Capítulo 67

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  Acordei de manhã extremamente assustada, acho que estava tendo um pesadelo.
- ALGUÉM ME AJUDA!
  Os gritos vinham do primeiro andar, e sem sombra de dúvidas eram de Virgínia.
  Então não se tratava de um pesadelo. Aquele velho nojento deve ter descontado sua fúria nela.
  Levantei da cama com um salto e me enrolei em um pano qualquer.  Desci as escadas dois degraus por vez, e cheguei a sala do piano.
  Eu fui a última a chegar e quase não pude ver com todos na minha frente.
  Pietra estava perto de mim e vomitou no chão me obrigando a pular por cima da sujeira.
  Passei por entre os corpos que se espremiam na porta da sala e só cobri a boca com as mãos enquanto assistia aquela cena grotesca.
  O Senhor Seymour estava estirado no chão e em torno dele havia uma poça de sangue. Sua boca estava aberta e manchada de sangue seco por onde escorreu e formou aquela poça no tapete. Mas havia também uma faca cravada em suas costas, e o sangue dali se juntou ao que escorreu de sua boca, formando uma imensa mancha carmim no tapete branco. Os olhos castanhos do Senhor Seymour estavam abertos e bem arregalados, sua expressão de pavor ainda estava estampada em seu rosto pálido.
  Parecia um pesadelo. Era terrível olhar para aquele corpo frio e ensanguentado. Era muito sangue, muito tenebroso. Era horrível.
  Virgínia estava ao lado do corpo chorando em desespero, seus braços estavam em torno de seu marido, e soluçando ela arrancou a faca das costas do Senhor Seymour, seu falecido marido.
  Ian deixou algumas lágrimas escaparem enquato assistia a tudo àquilo. Senti que ele estava sofrendo, talvez até mais que os outros. Ele não tinha a melhor relação do mundo com Ferdinando, mas o homem era seu pai. Foi ele quem o ensinou tudo o que ele sabe, eles tinham o sangue, laços impossíveis de se desfazer. E sei que Ian está sofrendo mesmo que o pai o detestasse. Triste fim para uma família.
  Dorian fitava a cena toda de um jeito que me deu muita pena. Ele não chorava, longe disso. Ele estava sério e não desviava o olhar do corpo de seu pai. Eu podia ver a confusão, a tristeza e o desespero dele em seus olhos, era como se ele não acreditasse em seus próprios olhos.
  Pietra estava horrorizada, mais branca que o normal, ela estava chorando e passando mau por ter visto todo aquele sangue. Ela está grávida, e uma emoção forte como essa pode ser prejudicial ao bebê.
  Eu não conseguia chorar. Por mais que eu tivesse apavorada com toda àquela cena, eu não conseguia sentir pena dele. Eu sentia compaixão por Virgínia que perdeu o marido e por Dorian e Ian que perderam os pais. Mas não consigo sentir compaixão por ele. Ele era um homem terrível. Maltratava, espancava e intimidava sua esposa e filhos, assim como todas as pessoas que ele conhecia. Ele tripudiou da morte de Izabel e Wladimir, fez piadas mesquinhas sobre mim. Ele se achou no direito de mandar em mim e me agredir. Ele desgraçou a vida de Ian por um motivo sem cabimento, afinal a morte de Anthony não foi culpa de Ian. Ele detestava os modos de Dorian e ao mesmo tempo o apoiava, confundindo o rapaz e tirando seu foco. Ele batia em Virgínia que sempre o serviu e nunca levantou a voz para ele. Ele se achou no direito me fazer propostas nojentas. Ele era desonesto, rude e perverso.
  Deus me perdoe, mas não consigo chorar por ele.
  Apesar de tudo, estou com pena da morte cruel que ele teve, ser apunhalado pelas costas e não poder ver seu agressor ou se defender... É muito cruel. Cruel de mais até para o Senhor Seymour.
- quem fez isso?-perguntei sem reação.
- não sabemos! -disse Ian.
- eu o encontrei agora pela manhã! Ele não foi para a cama ontem, achei que tinha saído ou tivesse muito atarefado... - contava Virgínia enquanto se debulhava em lágrimas.
- é possível alguém ter entrado na casa?-perguntei.
- não, acho que não! Os cães lá fora ficariam agitados e não tem sinal de arrombamento!-disse Ian monótono.
- aquela janela já estava aberta? -perguntei me dirigindo a Virgínia.
  Ela olhou para a janela nos fundos e assentiu.
- então pode sim ter entrado alguém! -falei.
- acho pouco provável! -disse Dorian suspirando.
- Por que?-perguntei.
- não há sinais de luta. Meu pai não morreria sem revidar!-disse Dorian.
- Ele foi apunhalado pelas costas Dorian. Ele provavelmente não viu quem o atacou!-falei como se fosse óbvio.
- duvido muito. Ele era um cretino, mas era esperto! -disse Ian.
- Ian! Respeite a memória de seu pai!-brigou Virgínia.
- eu ainda acho que...
- Helena, para! -disse Pietra. - Ta bem claro pra mim que foi você. Você estava insatisfeita de ter que casar com Dorian e se livrou do problema!
- FICOU LOUCA? EU NUNCA MATARIA ALGUÉM! -gritei indignada.
- Mas você foi a última a ver ele antes da morte! -disse Pietra.
- eu não... A Cala a boca! Não cansa de me prejudicar?
  Olhei para os outros rostos na sala e todos me encaravam com expressões semelhantes. Dúvida e desconfiança.
- que? Estão desconfiados de mim?-perguntei irritada.
  Ninguém respondeu.
  Olhei para Ian, mas ele não me olhou de volta, seus olhos estavam fixos em seu pai.
- eu nunca mataria ele. Nunca mataria ninguém! -me defendi.
- talvez você não! Mas e aqueles seus amigos? Os assassinos... Você poderia facilmente ter pedido a um deles!-insinuou Pietra.
- Se você queria me irritar, parabéns! Você conseguiu! Não matei ele e não mandei ninguém matar!-falei irritada.
- eu não...
- Ah cala a boca! Todos aqui têm motivos para ter feito isso. Por que eu? Todos aqui tem raiva ou até mesmo ódio. Não sou a única com motivações.
  Todos estavam em silêncio.
- talvez todos... Menos você Pietra! -falei desconfiada.
- está louca? Você mesma acabou de dizer que eu não tinha motivos!-se defendeu Pietra.
- Por isso mesmo. Você estaria fora de suspeita e poderia facilmente incriminar alguém. Como está fazendo agora!-acusei ela.
- acha que eu jogaria tão baixo? - perguntou ela indignada.
- não sei! As pessoas tem atitudes estranhas para conseguirem o que querem!
- Fale por você! -disse ela.
- BASTA!-gritou Ian.
  Olhei para ele surpresa.
- não foi a Helena. Ela estava comigo ontem. Depois que ela saiu do gabinete do meu pai nós nos encontramos. Estávamos  conversando na varanda depois a levei ao quarto dela e segui para o meu.
  Fiquei surpresa ao ouvir a mentira de Ian. Nós não nos vimos na situação em questão. Eu fui diretamente para meu quarto e dormi.
  Por que ele está fazendo isso? É para me proteger? Ou para se livrar da culpa?
- eu estava na taverna do Joe. Cheguei há alguns minutos! -disse Dorian.
  A história de Dorian é a mais verdadeira. Apesar de que é boa de mais para isso. Por que ele saiu depois de tanta confusão? Se bem que ele adora fugir da realidade, não seria surpresa. Mas...
- eu estive no quarto a noite inteira! -disse Pietra.
- eu também! -sussurrou Virgínia.
- não vamos encontrar o culpado agora. O corpo está começando a cheirar mau! Temos que apressar as coisas! -disse Dorian.
  Uma coisa se passou por minha cabeça, então saí.
- onde você vai?-perguntou Ian.
- resolver o mistério da janela aberta! -respondi.
  Corri para meu quarto e troquei de roupas imediatamente.
  Sem que ninguém notasse, saí escondida de casa e fui até a taverna do Joe.
  Durante o dia aquele lugar até parecia um pouco menos nojento. Mas eu não estava ali pra isso.
  Fera estava dormindo debruçado em cima de uma mesa. Seu ronco era estrondoso e ele estava babando.
- FERA! -gritei o assustando.
  Ele olhou em volta um pouco perdido e logo me encontrou.
- Helena? O que faz aqui? Está tudo bem?
- não! Não tem nada bem!-respondi.
- posso te ajudar?
- talvez. Mas precisa ser rápido. Estou com pressa!-falei me atrapalhando um pouco com as palavras.
- o que aconteceu? -perguntou ele dessa vez totalmente desperto.
- meu sogro. O Senhor Seymour. Conhece?
- sim. Já o vi mais de uma vez! -respondeu ele confuso.
- ele foi assassinado! -sussurrei.
- ASSASSINADO? - gritou ele.
- shh!
- como?-perguntou ele.
- uma facada nas costas! -respondi.
- Cruel!-disse ele.
- sabe alguma coisa sobre isso?-perguntei.
- ou como assim?
- você ou Doc tem alguma coisa a ver com isso?-perguntei.
- NÃO! -disse ele indignado.
- por favor. Não minta, se sabe de algo...
- não, não sei! Eu e Doc passamos a noite aqui depenando patos!-disse ele.
- sabe se alguém mais queria ele morto?
- não...
- vocês assassinos não conversam?- perguntei indignada.
- não é assim que funciona boneca! Mas não, o movimento estava normal. Nada de estranho no ar!
- não sei quem pode ter feito isso! -falei.
- se me permite dizer, seu sogro tinha muitos inimigos!
- imagino o porque! -respondi.
  Fiquei em silêncio por alguns minutos.
- preciso ir. Não posso me ausentar por muito tempo. Obrigada pela ajuda.
- não por isso! Se houver algo que eu possa fazer por você...
- não, obrigada!
  Caminhei rapidamente para sair daquele lugar fétido, mas me detive no meio do caminho.
- Fera? -chamei.
- sim?
- Dorian esteve aqui ontem? -perguntei.
- não que eu tenha visto! Na verdade, já faz um tempo que ele não aparece por aqui! -disse ele.
- obrigada! -falei partindo.
  Então Dorian também mentiu.

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