Capítulo 62

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  Minha vida mudou bastante nesses últimos dias.
  Ter um coração partido, é muito mais doloroso do que eu esperava. Talvez se eu apenas tivesse aceitado meu destino desde o início, eu não teria me apaixonado, eu não teria sido uma sonhadora, não teria sido tola ou simplesmente não me importaria com quem Ian vai pra cama.
  Duas semanas se passaram desde o ocorrido. Eu nunca me senti tão deprimida na minha vida. Eu raramente saio do quarto, eu não consigo comer direito e nem dormir. Meus vestidos estão cada dia mais largos e as olheiras insistem em habitar meu rosto.
  Há dias não falo com ninguém. Dorian vem quase todos os dias, mas eu simplesmente o ignoro ou finjo que estou dormindo. Ian não quero nem ver. O Senhor Seymour me da um ódio profundo e Virgínia me deu o espaço que eu preciso para me conformar.
  Eu estou em um estado tão deplorável, que algumas noites atrás eu simplesmente encontrei uma das garrafas de uísque de Dorian e bebi. Passei mal durante três dias.
  Saí da cama e fui até a janela. O sol estava se pondo de maneira lenta e sua luz alaranjada estava cobrindo tudo, dando uma sensação de paz. O dia finalmete estava acabando, e a noite trás incertezas, pesadelos, lágrimas e solidão.
- eu não posso continuar assim!-falei me abraçando.
  Tomei um banho enquanto refletia sobre o meu futuro.
  Não há escapatória desse arranjo. Serei forçada a casar com Ian e passar o resto da minha vida ao lado de um homem que nem ao menos me respeita. Serei condenada a infelicidade eterna e a revolta de ser trocada todas as noites por uma mulher diferente.
  Não importa. Ele nunca irá me tocar. Nunca mais.
  Não me incomodei muito em me vestir adequadamente, nem me preocupei em arrumar meus cabelos ou passar maquiagem. Simplesmente coloquei meu vestido mais simples e uma capa de inverno com capuz.
  Saí sorrateiramente de casa e caminhei pelas ruas escuras.
  Uma vez meu pai me disse que meninas não devem sair de casa sozinhas, principalmente a noite. Mas eu nunca dei ouvidos ao meu pai mesmo.
  Eu não me lembrava do caminho direito, mas deduzi que as pessoas que estão na rua a essa hora estão indo para lá.
  Um barulho me assustou. Eu tive a sensação de está sendo seguida então apressei o passo e caminhei o mais rápido possível.
  O barulho de passos atrás de mim estava cada vez mais alto, sinal de que se aproximava com velocidade.
  Virei a primeira esquerda e percebi que estava em um beco sem saída. Não havia pra onde correr. Estou perdida e tem alguém atrás de mim.
  Uma silhueta apareceu na entrada do beco, me fazendo recuar e bater com as costas na parede. Meu capuz caiu e senti um frio percorrer a minha espinha.
  Me abracei tentando me proteger enquanto a silhueta se aproximava.
  Aparentemente era um homem, com quase dois metros de altura. Suas pisadas eram firmes e ouvi um barulho de lâmina.
- o que temos aqui?-perguntou ele com a voz ameaçadora.
  Ele se aproximava cada vez mais. Meu coração estava batendo a um ritmo alucinante, parecia que ia saltar por minha boca. Os pelos dos meus braços estavam arrepiados e minhas mãos estavam suando frio.
- por favor... -minha voz falhou.
- fica calma gracinha, não vou te machucar! -disse ele se aproximando. - Talvez só um pouquinho...
  Meu corpo estava tremendo e minha respiração estava ofegante.
-eu... Eu tenho... Tenho dinheiro! Muito. - falei gaguejando.  - Posso dar a quantia que quiser. Só tem que me deixar ir...
- sua proposta é tentadora! -disse ele apenas alguns centimetros de distância de mim.
  Eu pude sentir o odor fétido que emanava de seu corpo, era algo como lixo, peixes e cerveja. Senti ânsia de vômito.
- Por favor...- implorei tentando recuar ainda mais.
  Ele colocou um braço na parede a minha direita e com o outro encostou uma lâmina na minha garganta.
  Lágrimas começaram a escorrer involuntariamente de meus olhos e leves tremores se estendiam por meu corpo.
- infelizmente, hoje não estou procurando dinheiro! Estou em busca de um outro tipo de diversão!-disse ele no meu ouvido me fazendo tremer de pavor.
  Seu corpo estava colado ao meu, sua respiração estava pesada em meu pescoço e os seus lábios estavam perigosamente perto dos meus. Mas não posso me mover, tem uma faca em meu pescoço.
- o que uma gracinha como você faz fora de casa? Seu pai nunca te ensinou a não sair a noite? Hmm?
  Ele começou a me acariciar com uma mão e com a outra  continuou me ameaçando com a faca.
- você é bem bonita. Vou me divertir muito com você!-Disse ele gargalhando de maneira apavorante.
  No momento em que ele ia me beijar, ouvi um barulho de lâmina e tenho certeza que o homem também ouviu, pois arregalou os olhos e me encarou. No segundo seguinte, eu ouvi o som de carne sendo rasgada brutalmente e da lâmina sendo torcida na carne. Os olhos do homem eram puro pavor, dor e surpresa. De sua boca começou a jorrar um líquido negro e espesso que escorria por sua roupa. Em segundos ele caiu no chão com uma adaga enterrada em suas costas.
  Eu não consegui nem gritar. O pavor que me tomou foi tão grande que me deixou em estado de choque.
- Helena!- chamou alguém.
  Eu não conseguia olhar para a direção da voz. Pelo contrário, só conseguia olhar para o homem caído no chão agonizando.
- ele... Ele está... morto? -perguntei.
- eu não gostava dele mesmo. Me devia muito dinheiro esse desgraçado!
  Depois de ouvir essas palavras, finalmente olhei para o dono da voz grutal que acabou de me salvar e de matar um homem.
- você está bem? Ele te machucou? -perguntou ele.
  As lágrimas finalmente vieram, e junto a elas soluços violentos.
  Me atirei nos braços dele que me segurou como se eu fosse uma criança.
- vem, vou tirar você daqui!-disse ele me guiando para fora do beco.
  Fera me levou para a Taverna do Joe e pediu duas cervejas e uma mesa mais reservada onde pudéssemos conversar.
- mantenha o capuz. Há muitos conhecidos aqui hoje! - disse ele.
  Realmente, olhando ao redor, vi vários rostos familiares no estabelecimento fétido e horroroso do Joe. Um dos clientes inclusive, era Lorenzo que estava jogando cartas em uma mesa com aquela cortesã, a tal da Carmem em seu colo.
  Deixei meu capuz o mais próximo do meu rosto para não ser reconhecida por ninguém e me sentei juntamente ao Fera nos fundos do estabelecimento.
  Joe nos serviu as cervejas e eu virei a minha de uma vez só.
- vou precisar de muito mais! -falei jogando algumas moedas pra ele.
  Fera estava me encarando com atenção. Eu sabia o que ele estava prestes a dizer.
- o que você tem na cabeça? -perguntou ele furioso.
  Não repondi apenas bebi outro copo de cerveja e falei:
- não tem nada mais forte não?
  Não demorou para Joe voltar com uma garrafa de rum barato.
- qual o seu problema? Eu disse para você. Eu avisei pra não voltar. O que te faz pensar que pode sair sozinha a noite? Aquele homem ia te matar!-disse Fera irritado.
  Me impressionei com o tom de sua voz. Nunca o ouvi tão bravo.
- você matou aquele homem! -acusei.
- era você ou ele.
- não pedi sua ajuda! -retruquei.
- preferia que ele tivesse te violentado e depois te matado? Por que se quiser é só me avisar, tem uma quantidade impressionante de homens aqui loucos para fazer isso!
  Fiquei em silêncio.
- Não quero falar sobre isso!-resmunguei.
- não me interessa. Não pode ficar andado por ai a noite.
- você matou aquele homem! -acusei querendo culpar mais alguém.
- aquele desgraçado mereceu. E já foi tarde. Não vou sentir remorso e nem nada do gênero. Aliás, essa é a única morte da qual eu me orgulho. Mas isso não importa agora. O assunto é você! - disse ele irritado.
- não quero falar sobre isso!
- ótimo. Então deixa que eu falo. O que você tem na cabeça Helena? Isso não é lugar pra você. As pessoas são perigosas. Você sabe o risco que correu? Helena você sabe o que poderia ter acontecido?
- sei... - falei com um suspiro de derrota.
  Fera tem razão. Sou uma idiota.
  Fera relaxou um pouco e coçou a barba pensativo.
- me desculpe. Eu sou uma idiota. E obrigada por ter...
- tudo bem. Só não faça isso novamente.
  Fiz que sim com a cabeça e suspirei.
- vai me contar qual o problema? -perguntou ele sério.
- não há problema algum. Por que teria?-me fiz de desentendida.
- ninguém sai de casa a noite e sozinha sem que haja um problema.
- não quero falar sobre isso.-falei olhando para minhas mãos.
- tudo bem. Vou falar dos meus problemas então...
  Olhei pra ele confusa.
- meu filho quer saber por que tenho esse apelido. Ele também quer passar uns dias comigo mas a mãe dele não quer deixar ele se aproximar de mim por motivos óbvios...
- espera! Você tem um filho? -perguntei incrédula.
- sim. Qual o problema? -perguntou ele confuso.
- Nenhum... É só que...
- eu sou um assassino? Eu já tive família Helena. Já fui casado e tive um filho. Mas isso foi antes de eu mudar de profissão.
- o que você fazia?
- eu era caseiro de uma grande fazenda e caçador nas horas vagas, acho que mencionei isso com você.
- é, você falou.
- então... meu filho quer passar mais tempo comigo mas a mãe dele não deixa, e agora ela está adoentada e o garoto esta assustado. Ela está quase morta. Mas não aceita que eu crie o menino. Ela quer que eu o coloque na adoção ou que o leve para ser padre. Ela não adimite ter um filho assassino como o pai. Eu entendo as razões dela, mas eu só queria me aproximar dele.
- como ele se chama?
- Collin. Collin Cavalcante. Tem dez anos. - disse Fera com orgulho.
  Fiquei em silêncio. Sei o que ele está esperando. Acho que esta na hora de contar.
- não suporto mais a mansão Seymour.
- o que aconteceu? - perguntou ele prestativo.
- está com tempo?-perguntei sorrindo friamente.
- tenho a noite inteira senhorita! - disse ele.
- ótimo, não estou com pressa de voltar mesmo!

Casamento Arranjado [Completo]Where stories live. Discover now