Capítulo 9

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Passar o dia inteiro sem fazer nada é extremamente sufocante, não há nada nessa casa que desperte meu interesse, a não ser as horas a fio que eu passo encarando as obras de arte no corredor.
  Meus encontros casuais com Ian passaram a ser inexistentes, ele não me perdoou pela camisa, mas também não foi o suficiente para ele me devolver. Tenho que pensar em alguma coisa mais séria e que o deixe extremamente furioso.
   A hora do jantar era sagrada, onde todos se reuniam para contar como foi seu dia. E claro que eu iria me atrasar, simplesmente porque a Senhora Seymour disse que seu marido odeia atrasos, e se ele me odiar, irá convencer o filho a me devolver. Mas por outro lado, preciso de certa proteção, por isso irei manter a amável Virgínia por perto.
  Quando entrei na sala de jantar, todos estavam lá me encarando com cautela.
- Sinto muito pelo atraso, eu me perdi!-falei com inocência.
- que isso não se torne um hábito! - disse o Senhor Seymour.
  Notei que meu lugar foi colocado ao lado de Ian. Como se não bastasse morarmos na mesma casa, agora tenho sempre que compartilhar da desagradável companhia dele.
  Sentei-me silenciosamente ao seu lado, não lhe lancei nenhum olhar muito menos iria me dirigir a ele.
- como foi o seu dia querido? -perguntou Virgínia ao seu marido.
- bastante cansativo. Precisei passar o dia na vinícola, acho que estamos com um começo de pragas e fui a cidade procurar algo para combater, mas aquele desprezível do Darcy está cobrando uma pequena fortuna. Acabei por ameaçar a despejar ele se não abaixasse os preços!
- e funcionou?-perguntou ela.
- sempre funciona querida! E você Dorian, o que fez hoje? Não o vi na vinícola...
- eu... Eu estava na cidade. Procurando barris de qualidade para armazenar o vinho! -disse ele confuso.
- e encontrou algum?-perguntou o Senhor Seymour.
- não, achei pouco confiável. E você Ian, o que fez hoje? -perguntou Dorian.
   Notei que Dorian estava mentindo descaradamente. Eu podia usar ele para me ajudar.
- eu estava trabalhando no controle de qualidade de alguns vinhos, mas um certo alguém...- ele me olhou furioso.- destruiu minhas anotações, então tive que recomeçar.
- está me acusando de alguma coisa?-perguntei.
- não estou te acusando de nada. Estou afirmando que foi você.
- como ousa falar assim comigo? Você me ofendeu, eu só revidei.
- você destruiu o trabalho de um longo mês!- argumentou ele.
-pensasse nisso antes de dizer que não sei nada de útil!
-é Senhorita, mas você poderia reagir como uma dama a certas ofensas e não como uma mula ou uma selvagem! -disse ele nervoso.
- não acredito que me chamou de mula novamente! -falei ríspida.
- chamei, e chamo de novo!
- BASTA!-disse o Senhor Seymour. - acho melhor vocês arrumarem um jeito de se darem bem, porque vão se casar querendo ou não!
   Houve um silêncio prolongado na sala de jantar, os únicos sons eram dos talheres batendo nos pratos. Ouvi Ian soltar um longo suspiro e falar em seguida:
- e você mamãe, como passou o dia?
- ah querido, tive um dia adorável com a Senhorita Helena, nós duas conversamos bastante e a levei para conhecer melhor a casa...
- que interessante! -disse Dorian. - e você Senhorita Helena?
-eu o que?-perguntei confusa.
- como foi seu dia?-perguntou Dorian.
- na verdade foi bastante entediante.
- entediante? -perguntou ele.
- eu era acostumada a cuidar dos meus irmãos, isso ocupava bastante meu tempo. Aqui não encontrei nada que pudesse me ocupar como tal!
-não se preocupe querida, logo estará casada e terá sua família para cuidar!-disse o Senhor Seymour.
   Fechei a cara para ele.
- acho que minha mãe não mostrou o cômodo da casa que irá lhe atrair!-disse Dorian.-A biblioteca.
   Arregalei meus olhos de surpresa.
- uma biblioteca? Aqui?-perguntei.
- sim, uma das grandes! Depois do jantar lhe mostrarei onde fica!-ofereceu Dorian.
- não! -disse o Senhor Seymour. - Ian levará ela a biblioteca. Eu e você temos assuntos urgentes a tratar, sua noiva está prestes a chegar.
  Dorian revirou os olhos e parou de comer, abandonando seu prato. Ele parece bem irritado com essa coisa de casamento arranjado.
- então você sabe ler?-perguntou a Senhora Seymour.
- sei sim. Meu pai me ensinou quando eu era bem nova. Ele achou importante me ensinar a ler e contar! -falei.
- eu aprendi a ler aqui, logo depois que me mudei, encontrei a biblioteca na minha primeira noite aqui e me encantei por aquele lugar. Ferdinando me ensinou a ler e isso nos aproximou.
- e você lia para mim. Era encantador querida!-disse ele pegando a mão dela.
  Eles parecem se amar bastante, era isso que eu queria, casar por amor, mas até isso foi tirado de mim.
  O jantar acabou e todos tinham alguma coisa para resolver.
- onde você vai?- perguntei ao Ian.
- não é da sua conta! -disse ele me dando as costas.
- espere, seu pai mandou o Senhor me levar a biblioteca!
  Ele se virou pra mim derrotado e disse:
-siga-me!
  Ele partiu a passos largos e eu tentei acompanhar dando pequenas corridinhas atrás dele.
   Ele abriu as enormes portas duplas de madeira e saiu da frente para que eu pudesse entrar.
   Eu fiquei lá na porta olhando para a cena mais bela de toda minha vida. São tantos livros... Livros pra vida inteira.
   O lugar era enorme, as paredes traziam livros do chão até o teto, escadas levavam aos topos, mesas e sofás vermelhos com dourado eram a mobília do local. Uma lareira de mármore branco crepitava, iluminando e aquecendo o local. Um enorme lustre pendia iluminado pelos reflexos do fogo. Em cima da lareira tinha um quadro muito lindo.
  Algumas lágrimas escaparam de meus olhos ao ver tanta beleza.
- você está chorando? -perguntou ele incrédulo.
- sim!-respondi secando as lágrimas.
- por que?-perguntou ele sorrindo.
- é muita beleza em um único lugar. Para mim, é o mais lindo e acolhedor lugar do mundo. Se pudesse moraria aqui dentro. Não consegue sentir? -perguntei a ele.
- o que exatamente?
- os aromas, os lugares, os sons...
- eu não vejo, sinto ou escuto nada. Você é estranha! -disse ele rindo de mim.
- no silêncio que se encontram os mais belos sons. Nos livros, na imaginação... Tudo está em nossa mente, podemos viajar sem realmente sair daqui...- falei.
- você realmente gosta de livros! -disse ele.
- é mais complicado que isso! É um sentimento diferente, indescritível... é uma espécie de amor!
- sei, sei...
- infelizmente meu pai não me dava tantos livros quanto eu queria, ele achava menos importante que roupas e joias. Infelizmente, o pouco que eu tinha foi levado pelos saqueadores!
- Sinto muito! -disse ele.
   Me aproximei da lareira e fitei a tela que estava lá. Uma obra de arte muito sensível e realista. Era um campo verde, com o céu azul com poucas nuvens. No meio do campo de grama alta, estava um menino de uns dez anos, deitado em um pano xadrez de piquenique, ele lia um livro enquanto haviam diversos espalhados a sua volta. Ele estava de baixo de uma árvore, e haviam maçãs espalhadas juntamente aos livros.
- que lindo. Me faz querer fazer o que ele está fazendo, encontrar este lugar...
- você gostou disso?-perguntou ele surpreso.
- sim, é sensível, realista e transmite alguns sentimentos... A liberdade e inocência de uma criança...
   Ele deu uma gargalhada que me fez olhar para ele irritada.
- o que foi?
-essa foi a coisa mais absurda que eu já ouvi na vida. Essa porcaria não pode ser chamada de arte nunca. Logo se vê que não entende nada de arte Senhorita. Cada vez mais me surpreende sua falta de bom gosto!
-se é tão ridículo assim, por que existem outros?
-outros? -perguntou ele.
- sim, existem vários outros quadros com a mesma essência que este. E se você os acha tão ruins por que ainda os têm? -perguntei irritada com ele.
- quem disse que são do mesmo pintor?-questionou ele.
- posso ver, não sou cega!- retruquei.
-pois parece, e tem um péssimo gosto. Ja pedi para minha mãe se livrar deles mas ela insiste em deixar eles a vista.
- Ah você realmente consegue acabar com qualquer conversa civilizada! -reclamei.
- não sou culpada pelo seu péssimo gosto, tanto para vinhos quanto para arte. E algo me diz que para outras coisas também.
- a saia daqui e me deixe em paz!-falei irritada.
- a casa é minha, eu vou onde eu quiser e quando eu quiser!
   Eu o encarei bem de perto e o desafiei:
- então me mande em bora!
   Ele me encarou por alguns segundos, sorriu abertamente e respondeu:
-vai ter que fazer melhor que isso Senhorita De Castro.
- bom saber, continuarei tentando Senhor Seymour.
   Ele me deu as costas e partiu, me deixando sozinha ali naquela imensa biblioteca.
   Meu coração acelerou só de imaginar os livros que eu poderia ler esta noite.
   Peguei um aleatoriamente e me sentei no sofá próximo a lareira, e ali permaneci noite adentro, lendo aquele livro e caindo no esquecimento de meus problemas, até pegar no sono ali mesmo, naquela imensidão de sonhos e aventuras e amores.

Casamento Arranjado [Completo]Where stories live. Discover now