto e parecia bem abalada. Não tinha me ocorrido até o momento que os pais dos jogadores também tinham convivido bastante com Seth e sua morte os afetou. Ficamos em silêncio o percurso inteiro, presos nos próprios pensamentos.

O lugar estava cheio. A maioria dos garotos do time estavam reunidos, usando a camiseta verde. Benny vestiu a que carregava e se juntou aos outros. Eu o acompanhei. Foi a primeira vez que vi um time inteiro de hóquei com os olhos vermelhos de tanto chorar. No gelo eram sempre valentões prontos para brigar, agora pareciam crianças tristes e assustadas.

Tommy e Jonathan, também com a camiseta verde, saíram de perto dos pais e vieram falar conosco. Abracei meu namorado.

- Sinto muito. – falei para ele.

- Eu também. – foi o que conseguiu responder.

Pouco depois, Max e Julie chegaram e se juntaram ao grupo. Minha melhor amiga sequer se dera ao trabalho de passar maquiagem e arrumar o cabelo; e Max usava óculos escuros, cobrindo os olhos inchados.

Os pais de Seth estavam perto de seu caixão. Sua mãe chorava sem parar e seu pai tocava o rosto sem vida do filho, com uma das expressões mais tristes que já vi na vida.

Natally se aproximou deles e, por um momento, pensei que fossem brigar, mas a garota abraçou a mãe de Seth. Fiquei surpresa quando ela veio até mim.

- Obrigada por ter me mandado a mensagem ontem. – disse. – Só lamento ter chegado depois de ele ter... – sua voz falhou. – Mas ele estava tão bem na última vez que o visitei... Eu não achei... Não pensei que...

- Não tínhamos como saber. – foi Tommy quem a tranquilizou.

- Se pudéssemos imaginar, todos teríamos feito muita coisa diferente, Natally. – Max completou, gentilmente. – Vamos, está na nossa vez.

Ele indicou com a cabeça o caixão de Seth. As pessoas formaram uma fila para se despedir. Nosso grupo se aproximou e senti uma pontada no coração ao vê-lo imóvel e pálido, sem vida, tão diferente do que estava acostumada a ver.

- Meu Seth... – Natally tocou o rosto dele. Sua voz tinha tanta dor que foi difícil não ficar triste por ela. – Desculpe.

Ela começou a soluçar e cobriu o rosto com as mãos. Max se aproximou e a consolou, parecendo igualmente arrasado.

Havia um altar ao lado do caixão, onde as pessoas estavam deixando suas homenagens para Seth. O time começou, então, a tirar as camisetas que vestiam por cima dos ternos pretos, e formaram uma pequena pilha. Tommy colocou uma foto do campeonato passado, todos estavam sorridentes e animados, bem no meio da foto, estava o capitão. Natally deixou um anel de compromisso.

- Eu te amo. – pude ouvi-la falar baixinho para o corpo dele. Instintivamente, procurei a mão de Jonathan e a apertei. Será que eu agiria assim caso o perdesse um dia?

Julie e eu não sabíamos muito bem o que deixar, então escolhemos apenas flores. Max colocou uma carta, além de alguma coisa dentro de um saquinho de veludo. Claramente não queria que ninguém soubesse o que havia ali, mas deduzi que fosse algo que representava a amizade deles.

Seguimos para as cadeiras e observamos enquanto seus pais se aproximavam novamente do altar e começavam a falar sobre como ele era maravilhoso e nunca poderiam ter pedido um filho melhor. Em seguida, foi a vez do nosso grupo. Fomos juntos, um completando as ideias do outro:

- Seth era demais. – Julie começou. – Foi uma das melhores pessoas que já conhecemos.

- Ele tinha as melhores piadas de todas. – Max disse, abrindo um pequeno sorriso. – Era um cara alto astral, então vamos lembrar dele pelos bons momentos que tivemos.

- A maioria de nós o conhece desde o começo da escola, e todo mundo aqui sabe que, além de uma ótima pessoa, ele era um jogador espetacular. – Jonathan olhou para o caixão.

- O hóquei não será o mesmo sem ele. – concordei.

- Nem capitão algum será tão bom quanto ele. – Tommy completou.

- É tão injusto que tenha partido tão de repente. – Benny lamentou.

- Palavras nunca serão suficientes para demonstrar o quanto vamos sentir a sua falta. – Natally finalizou.

A mãe de Seth limpou os olhos com um lencinho quando estávamos voltando para os nossos lugares. Natally pediu para ficar, pois precisava falar mais algumas coisas. Aquilo nos surpreendeu, mas ninguém protestou.

- Eu amava Seth do fundo do meu coração. Ele sabia disso. – começou, hesitante. – A gente se apaixonou quando tínhamos quatorze anos, e desde então, nunca deixei de amá-lo, nem por um dia, nem depois que terminamos.

Ela encarou o caixão, os olhos enchendo de lágrimas.

- Nunca vou me esquecer do dia em que me pediu em namoro. – ela falou para Seth. – Ou de quando me deu essa camiseta que estou vestindo, depois de uma vitória do time. Mesmo depois que terminamos, continuei guardando-a com todo o carinho do mundo. Eu sinto muito que você tenha partido assim... – sua voz falhou. – Éramos tão felizes juntos. Eu gostaria que pudéssemos voltar para aquela época, que eu pudesse olhar nos seus olhos, o azul mais lindo que já vi, e que eu pudesse falar o quanto te amo.

Natally voltou a se sentar, soluçando.

Alguns outros parentes e amigos falaram sobre Seth. Ainda não conseguia acreditar que ele tinha mesmo morrido.

Na hora do enterro, deitei a cabeça no ombro de Jonathan. Observamos, tristes, enquanto o caixão de Seth descia para baixo da terra.

- Quando fui convocado para a guerra, Seth me pediu para não morrer. – a voz de JoJo era um sussurro. – E agora nós estamos lamentando sua partida. Não acredito.

Não respondi, apenas continuei observando enquanto o corpo do capitão continuava descendo, até desaparecer de vista. Nós nunca mais o veríamos, nem sairíamos com ele, tampouco ouviríamos suas piadas. Ele nunca poderia crescer, ter uma família ou jogar hóquei profissionalmente.

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