Capítulo 69

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  Os dias estavam passando extremamente rápido. Eu não posso nem acreditar que o casamento está se aproximando e que vou me casar com Dorian Seymour.
  A sombra de Ferdinando Seymour continua nos rodeando, mas ninguém parece  se importar mais com isso, ninguém quer realmente saber quem matou Ferdinando. Parece até que não importa mais.
  Pietra estava sentada no sofá vermelho, suas mãos estavam repousadas sobre sua barriga enquanto ela exibia um sorriso de triunfo.
  Aquela reunião era para descutir sobre os detalhes do casamento, e pra minha surpresa, Ian estava atrasado. Ele nunca se atrasou.
  Virgínia não parecia bem. Ela estava mais magra e com profundas olheiras, ela não se recuperou da morte de seu marido. Acho que nunca vai se recuperar.
- onde está Ian?-perguntou Pietra.
- é seu noivo, você quem deveria saber!-respondi de mau humor.
- deixa de ser invejosa Helena, Ian está apaixonado por mim e pela ideia de ser pai. Você não quis dar o que ele queria, mas eu dei. E não me arrependo!-disse ela arrogante.
- cala a boca Pietra. Suas palavras são irritantes e desnecessárias! -disse Dorian também de mau humor.
- Não se preocupe querido, ela não me atinge! -falei dando um beijo rápido nele.
  Dorian sorriu e segurou minha mão.
  Estar com Dorian é fácil. Ele me trata bem, sempre está me minando, me agradando e me elogiando. Com Dorian, eu sempre sei o terreno em que eu estou pisando. Por mais que Dorian pareça imprevisível aos olhos das outras pessoas, para mim ele é completamente previsível e vulnerável. Talvez eu tenha um talento especial para lhe dar com o mau humor dele ou com as besteiras que ele fala. Acontece que com Dorian, eu me sinto segura porque sei como vai ser, diferente de quando estou com Ian. Quando estou com Ian é tudo instável e imprevisível. Nossa relação é confusa, nunca sei como agir perto dele e não consigo controlar a situação, o que sempre acaba resultando em brigas ou tapas. Ian é tudo que eu sempre quis, o amor. Dorian é o que eu preciso, estabilidade emocional.
  Ian entrou apressado na sala e se sentou ao lado de Pietra, que logo tratou de se agarrar a ele como um carrapato.
  O olhar de Ian encontrou minha mão atada a de Dorian e isso me fez sentir uma pontada de felicidade. Obviamente eu estava o atingindo, eu estava fazendo ele sentir o que eu senti quando o vi naquele quarto com Pietra.
  Olhei para Dorian e encontrei seus olhos em mim e seu sorriso simpático. Ele estava mudado. Ele não estava mais bebendo como antes, e suas saídas noturnas haviam cessado. Ao contrário, Dorian e eu passávamos muito tempo na biblioteca conversando e bebendo vinho.
  Sei que Dorian tem sentimentos por mim, e sei também que sua mudança repentina se deve a isso. Mas me sinto culpada. É como se eu tivesse usando ele para esquecer Ian, tarefa impossível desde que sou obrigada a ver ele todos os dias. Mas mesmo sentido o que sinto por Ian, eu resolvi dar uma chance para Dorian. Dar uma chance para o amor que ele diz sentir. Eu não tenho nada a perder, ser feliz já não é mais uma opção. Mas eu posso me casar com ele e ter um amigo para o resto da vida. Pode parecer egoísta da minha parte, mas Dorian é minha última opção. Se não houve casamento, passarei o resto dos meus dias sozinha. Ninguém iria se interessar por mim, não depois de todos os escândalos da família Seymour em que eu estive envolvida.
- desculpem meu atraso. Estava trabalhando! -disse Ian.
  Lembrei-me de certa vez, quando Dorian me falou que Ian encontrava conforto no trabalho. Que descontava toda sua frustração no trabalho.
  O olhar de Ian encontrou o meu, e o sentimento que comprimia meu coração estava presente entre nós novamente.
- então? Do que se trata essa reunião? -perguntou Ian impaciente.
- temos que resolver os detalhes do casamento! -disse Virgínia cansada.
- ainda haverá casamento? -perguntei surpresa.
  Todos me olharam confusos.
- e por que não? -quis saber Dorian.
- A morte de seu pai é tão recente. Não vamos remarcar a data?-perguntei a ele.
- você está protelando Helena. Você detestava o Senhor Seymour. Por que isso agora? Se não quer casar, é só dizer!-disse Pietra arrogante.
- Não é porque eu não gostava dele, que não o respeitava. Não faz nem um mês que ele morreu. Não deveríamos estar todos de luto?
- Helena tem razão! -disse Ian cansado.
  Pietra olhou para Ian de maneira assustadora.
- eu só estou dizendo que deveríamos estar de luto e não organizando uma festa. Nem se quer descobrimos quem matou Ferdinando! -falei indignada.
- isso é trabalho da milícia!-disse Dorian de mau humor.
- e eles deram o caso como encerrado! Não acha estranho?Não quer justiça? -perguntei a Dorian.
  Dorian suspirou e disse:
- tem razão.
- eu já falei e todos se negam a me escutar, somente Helena tinha motivos para matar Ferdinando! -insistiu Pietra.
- seria conveniente para você. Não seria? Se livrar de mim...
- mas sem sombra de dúvidas! - disse Pietra com uma gargalhada.
- o que nos leva de volta a você! Você não tinha motivos nenhum, o que já é bastante suspeito. E se eu fosse acusada, sairia do seu caminho. Isso é bastante suspeito. Sabe disso.- falei.
- está me acusando? -perguntou ela irritada.
- entenda como quiser!-respondi.
- você se acha muito esperta Helena. Tão esperta, que poderia ter planejado tudo isso!-acusou-me Pietra.
- diferente de você, que é burra de mais pra isso! Por isso tenho certeza que não foi você. Você não seria capaz! -falei indiferente.
- quer descobrir?-ameaçou Pietra.
- BASTA! - gritou Virgínia.
  Ela se levantou e se colocou entre nós.
- estou farta deste assunto e estou farta de vocês duas! Vamos andar logo com isso e ver se seus maridos suportam vocês de agora em diante!
  Um silêncio mortal.
  Virgínia sentou novamente e falou:
- quem serão os padrinhos?
- Blair e o marido dela!-falei objetiva.
- e os seus Pietra?
- Lorenzo e Cristal.- disse ela sorrindo.
- nem pensar! Não quero Lorenzo na cerimônia, quanto mais no altar!-falei irritada.
- Não me interessa, o casamento é meu também e eu tenho o direito de escolher meus padrinhos! -disse Pietra.
- nesse ponto ela tem razão! -disse Virgínia fazendo anotações em seu caderninho.
  Pietra sorriu vitoriosa.
- e as flores?
  Pietra respondeu orquídeas ao mesmo tempo em que eu respondi rosas. Uma nova discussão se iniciou.
- CHEGA! -irritou-se Virgínia.
- ela que não concorda com nada!-resmungou Pietra.
- Calada!-retrucou Virgínia. - Já chega de vocês duas, eu não aguento mais. Vou decidir tudo sozinha.
- mas... - começou Pietra.
- mas nada. Está decidido. Estão todos liberados!
  Nos levantamos prontos para sair, mas quando eu estava quase no corredor ouvi Virgínia falar:
- Helena! Tem um minuto?
- Claro!
  Deixei que todos saíssem da sala para que eu e Virgínia pudéssemos conversar a sós.
- algum problema? -perguntei preocupada com o estado lamentável dela.
- Na verdade, sim!-disse ela com um suspiro.
- do que se trata?-perguntei preocupada.
  Virgínia deu algumas voltas na sala e conferiu se realmente estávamos sozinhas.
- gostaria de te pedir um favor! -disse ela se sentando ao meu lado.
- se eu puder ajudar...
- pode! Claro que pode!- disse ela segurando minha mão.
- então? O que eu posso fazer por você?
- Eu gostaria que você parasse de tentar descobrir quem matou Ferdinando! -disse ela lentamente.
- mas por quê? Você não quer saber quem foi?-perguntei indignada.
- Não. E você também não deveria querer. A resposta pode magoar muita gente! -disse ela desviando o olhar.
- como assim?-perguntei desconfiada.
  Algo que eu nunca imaginei começou a se passar por minha cabeça.
- Virgínia. Do que você tá falando? Você sabe quem foi?-perguntei.
- sei!-disse ela com um suspiro.
- e que foi?-perguntei exasperada.
- fui eu Helena. Eu matei Ferdinando! -disse ela deixando as lágrimas escorrerem.
  Fiquei paralisada com a notícia. Eu não sabia o que pensar. Não sabia o que dizer. O simples fato dela ta me contando isso, me deixa ainda mais confusa.
- Virgínia! -sussurrei.
- Não me julgue Helena. Por favor! -disse ela entre lágrimas.
  Eu não sabia o que dizer, ou como agir. Eu estava surpresa de mais. O fato da pessoa que eu nunca desconfiei ser a culpada, me faz me sentir uma idiota.
  Virgínia me abraçou e fiquei sem saber como agir. Decidi abraçar ela também, mas mesmo assim eu ainda estava chocada. Sem saber o que pensar.
- me perdoa Helena! - sussurrou ela se afastando.
- eu... Eh...
  Eu continuava sem palavras. Por que eu? Por que meu perdão?
- eu não aguentava mais viver daquela maneira Helena! Por favor, entenda que foi a única opção...
  Fiquei em silêncio e deixei que ela falasse:
- viver com Ferdinando era como estar no inferno. Todos os dias um tormento diferente! Ele era bom, no início... Mas depois da morte de Anthony ele se transformou. Se tornou um homem rude, agressivo e descontrolado. Ele batia em Ian, batia em mim. Ele odiava Dorian e também odiava meus pais. Eu não estava aguentando mais...
  Ela estava chorando incontrolávelmente.
- Eu ainda o amo. Mas não podia mais viver daquela maneira. Eu estava sofrendo. Sendo espancada todas as noites e tendo que fingir que nada acontecia. Vendo meus filhos sofrendo eu sofria também. Eu não suportava mais o toque dele... Tudo fedia a uísque. Eu tinha repulsa dele, mas o amava...
- Virgínia...
- quando ouvi a proposta suja e nojenta que ele te fez, eu fiquei cega de ódio! -disse ela furiosa.
- você ouviu aquilo?-perguntei surpresa.
- aquele cretino, nojento! Eu senti tanta repulsa por mim e por você. Senti tanto ódio, tanta tristeza e desprezo. Eu só vi uma solução... Nos livrar daquele monstro. Acredite, estamos todos melhor sem ele!- disse ela de uma vez.
  Fiquei sem saber o que dizer. Tudo que ela me contou, eu entendia os motivos dela. Mas era uma vida. Uma vida que não valia muito, mas mesmo assim...
- ainda tenho pesadelos... - disse ela olhando para as mãos, como se tivesse vendo o sangue nelas. - E acho que nunca vão embora. É o preço a se pagar pela liberdade!
  Fiquei comovida e a abracei.
- Talvez não passe, mas com o tempo, a dor e a culpa diminuem!-falei baixo.
- Não. Eu mereço pagar pelo que fiz! Mereço ser infeliz! Mas vocês não! - disse ela.
- ninguém merece sofrer a vida inteira. Você apenas se libertou!
- desculpa ser uma decepção! - implorou ela.
- Não se preocupe, não estou com raiva. Surpresa talvez, mas raiva não! -expliquei confusa.
- entende agora o porque eu não queria que você continuasse?
- sim...
- eu não quero que eles saibam Helena. Não quero ser a vergonha deles. Apenas quero que eles esqueçam isso!-disse ela.
- Não se preocupe. Não falarei mais sobre isso. Nunca mais.
- me promete que nunca vai contar para ninguém! - disse ela agarrando meu braço de forma deseperada.
- vou levar seu segredo para o túmulo! -falei em voz baixa.
- jura?
- juro!-respondi.
  Ela sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos.
- eu precisava contar para alguém. Não suportaria guardar esse segredo sozinha! Estava enlouquecendo! -disse ela.
  Ela se levantou e me abraçou mais uma vez.
- sinto muito! -disse ela secando as lágrimas de seu rosto com as costas da mão.
- eu também! -respondi.
  Ela começou a se afastar, mas no meio do caminho se virou para mim e retirou de dentro do seu caderninho uma carta.
- quase me esqueci. Essa carta chegou hoje cedo.
- é para mim? -perguntei pegando a carta que ela me ofereceu.
- sim. É da sua família.
- obrigada! - agradeci confusa.
  Virgínia me deixou sozinha para ler a carta.
  Algo no fundo do meu coração me dizia que havia alguma coisa errada. Nenhum deles me escreveu desde o dia que eu cheguei. Por que agora? O que mudou?
  Abri a carta com dificuldades, minhas mãos estavam trêmulas e eu estava nervosa com as possibilidades.
  Li a carta rapidamente.
  Me sentei e fiquei encarando o papel por alguns segundos, relendo para ter certeza do que vi. Parecia brincadeira. Mas não era. Aquela letra bem desenhada e delicada era da minha mãe, e as manchas no papel que borravam a tinta, eram suas lágrimas.

Casamento Arranjado [Completo]Where stories live. Discover now