Capítulo 78

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  Era início da noite quando chegamos à mansão Seymour. Estava tudo silencioso, poucas velas e nenhum movimento na vasa. Nem os cães latiam, nem os grilos cantavam. Nada. Silêncio.
  Ian estava de cara amarrada, como um garoto mimado que perdeu seu brinquedo favorito. Acontece que ele perdeu muito mais que isso.
  Suspirei.
  Ian não me esperou e muito menos falou comigo, apenas entrou em casa como uma tempestade, levando tudo que estava no caminho.
  Não existe outra alternativa, não existe um futuro em que nós dois pudéssemos ser felizes. Eu não tenho culpa se ele se deitou com Pietra. A criança também não tem culpa. Não vou ser egoísta para afastar um pai de um filho.
  Entrei lentamente na casa, como se estivesse caminhando para a morte certa.
  Não passei tanto tempo longe daqui, mas sinto que esse lugar é estranho, frio, não parece um lar.
  Deixei minhas coisas na porta e caminhei pela sala, observando tudo por ali.
  Cada canto dessa casa tem um pouco de história. Tudo que vivi nesses últimos meses está enterrado nessas paredes. Segredos, paixão, amizade e sofrimento. Cada objeto desse lugar me traz uma lembrança diferente, mas mesmo assim não consigo dizer que aqui é um lar. Não consigo me familiarizar com tudo isso. Não há nada que me prenda aqui.
  Virgínia apareceu, descendo as escadas lentamente, com seu vestido negro de luto. Apesar de parecer uma dama da noite, ela estava infinitamente mais bonita do que quando parti. Ela estava mais corada, mais descansada e mais feliz. Apesar disso tudo, seu olhar continua distante, pensando no sangue que há em suas mãos. A morte de Ferdinando Seymour foi um alívio e um tormento para ela, e nunca mais ela será a mesma pessoa.
- querida, finalmente retornou! -disse ela me abraçando.
- olá Virgínia!
- e seu pai? Está melhor? -perguntou ela.
  Sorri com tristeza.
- Ele não resistiu!-respondi.
- Oh, sinto muito! -disse ela me abraçando apertado.
  Suspirei.
- onde está Ian?-perguntou ela olhando para a porta.
- eu não sei... - falei tentando segurar as lágrimas.
- aconteceu alguma coisa?-perguntou ela desconfiada.
  Fiz que sim com a cabeça.
- Ele disse que me ama!-falei deixando as lágrimas rolarem.
  Virgínia não falou nada, apenas me abraçou mais uma vez, em seguida me sentou ao seu lado no sofá.
- não preciso nem perguntar se você também o ama. É óbvio que sim e há muito tempo!-disse ela tirando uma mecha de cabelo do meu rosto.
  Suspirei olhando para a luz da vela, a claridade ajudava a conter as lágrimas, se você olhar fixamente...
- Helena?
  Olhei para Virgínia.
- o que vai fazer? Casar com Dorian?
- não posso mudar o que está feito. Tem uma criança envolvida. Não posso negar a ela um pai.- falei.
- eu entendo! Você está fazendo o que acha certo. Mas se você não ama Dorian, por que iludir ele?
- mas eu amo Dorian!
- não como ama Ian!-disse ela.
- não. Amo Dorian como um amigo. Já é o suficiente para começar. O amor pode vir depois com o tempo.
- sinto muito Helena, mas uma amizade não é motivação suficiente para um casamento. Dorian é meu filho e eu o amo e desejo a felicidade dele, mas ele não será feliz ao seu lado. Ao lado de alguém que não o ama como ele te ama.
- eu sei...
- então desista!
- não posso Virgínia....
- não estou dizendo pra você largar Dorian e fugir com Ian. Sei que você é muito justa e nunca faria isso. Mas acha que Dorian merece isso? Acha que Dorian não merece ser feliz? Ter a chance de realmente ser amado?
- mas eu...
- por que se casar com alguém que você não ama?-perguntou ela.
- porque se não casar agora, ficarei sozinha pelo resto da minha vida!-falei.
- está se  escutando Helena? Acha justo fazer isso com Dorian?
  Fiquei em silêncio por alguns segundos.
- estou me sentindo a pior das egoístas! -falei franzindo a testa.
- você não é egoísta. Só não sabe o que fazer. É normal. O amor nos confunde, nos faz sofrer...
- eu sei!
- pensa nisso Helena. O casamento é daqui a dois dias, ainda da tempo de mudar de ideia!
- estou decidida Virgínia. Eu vou fazer dar certo com Dorian. Nós seremos felizes...
- pensa direito. Tem dois dias para isso!-disse ela se levantando.
- obrigada.
- não por isso, agora preciso encontrar Celine!
- Celine já voltou?-perguntei me sentindo finalmente mais feliz.
- sim, mas não consigo encontrar ela. Ela desapareceu desde a hora do almoço!
- que estranho, Celine não é de se ausentar por muito tempo!-falei pensativa.
- pois é, ainda mais pelo fato de que ela estava ansiosa para te encontrar!
- mas ela saiu?-perguntei.
- não sei, ela estava aqui e de repente não estava mais!
- espero que esteja tudo bem!- falei preocupada.
- eu também, Celine é muito querida!
  Fiz que sim com a cabeça.
- suba e descanse, você precisa estar bem. Madame Charlotte vem amanhã fazer a prova do vestido.
   Suspirei.
- ainda da tempo!-disse ela antes de subir as escadas.
  Não, não dá mais tempo.
  Fiquei parada por alguns segundos antes de tomar a decisão de ir a sala do piano.
  A lareira estava acesa, alguém deveria estar por ali mais cedo, mas agora está vazia, do jeito que eu esperava.
  Sentei ao piano e comecei a tocar a melodia mais suave e mais triste que eu conhecia.
  Havia um tempo desde que eu toquei pela última vez, mas é o que eu sempre digo, a música mais bonita é aquela tocada com sentimento seja ele qual for, amor, felicidade ou tristeza. Cada melodia se torna mais intensa e pura que a outra.
  Diferentemente dos livros, a música não me faz viajar ou fugir da realidade. A música ela apenas transmite meu estado de espírito, ela me acalma e me faz refletir sobre meus sentimentos.
  Quando terminei aquela melodia ouvi alguém bater palmas. Olhei para o lado assustada e vi Dorian escorado na parede.
- oi!-disse ele.
- oi! Está aí a muito tempo?-perguntei com um sorriso fraco.
- o suficiente! -disse ele se aproximando.
  Dorian estava diferente, sua barba estava por fazer, o cheiro de uísque estava presente e o de charutos também.
- está tudo bem?-perguntei me levantando e me colocando de frente pra ele.
  Ele sorriu e passou a mão na lateral do meu rosto.
- estava com saudades! -disse ele em voz baixa.
- eu também! -respondi.
  Dorian se aproximou lentamente e me beijou. Até seu beijo estava diferente. Estava calmo, suave e delicado. Tentei corresponder ao seu beijo, mas eu só conseguia pensar em Ian, pensar em como nós nos beijamos, pensar nesses dias que passamos juntos. Me senti uma falsa, traidora e mau caráter.
  Minhas lágrimas escorreram e se misturaram ao nosso beijo, deixando um sabor salgado.
  Dorian se afastou e vi suas lágrimas escorrendo também.
   Antes que eu pudesse perguntar qual era o problema, ele falou:
- Estava pensando nele. Não é?
  Não neguei. Fiquei apenas em silêncio.
  Dorian fez que sim com a cabeça e secou suas lágrimas.
- Dorian...
- não Helena. Não fala nada! Eu fiquei todo esse tempo aqui sozinho e tive pensando em algumas coisas...
- que coisas?
- você ama o Ian! -disse ele com dor.
- eu...
- não negue Helena. Eu sei que você ama ele e que ele também te ama! Eu sou o intruso nessa relação.
- mas eu estou com você Dorian! -falei.
- você está comigo por pena, solidão, falta de opção... Não importa o motivo, você não me ama e isso é fato!
- é claro que eu te amo!-falei séria.
- não como eu te amo Helena. E é por te amar que eu preciso contar a verdade....
- que verdade?
- Helena, eu fui muito, muito egoísta. Talvez você nunca me perdoe, mas meu amor por você é real, nunca se esqueça disso. Nunca. E é por esse amor que te digo que você é livre pra ir... Livre para amar quem quiser. Serei feliz sabendo que você está feliz!-disse ele derramando suas lágrimas.
  Dorian estava trêmulo e mau podia olhar em meus olhos. Suas lágrimas escorriam e ele não se envergonhava delas.
  Minhas lágrimas também escorriam e eu não sabia o que dizer.
- Dorian...
- não Helena. Não fala nada ou não vou conseguir dizer tudo o que preciso dizer...
  Fiquei em silêncio.
  Dorian segurou minhas mãos e me olhou nos olhos.
- eu bebi muito pra finalmente conseguir coragem o suficiente para contar a verdade...
- Dorian, do  que você está falando? Que verdade?
- talvez você nunca me perdoe mas eu não...
- Dorian...
- Helena, eu sou o verdadeiro pai do filho de Pietra! -disse ele.
  Eu não conseguia pensar direito. Ele é o pai?
- não Dorian, eu vi eles juntos...
- foi tudo um plano de Pietra. Eu não sabia, eu juro... Mas nós tivemos nossos momentos. Pietra sempre foi ambiciosa e queria te destruir. Fiquei igualmente surpreso quando descobri que eles dormiram juntos. Então eu pressionei Pietra e a ameacei. Ela disse que dopou Ian e que nada aconteceu entre eles...
   Fiquei parada olhando pra ele. Sem nenhuma reação.
   Arranquei minhas mãos da dele e o encarei furiosa.
- eu estou tão decepcionada Dorian, que não sei nem o que dizer!
- não diga nada, só me deixa terminar!
  Suspirei tentando me acalmar.
- Pietra me convenceu que o plano daria certo e que eu poderia ficar com você. Eu sei que foi egoísta e que eu não pensei no seu sofrimento ou no de Ian, mas eu te amo. Precisava de você.
- você e Pietra brincaram com os nossos sentimentos. Isso foi cruel!
- eu sei, me perdoe por isso! Eu percebi que não posso ter tudo que eu quero e te ver sofrendo... Eu precisava te contar a verdade.
- eu...
  As lágrimas não paravam. Eu não conseguia falar ou pensar, só chorar. Ian não dormiu com Pietra.
- Helena me perdoa!-pediu Dorian.
  Dei um tapa forte na cara dele.
- eu mereço isso. Mereço isso e muito mais! Mas eu não me importo, você pode me bater, me odiar e nunca mais falar comigo. Mas meu amor é verdadeiro e por isso tenho que ser justo com você.
- você sabe como eu sofri?-perguntei em meio a um soluço.
- sei, e pesso perdão por isso!
- não sei se consigo! -falei com raiva.
  Dorian se ajoelhou e me abraçou chorando.
- me perdoa. Posso viver sem você mas não com você me odiando! -disse ele com a voz abafada pelo meu vestido.
  Meu coração é mole de mais. Eu sinto que deveria odiar Dorian, mas eu não consigo. Dorian foi meu melhor amigo e eu o amo. Não quero imaginar minha vida sem ele. Nunca.
- Dorian, levanta por favor! -pedi ajudando ele a ficar de pé.
  Sequei suas lágrimas e repousei minhas mãos em seu rosto.
- eu te amo Dorian e não seria capaz de te odiar. Nunca.
  Ele sorriu fracamente.
- então você me perdoa?-perguntou ele.
- sim!-falei sorrindo. -Você se arrependeu a tempo e mostrou ser um homem honrado.
- não, não mereço seus elogios.
- você é um homem bom. Um dia você vai encontrar alguém que te ame e que você também vai amar incondicionalmente.
- não sei se um dia serei capaz de amar novamente! -disse ele.
- não seja dramático Dorian, você é lindo, inteligente e engraçado. Deve ter várias mulheres suspirando por você! -falei acariciando seu rosto.
  Ele colocou a mão sobre a minha em seguida retirou ela do seu rosto e a beijou.
- a única mulher que eu quero eu não posso ter!
- Dorian...
- não diga nada, sei do meu destino! Estou mais que feliz por ter o seu perdão! Obrigada por isso.
  Eu o abracei apertado.
- NÃO ACREDITE NAS PALAVRAS DESSE CRETINO! -gritou alguém.
  Nós nos afastamos assustados e vimos uma Celine toda descabelada e com sangue escorrendo de sua testa. Ela estava andando meio trôpega e parecia um tanto desorientada.
- ONDE ESTÁ AQUELA VADIA?- gritou Celine.
- Celine? - chamei assustada.
  Ela estava um pouco perdida.
  Corri até ela e a abracei.
- Meu Deus Celine, o que houve? -perguntei preocupada com tanto sangue.
- não acredite em nenhuma palavra desse cretino! -disse ela apontando para Dorian.
- o que eu fiz? -perguntou ele confuso.
- você é o verdadeiro pai do filho de Pietra! -disse ela com raiva.
- Celine, eu já sabia. Ele acabou de me contar!-falei.
- ah, é? -perguntou ela sem graça.
- é! -disse Dorian de mau humor.
- Celine, o que aconteceu com você? -perguntei.
- eu... Eu descobri o que Pietra fez!-disse ela confusa.
- como assim?
- eu descobri que o filho era de Dorian. Depois descobri que ela havia dopado Ian e fingido se deitar com ele. Quando fui atrás dela, descobri ainda que ela perdeu o bebê!
  Cobri a boca surpresa.
  Olhei pra Dorian e vi seus olhos distantes. Era seu filho.
- e depois? Por que você está sangrando? -perguntei preocupada.
- Pietra quebrou dois vasos na minha cabeça e eu desmaiei. Quando eu acordei ela havia desaparecido e eu estava trancada no quarto dela. Mas ela é burra, não sabe que eu tenho todas as chaves dessa mansão! -disse ela irritada.
- e onde ela está? -perguntou Dorian.
- não sei. Deve estar escondida ou fugiu. Não sei!-disse Celine desorientada.
- eu vou procurar aquela maldita!-disse Dorian saindo irritado.
- você precisa de um médico! -falei.
- não, vou ficar bem. Você precisa da verdade! -disse ela.
- Dorian me contou tudo!
- Ele realmente te ama. Ele provou isso a todos. Não era só um capricho como eu imaginei! -disse ela sorrindo.
  Sorri.
- você precisa descansar. Vamos, vou te levar para o seu quarto! -falei.
- não! Me deixa aqui! Vá atrás de Ian. Vocês tem muito o que conversar!
- eu vou sim, mas primeiro vou ajudar a minha amiga que se arriscou por mim!

Casamento Arranjado [Completo]Où les histoires vivent. Découvrez maintenant