Hurt

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Não sei se é da situação mundial que se vive, deste afastamento obrigatório dos amigos, se é de saber que a todo o momento Alissa se põe em perigo, se é de saber que pode trazer com ela o vírus e transmiti-lo e a vida de um de nós acabar por aqui, sentia-me irritado, acuado, as redes sociais não ajudavam, havia críticas por todo o lado, um pequeno grupo de fans infernizavam-me a vida já há muito tempo, nunca liguei porque sempre pensei que acabariam por se fartar, mas nestes dias as vozes endureceram e atacavam por todos os lados. Foi neste estado de alma que Alissa me encontrou de uma das vezes em que mais uma vez saiu à rua, embora de máscara e luvas, mas saía sempre sem grandes preocupações. Eu estava na cozinha a preparar o jantar.
-Olá meu amor, o que temos hoje para jantar – abraçou-me por trás. Desviei-me dela para o outro lado da bancada.
- Acho melhor ires tomar banho. Antes de me agarrares não achas? Estás a ser irresponsável. – não levantei os olhos para ela continuei a fatiar as cenouras.
- Oh sim claro, desculpa tens razão. – mesmo quando se veio juntar a mim, nada mais dissemos um ao outro colocou os pratos e os talheres. Coloquei a salada e o tofu de cebolada na mesa. – Humm cheira tão bem, Sam, obrigada.
- De nada, não tive muito mais que fazer. – continuei a comer.
- Estás aborrecido? Não fizeste nenhum vídeo hoje, para o Mpc? – perguntou enquanto apreciava o tofu.
- Não, não fiz! – olhei então para ela. – achas que estou com vontade de fazer exercício para me distrair? – parou de comer e ficou a olhar para mim, levantou a sobrancelha.
- Não sei, tu estás sempre disposto a fazer exercício. Acho que amas fazer isso, não?
-Eu amo fazer muita coisa que neste momento não posso. E não posso porque não me posso pôr em risco, mas parece que sou o único a pensar nisso por aqui, ao que parece tu não te importas muito com isso desde que o teu trabalho seja feito. A jornalista tem sempre trabalho, essa não pára, nem quer saber se é infectada em algum lado e se traz com ela algo mais que a sua pessoa.
-Desculpa? Mas o que se passa agora? Eu não andei a passear tenho estado no escritório, sabes que ainda tenho trabalho para entregar à Life Time até Junho, tenho coisas para organizar, minhas, de Nina. Eu não ando na rua. – colocou os talheres no prato. Passei as mãos pelo meu cabelo, precisava assentar ideias estava ser demasiado brusco. Levantei-me da mesa e fui para o quarto, deitei-me na cama, fechei os olhos, estava a ficar insuportável, sabia disso. Isto tudo estava-me a afectar e descarregava em cima dela, sem necessidade. Ela não veio até mim, ouvia-a arrumar a cozinha. Passado um tempo fui ter com ela. Estava a varrer o chão da cozinha, tirei-lhe a vassoura das mãos e trouxe-a comigo até ao sofá.
-Desculpa – sentei-a no meu colo, enterrei o rosto no seu pescoço e não sei se foi do cheiro dela – desculpa -  sem mais comecei a chorar. Não conseguia parar.
Senti que ela não sabia o que havia de fazer comigo, apenas me abraçou e disse:
- Oh Sam, que se passa contigo, fala comigo! – passava as mãos na minha cabeça – o que foi? O que tens? Oh por favor fala comigo, não me deixes nesta aflição. – Eu não conseguia falar, eu tentava mas não conseguia. – Perdoa se te fiz pensar que não me preocupo contigo, se pensas que que não sei o sacrifício que fizeste por mim por vires para os EUA, contra tudo e contra todos, eu sei. Sam por favor, olha para mim, amor olha para mim. – sujeitou-me o rosto entre as suas mãos e forçou-me a olhar para ela. – Diz-me Sam, o que se passa?
-Desmoronei, Alissa, Desmoronei. Não consigo, não sei. Deixa-me estar aqui só um pouco. – encostei a minha cabeça no seu peito e tentei acalmar-me, há muitos anos que não sentia o que estava a sentir hoje, um peso enorme na alma, uma sensação de desânimo maior que eu, por tudo e por todos.
- Estás assim por causa das coisas que as tuas fãs disseram de ti? Ou é por causa de mim? Abracei-me a ela a minha voz saia num sumisso.
-É tudo e não é nada. É um peso, uma dor, um desmoronar da alma. Não te sei explicar, sempre quis ser actor, sempre quis dar de mim, acho que dei demais, deixei passar muita coisa ao lado, fui avisado que isto poderia vir a acontecer e nunca fiz caso.Alissa, não quero que te vás, nunca, não te posso pedir que suportes tudo o que dizem de ti, mas peço-te que não te vás. Fica comigo!
- Eu,.. Alguma vez pensaste que eu não ficaria contigo? Ainda me quero casar a sério contigo. - deu um sorriso - Tu prometeste que o farias. – levantei o rosto para ela dei-lhe um beijo ao de leve.
- O prometido é devido, desde que tu queiras.
- Claro que quero, amo-te.

ALISSA

Assustei-me quando cheguei e o vi com aquele humor de cortar à faca, mas assustei-me muito mais quando ele chorou comigo no colo, senti-lhe a dor, senti-lhe a mágoa, não estava à espera de o ver desmoronar daquela forma, durante o dia tinha ligado o tweter e tinha visto tudo aquilo, todas as ofensas, no meu Instagram estavam mais ofensas, sabia que Sam sofria daquilo todos os dias, mas nunca pensei que ver o nosso nome ligado a tais infâmias doesse tanto, quando nos conhecemos e sabemos que nada daquilo confere nem connosco nem com as pessoas que amamos, fica uma impotência muito grande, por não podermos responder na mesma moeda. Sabia que Sam nunca responderia, pelo seu bom feitio relevava sempre aquelas acusações. Mas hoje tinha sido muito violento. E deu no que deu, o meu amor estava destroçado, estava quebrado. Precisava que ele soubesse que eu estaria aqui para ele sempre.
- Claro que quero, amo-te! – precisava que ele soubesse que eu não iria a lugar algum. – ninguém tem um amor como o meu, não existe ninguém no mundo para te substituir, tens de aguentar firme por mim, mas principalmente por ti Sam. Já te disse hoje que tu és um homem bom? Amo-te – disse-lhe novamente. Levantei-me com ele de mão dada levei-o para o quarto e fiz com que ele se esquecesse do mundo, fazer amor não é a solução para nada, muito menos para esquecer algo, mas aliviava o peso da alma e fazia-nos ver as coisas de uma forma mais terna.
-Havemos de encontrar uma solução, Sam!






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